Introdução
Ao longo dos tempos, e ainda enraizada culturalmente na atualidade, a incapacidade de assumir a Diferença desencadeou enormes atrocidades dirigidas a quem ‘saía da norma’.
Hoje, continua a ser muito difícil pensar e falar numa sociedade equitativa, num planeta dominado pela globalização, ainda regido pela tendência homogeneizadora da sociedade que teima em perpetuar o individualismo e a competição individual. O facto de muitas nações e muitos governantes ou líderes, no mundo inteiro, aumentarem a prioridade da educação nas suas políticas, revertendo décadas de baixo nível educacional, resulta da convicção de que a educação é a chave para a construção duma sociedade melhor, não só para as crianças de hoje, mas também para as gerações futuras. Esta convicção é também partilhada por docentes de Educação Especial (EE) que não se podem dissociar da certeza de que é através da educação que se fomenta uma forma mais intensa e mais harmoniosa de desenvolvimento humano, reduzindo a ignorância, a pobreza, os conflitos e, sobretudo, a exclusão. Na eliminação da exclusão, está implicada, em simultâneo, uma outra ótica do trabalho do docente de Educação Especial (que nos parece ser usualmente muito preterida no seu trabalho prático) e que se encontra implícita na Declaração de Salamanca (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, UNESCO, 1994), especificamente no seu ponto n.º 2, que aponta as escolas regulares, que seguem uma filosofia inclusiva, como “os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos (…)”.
O Perfil de Professores Inclusivos sustenta que “a aprendizagem é um processo e o objetivo, para todos os alunos, é aprender a aprender e não apenas o conhecimento de conteúdos disciplinares” (Agência Europeia para o Desenvolvimento das Necessidades Educativas Especiais, EADSNE, 2012, p. 15).
Inclusão e exclusão começam, então, na escola: as formas como a escola promove a inclusão, prevenindo a segregação, constituem o cerne, experimentado por todos os alunos, da qualidade de viver e aprender. Independentemente da legislação ou do comprometimento governamental em relação à inclusão, o que define a qualidade da participação das crianças e o leque de práticas de aprendizagens oferecidas no contexto escolar são as experiências quotidianas desses discentes nas suas salas de aula. De forma equivalente, são fundamentais as interações e as relações sociais que eles têm entre si e com os outros membros da comunidade escolar. Apesar dos muitos progressos no domínio da inclusão, persiste a necessidade da criação de condições de acolhimento mais facilitadoras para os alunos com necessidades educativas especiais (NEE) e, principalmente, a adoção da celebração da pluralidade e heterogeneidade de identidades, cada vez mais presentes no quotidiano escolar. É através do sucesso de iniciativas realizadas ao nível da escola, particularmente as desenvolvidas pelo docente de EE, que tenham por base a perspetiva da inclusão, que se poderão mudar atitudes e práticas a curto, médio e longo prazo.
A prática pedagógica instituída projeta o docente de EE, quase exclusivamente, para o desenvolvimento de estratégias alternativas focalizadas na superação dos limites associados aos comprometimentos do aluno com NEE, na busca da sua transposição para anular os pontos que o distanciam dos padrões convencionais de normalidade. No entanto, e como afirmam Pires e Rodrigues (2011, p. 11), no seu artigo sobre as práticas do professor de EE, e suportando-se em Hegarty (2001), este docente “(…) tem como função gerir e acompanhar a política de NEE da escola, ajudar a vencer barreiras, liderar/aconselhar professores e técnicos envolvidos no processo do aluno com NEE, coordenando todas as ações respeitantes à inclusão dos alunos NEE”.
A compreensão da diversidade e da Diferença e a consciencialização de que ela é um elemento essencial na natureza humana devem ser o âmago das práticas desenvolvidas pelo docente especializado em Educação Especial. Assim, neste universo de profissionais de educação, os docentes de Educação Especial (EE) têm uma responsabilidade acrescida, já que exercem um papel fundamental como gestores privilegiados do processo educativo e informativo e, por isso, devem apoiar e orientar todos os alunos, futuros membros ativos da comunidade, na aprendizagem de competências necessárias para a promoção da inclusão educativa e social das crianças com necessidades educativas especiais. A nossa opinião é reforçada por Kronberg (2003, p. 51) que acrescenta que o papel destes especialistas será o de “promoverem, entre os alunos da classe, a compreensão do que constitui a inclusão, assim como transmitirem informações acerca dos procedimentos correntes, no que respeita ao trabalho e à comunicação com alunos que apresentam NEE”.
Por conseguinte, a docência deste profissional deve abranger, não só o aluno que beneficia do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, mas toda a comunidade educativa. Porém, as práticas docentes que anulam a exclusão são, irrefutavelmente, de construção e aplicação coletiva e dependem das perceções inerentes aos seus atores, do seu estímulo no envolvimento em ações inovadoras e (re)formadoras, da sua capacidade reflexiva e da sua vontade em construir uma Escola Inclusiva.
Os diversos estudos sobre as perceções e as atitudes dos professores titulares face à educação inclusiva “mostram que os professores do ensino regular se percecionam como não estando preparados para ensinar crianças com dificuldades, referindo baixa perceção de autoeficácia a nível pessoal e de ensino, considerando ineficazes as adaptações instrucionais e curriculares na sala de aula” (Scruggs, 1996, citado por Faria, 2011, p. 71) e, segundo relata uma pesquisa brasileira, publicada em 2003 por Glat, Ferreira, Oliveira e Senna (Pletsch, 2009, citado por Colling & Sganzerla, 2013, p. 127) sobre professores com formações que não abrangeram a Educação Inclusiva, “de maneira geral, não estão preparados para receber em sua sala de aula alunos especiais”. Também Werts, Wolery, Snyder, Caldwell e Salisbury (citados por Correia, 2008, p. 23), nos seus estudos, mencionam que “os professores temem a filosofia de inclusão quando não lhes são disponibilizados recursos humanos e materiais, tempo e formação necessários para a implementarem com sucesso”. Esta diversidade de representações individuais, alimentadas por condicionantes intrínsecas (confiança, valores, autoconceito…) e extrínsecas (meio, experiência docente e com alunos com NEE, formação profissional,…), interfere de modo fulcral na perceção do docente titular de turma em relação às práticas do colega de EE.
Assim, este estudo procurou refletir sobre a pertinência de intervenções sistemáticas e diversificadas mobilizadoras da comunidade escolar, para a tomada de consciência sobre a Diferença e, sobretudo, para a mudança das visões e atitudes dos pares e gestores educativos, em relação ao papel mais abrangente do trabalho do docente de Educação Especial.
O desafio começou pela constatação das práticas reais usuais dos docentes de EE, que nos levaram a questionar a necessidade de outros fazeres para promoção da inclusão, direcionadas, não só para o desenvolvimento de competências na faixa dos alunos com NEE, mas também dirigidas ao restante universo discente escolar. Foi com base neste pressuposto que considerámos pertinente auscultar as perceções dos profissionais de educação dos primeiros anos de escolaridade – Pré-escolar e 1.º CEB –, e incentivá-los e desenvolver com eles, numa perspetiva de interdisciplinaridade, um projeto pró-inclusivo.
Na sequência da definição do problema, formulámos a seguinte questão de investigação: Como é que os docentes do Pré-Escolar, do 1.º CEB e o órgão de gestão descrevem a importância de práticas do docente de Educação Especial, promotoras da inclusão? Nesta linha de pensamento, o objetivo do estudo foi o de proporcionar um ponto de partida para a reflexão sobre as práticas do docente especializado em Educação Especial e sobre as mudanças operadas nas representações acerca dessas práticas, a partir da implementação de atividades e de planos promotores da inclusão, desenvolvidos ao longo do percurso escolar e partilhados por toda a comunidade educativa, no sentido de uma plena educação para a cidadania global.
Método
Tendo em conta todo o contexto que conduziu à questão de investigação, optámos por desenvolver um estudo de natureza qualitativa porque esta metodologia privilegia, essencialmente, a compreensão dos problemas a partir da perspetiva dos sujeitos da investigação. Orientados, então, por este paradigma, analisámos situações que ocorreram em ambiente natural – a escola. Dada a natureza do objetivo da investigação, considerámos mais adequado o estudo interpretativo que consideramos ser de investigação-ação. A investigação-ação, sendo “um poderoso instrumento para reconstruir as práticas e os discursos” (Latorre, 2003), cujo objetivo fundamental consiste na mudança e melhoria da realidade e da prática (Almeida & Freire, 2007; Boggino & Rosekrans, 2007; Sanches, 2011), pretende dar resposta a uma série de problemas sociais e educacionais, surgindo o conhecimento e a ação em simultâneo. Neste sentido, foi desenvolvido o projeto Sensibilizar para a Diferença.
Participantes
O projeto Sensibilizar para a Diferença desenvolveu-se num agrupamento de escolas do distrito de Aveiro, durante os 2.º e 3.º períodos do ano letivo 2012-2013, em escolas do Pré-Escolar e do 1.º CEB, abrangendo 20 docentes titulares das turmas (4 educadoras e 16 professores), os seus 304 alunos e 2 professores membros do órgão de gestão.
Instrumento
A recolha de opiniões foi realizada a partir da entrevista de grupo focalizada ou grupos de discussão (focus group) porque “os grupos de discussão podem ser suficientes em ocasiões onde a intuição, a compreensão e a explicação são mais importantes que os números” (Krueger, 1991). Esta escolha permitiu o levantamento das descrições que as educadoras, os professores e o órgão de gestão tinham e tiveram sobre as práticas do docente de EE, antes e depois, respetivamente, do desenvolvimento das atividades do projeto Sensibilizar para a Diferença.
Procedimento
O estudo iniciou-se com a submissão do Projeto de investigação à Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa, os pedidos de autorização e de consentimento informado aos participantes, no contexto do estudo.
A recolha de dados foi efetuada em dois momentos da investigação, intercalados por 14 ações de sensibilização. Assim, neste estudo empírico, ao longo dos dois últimos períodos escolares, foram realizados três “focus groups”, antes do trabalho de intervenção para auscultar as perceções dos participantes no início da investigação e duas entrevistas de grupo focalizadas, cujos discursos apresentaram as perceções pós-intervenção e consciencialização para a Diferença. Numa fase posterior, realizámos a análise de conteúdo das informações recolhidas.
Como forma de sensibilizar também aqueles que, fazendo parte da Comunidade Educativa do Agrupamento de Escolas onde se desenvolveu este estudo, não tiveram a oportunidade de experimentar os desafios destas práticas promotoras da inclusão, esteve patente durante dois meses, na escola sede, a “Exposição Diferente” com alguns dos trabalhos elaborados pelos alunos no âmbito do projeto Sensibilizar para a Diferença.
Vídeo 1 Projeto Sensibilizar para a Diferença |
Resultados e Discussão
Através da partilha e discussão de ideias nos “focus groups” e durante o desenvolvimento do projeto Sensibilizar para a Diferença, surgiram diversas opiniões (mudanças ou resistências face à inclusão), vivências, sentimentos, questionamentos e, até, constrangimentos acerca dos assuntos emergentes que permitiram momentos de reflexão e de crescimento conjuntos, categorizados em domínios e categorias (figs. 1 e 2), a partir do discurso dos participantes:
Figura 1 – Domínios e categorias dos “Focus groups”
Figura 2 – Categorias e subcategorias do domínio Representação sobre o docente de Educação Especial
Os participantes mostraram bastante disponibilidade para debaterem as suas posições em relação à importância do docente de Educação Especial, cujos saberes específicos, advindos da formação especializada e da experiência que o trabalho nesta área oferece, foram assinalados como fator principal da importância do docente de EE, em conformidade com Vieira (2013):
“Eu acho que é importante o papel do docente porque, à partida, sabe um pouco mais ou terá maior experiência do que nós em relação a algumas problemáticas das nossas crianças (…)”
“Exato! Quer pela parte técnica, em princípio deve estar mais apurada pela formação que tem, e pela parte de contactos de instituições, de técnicos, de equipas e essas coisas todas que podem ajudar…”
No entanto, nos “focus groups” pós-intervenção emergiu a valorização de práticas mais abrangentes de sensibilização e de mobilização da comunidade educativa:
“Mais do que o trabalho com um grande grupo, o professor da educação especial é um professor que mobiliza ou que deve ser mobilizador de toda a comunidade educativa em volta das diferenças (…)”
Foram citadas características consideradas inerentes ao perfil deste docente, como sejam a tomada de uma atitude de abertura na docência, o protagonismo na unificação do grupo e o veículo transmissor das capacidades e habilidades dos alunos com NEE. Os participantes distinguiram o profissionalismo do docente de EE, de acordo com as suas práticas, e este discernimento foi justificado pela constatação vivencial de atitudes de iniciativa, assertivas e colaborativas de alguns docentes especializados, em contradição com as posturas de displicência de outros:
“E eu já trabalhei com bons profissionais e já trabalhei com péssimos profissionais (…) aquelas pessoas que se intitulam de docentes de educação especial acabam por estar lá para passar o tempo, por não se ver o fruto do trabalho deles (…). Há aquele técnico que tem uma intenção educativa no que faz, tem o conhecimento do problema da criança e tem essencialmente vontade de cooperar, de ajudar. (…) Normalmente, os outros que estão lá só de corpo presente não: esses têm intenção de retirar as crianças e fazer um trabalho… não é paralelo, eu sei lá o que é, é passar o tempo….”
“(…) chega à sala e limita-se a cumprir o que está programado… que ela [docente titular] tem planificado”.
Os participantes tiveram, como refere Krueger (1991, pp. 24-25), “amplas oportunidades de comentar, explicar e partilhar experiências e atitudes”. Vinculada a esta distinção, a vocação, tendo sido apresentada como condicionante de boas ou más práticas, permitiu complementar as perceções e considerámos importante “manter os participantes da discussão numa determinada direção” (Grudens-Schuck et al., 2004, citados por Franz, 2001, p. 1383).
Os intervenientes foram muito claros, nos primeiros encontros grupais, sobre o posicionamento deste agente educativo relativamente à prática pedagógica, sendo visto, essencialmente, como um recurso, uma mais-valia, um profissional que complementa as práticas dos educadores ou professores titulares. Contudo, uma aproximação mais equitativa em relação aos titulares ganha terreno com o desenrolar da conversação, principalmente nos “focus groups” pós-intervenção, pois o docente de EE passou a ser percecionado como um parceiro que partilha estratégias inovadoras, interdisciplinares, mas que também é um ator que conquista o apoio dos membros da comunidade, desenvolvendo um trabalho próprio:
“(…) é o gestor da vida do aluno”;
“(…) em que a educação especial esteja lá, mas que é mais uma professora, e mais um trabalho em si”.
A ideia do relacionamento do docente de EE abarcou a ligação com a família, com o grupo ou com os serviços externos do aluno com NEE, mas também apontou no sentido do desenvolvimento de competências específicas, da ajuda ao docente titular no trabalho com os discentes, com comprometimentos, e da deteção de novos casos no âmbito da Educação Especial. A ligação com a comunidade foi maximizada pela perceção de maior disponibilidade deste docente em termos de horário, quando comparado com os seus pares titulares. Contrariamente, a gestão do tempo é entendida como um dos constrangimentos ao sucesso educativo dos alunos com NEE porque todos os participantes expressaram discursos de insatisfação pelo tempo insuficiente do colega de EE, no apoio às crianças abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, à semelhança de Hallahan e Kauffman (1997, citados por Correia, 2008), Cardoso (2011) e Bolieiro (2012):
“Para já, eu acho que as práticas estariam melhor se eles tivessem mais disponibilidade de horário para estar com as crianças. Estão muito pouco tempo com as crianças e não há seguimento no trabalho; não é um trabalho contínuo. E acho que o principal entrave, para mim, é esse”;
“Mas eu acho que isto realmente acontece pelo pouco tempo que temos e que têm, eles andam sempre a saltitar de escola em escola, vão para aqui, vão para ali, acabam por não fazer trabalho nenhum em condições. A verdade seja dita! Vai para aqui, vai uma hora para ali, e já está a pensar no que vai fazer a seguir por que tem uma oficina não sei das quantas com eles…”;
“Até hoje, os alunos que eu tive tiveram sempre tempo insuficiente…”.
Por outro lado, anuíram também que a tipologia da deficiência influencia a relação destes discentes com o seu grupo/turma e, consequentemente, interfere na prática docente de todos os profissionais de educação:
“(…) Como não era uma deficiência visível, eles não entendiam por que ‘com aquele tens de estar mais tempo e nós também temos dificuldades e não estás aqui’; ‘as tarefas são diferentes porquê?’, ‘por que é que ele faz assim e eu não posso também fazer?’…”
Como opinado por Sanches e Teodoro (2007), seja individualmente, em pequeno ou em grande grupo, é perceção de todos os participantes que a prática usual do docente de EE é o apoio pedagógico personalizado ao aluno com NEE, o que vem também responder à nossa questão de investigação. Notou-se sintonia de discursos ao longo dos “focus groups”, no que concerne à relação indissolúvel entre o docente de EE e esta medida educativa. Mas, se é perceção que é prática usual acompanhar o aluno individualmente, já nas práticas que deve abranger a Educação Especial, os inquiridos expressaram concordância com o trabalho conjunto com o grupo/turma para a potenciação de aprendizagens, como referido pela UNESCO (1994), pela EADSNE (2012) e pelos estudiosos Pinheiro (2001), Stainback, Stainback, East e Sapon-Shavin, (1994, citados por González, 2003), Morgado (2003), Tilstone, Correia e Santos (2003, 2005, 2007, citados por Rebelo, 2011), Kronberg (2013) e Rodrigues (2013). A importância dada ao apoio personalizado para o desenvolvimento de competências está também subjacente ao acompanhamento desse discente fora do contexto escolar (consultas médicas, posto de trabalho, acompanhamento familiar, entre outros), sugerido como prática destinada a algumas horas de estabelecimento do profissional de EE. Alguns intervenientes comunicaram práticas usuais de ligação com a família, com os técnicos e/ou profissionais de saúde do aluno que beneficia da Educação Especial. Nos seus discursos, foi expressa a perceção de que o “feedback” dos agentes que prestam serviços fora da escola carece de efetivação:
“A criança muitas vezes tem uma equipa multidisciplinar mas não funciona como equipa. As parcerias não funcionam”.
Relacionada, ainda, com o aluno com NEE, emergiu, nestas discussões grupais, a necessidade de serem desenvolvidas, pelo colega especialista, estratégias diferenciadas e adequadas à idade da criança, aos seus comprometimentos, competências e capacidades, tendo sido visada nos segundos “focus groups”, a sua participação em todas as atividades propostas aos seus pares, indiciando já, nos participantes, perceções de ações promotoras de inclusão:
“Neste momento, já não é como no início do ano, já não se nota tanto, porque o grupo onde está inserido acabou por aceitar e os pais acabaram por aceitá-lo [aluno autista]”;
“(…) acho que o professor também deve promover atividades de grande grupo ou do grupo onde o aluno está inserido (…), de inclusão, temas que promovam a inclusão com o grupo todo”;
“Eu também acho que é papel do professor da educação especial fazer, por exemplo, atividades ou palestras com pais, com os pais do grupo turma, a sensibilizá-los também para a integração, a inclusão porque muitas vezes os pais dos alunos, ditos normais, são os primeiros a influenciar à exclusão”;
“Devem fazer-se Ações para os professores, nós temos de ser sinceros, temos colegas que ainda não estão sensíveis a determinadas problemáticas”;
“Eu acho que o trabalho do professor de educação especial não deve ser só em sala de aula, se calhar tem de começar de fora para dentro… na comunidade”.
Das práticas planeadas e desenvolvidas com o aluno em grande grupo, despontou, nos professores do 1.º CEB, a interrogação sobre quem detém a responsabilidade pela criança que usufrui das medidas propostas pelo Decreto-Lei nº. 3/2008. Uma vez que estas opiniões foram proferidas no “focus group” pós-intervenção, este tema, apesar de não estar por nós inicialmente previsto, possibilita aferir, embora precocemente, a interiorização da ‘normalização’ da frequência do aluno com NEE na escola regular e da tomada de consciência de uma responsabilidade coletiva, valores ambicionados pelo projeto Sensibilizar para a Diferença.
Nos primeiros “focus groups”, a referência a práticas pró-inclusivas desenvolvidas usualmente pelos docentes de EE foram ténues. Uma outra visão sobre estas práticas tornou-se clara nas duas últimas entrevistas de grupo focalizadas, com o alargamento do campo de atuação e dos destinatários destas práticas, mas, sobretudo, foi expresso o objetivo destas ações – promover a criação de uma Escola Inclusiva:
“(…) envolvendo, obviamente, as outras. (…) também sensibilizar essas crianças dessa instituição, não só da sala de aula, os pais e a comunidade para tratarem essa criança como outra, embora tenha algumas características diferentes, Criando uma escola mais inclusiva”.
Esta evolução vem ao encontro do propósito da escolha da metodologia de intervenção, que pretendia alterar, através duma evolução sistemática, o investigador e a realidade na qual ele age e que, “devidamente operacionalizada, é uma abordagem da investigação qualitativa que obriga à compreensão da realidade com o objetivo de a transformar” (Sanches, 2011, p. 141).
Em termos colaborativos, a articulação do docente de EE com o seu colega titular foi a prática mais sublinhada, não se inibindo os participantes de relatar situações mais negativas vivenciadas, quando indagados sobre as práticas usuais protagonizadas pelo profissional especializado. Previsivelmente, e conforme apontam Vayer e Rocin (1992), Nagle (1972, citado por Mazzota, 1993), Vygotsky (1997) e Mittler (2003), esta experiência vivida, conjugada com a necessidade declarada pelos docentes de um trabalho de articulação e de parceria, condicionou grandemente as perceções das práticas que a Educação Especial deve abranger:
“Acho que é importante haver articulação entre o docente do grupo e da educação especial. É importantíssimo que haja mesmo, senão cada um está a trabalhar para o seu lado e não interessa nada (…)”.
Notando-se um anseio dos intervenientes nas entrevistas focalizadas pela partilha, seja de saberes, seja de procedimentos em relação aos alunos com NEE, estas práticas também foram realçadas nas sugestões para os tempos de estabelecimento, reportando-nos às afirmações de McLeskey e Waldron (2007, citados por Silva, 2011) sobre a dificuldade de articulação existente. A vontade de mais e melhor conhecimento, em anuência com Formosinho e Niza (2002), também direcionou o campo de transmissão de informações e experiências do docente de EE para um público mais alargado:
“Em termos gerais, também acho em termos da estrutura de grande escola, podia-se, eventualmente, utilizar esses tempos da educação especial para dar formação a pais, aos outros colegas… em termos de escola, no geral”.
Consequentemente, e na linha de Ainscow (2011, citado por Nogueira & Neves, 2011), no decorrer dos “focus groups” foi constante a indicação da necessidade de uma articulação entre todos os agentes educativos da criança com NEE.
Se, nas práticas usuais, foi referida a elaboração documental realizada em reuniões, já na ocupação dos tempos não letivos esta prática foi preterida pela criação de materiais específicos no âmbito da Educação Especial. A organização e a planificação do trabalho também foram elencadas para as três horas não letivas do docente especializado. Embora o órgão de gestão, inicialmente, tenha conferido vantagens à utilização do docente de EE como mais um recurso para substituições e alguns docentes tenham apresentado uma postura de resignação em relação ao ‘imposto’, o sentimento de desperdício de práticas especializadas foi notório, principalmente nos últimos “focus groups”:
“Tudo bem… A lei é assim, tem que se cumprir. Tudo bem, é componente de estabelecimento, dá jeito para o estabelecimento mas para a função do docente de educação especial…”;
“Opino que o docente de educação especial seja rentabilizado de outra forma, que realize mais atividades no âmbito da sua área. Nem sempre assim é possível por causa da distribuição de serviço. Muitas vezes faltam professores para ocupação dos tempos escolares e nem sempre é possível”;
“Acho que o professor de educação especial não deve estar em substituições nem em apoio à biblioteca; há trabalho para além de outros apoios educativos que são mais importantes de serem feitos.”
Um último tema pertinente foi introduzido num dos “focus groups” iniciais dos professores do 1.º CEB e não apresentou opiniões consensuais na pós-intervenção. A distinção apresentada entre a escola integradora e a escola inclusiva foi consensual e vai na mesma linha das opiniões expressas por Morgado (2010) e Mittler (2003), mas a comparação entre Portugal e outras realidades educativas europeias consideradas, pelos titulares, menos integradoras/inclusivas ou mais tardias na integração/inclusão do que a portuguesa, originou não só pontos de vista semelhantes, como hesitantes ou, até mesmo, opostos em relação à prática mais adequada ao sucesso educativo da criança com NEE. Contudo, na discussão, torna-se clara a perceção da falta de recursos da escola portuguesa para, em vez de integrar, incluir:
“Há uma diferença significativa. Muitas vezes, fala-se em integração e inclusão e não é a mesma coisa, pois o que nós fazemos é integração, não inclusão, porque a escola não está preparada para incluir. Não está. É muito difícil preparar escolas com todas as condições para incluir um aluno. Integrar é mais adaptar o aluno à escola; incluir é adaptar a escola ao aluno. Para o que nem sempre há recursos. Para já, é necessário ter recursos para isso, uma carrada deles, e o que se faz, muitas vezes, é o aluno ter de se adaptar”;
“Pela minha experiência, a inclusão é e continua a ser… ainda está muito aquém. Porque é assim, não é só pôr uma criança dentro da sala de aula… eu digo como professora e já são muitos anos…”.
Estes momentos para “sugerir ideias, clarificar potenciais opções, reagir a ideias, recomendar ações, tomar decisões, planear ou avaliar” (Krueger & Casey, 2000, p. 3), mostraram claramente o distanciamento entre a teoria e as práticas da realidade experimentada, tendo ficado o entendimento de que há muito a fazer para podermos realizar o compromisso assumido por Portugal nos acordos e convenções subscritas.
Conclusão
Não sendo a generalização pretensão ou âmbito deste estudo, ao reconhecermos algumas perceções indicadoras de boas e más práticas, de inclusão e segregação, de forças e fragilidades do docente de EE, importa agora, entre todos os agentes educativos (independentemente da sua posição no contexto escolar), clarificar e estabelecer um plano de ação responsável e mais abrangente, promotor da Inclusão na comunidade educativa, que reforce as práticas pró-inclusivas destes profissionais especializados e que contribua para a reorientação das visões comummente percecionadas em relação ao seu trabalho.
É vital para a Escola Inclusiva que se explorem novas práticas de trabalho e isto implica mudança. E mudança requer vontade, mas vontade de todos porque “possivelmente, a questão mais difícil que se apresenta àqueles que tentam trabalhar com os professores na melhoria da prática da sala de aula consiste em saber como incorporar novas formas de trabalhar nos repertórios pré-existentes” (Ainscow, 1998, p. 51). E para que a perspetiva da inclusão possa ser adotada com êxito, torna-se necessário o envolvimento de todos os docentes da escola e também uma mudança de mentalidades, relativamente à ideia de que as crianças com NEE são da responsabilidade de especialistas.
Como parte ativa que fomos nesta investigação, acreditamos que os docentes de EE, devem continuar a ser incentivados a aprofundar os seus conhecimentos enquanto educadores e especialistas e, ao mesmo tempo, a estabelecer novas parcerias de ensino, no seio das suas próprias comunidades educativas para, juntos, conseguirmos começar a retirar implicações para que cada vez mais crianças, jovens e adultos respondam positivamente à diversidade humana.