“O problema é que estão a tentar ir ao encontro do futuro fazendo o que fizeram no passado. E no caminho estão a alienar milhões de miúdos que não vêem qualquer propósito em ir à escola. Quando nós íamos à escola, éramos mantidos lá com a história de que, se nos esforçássemos, tivéssemos bons resultados e conseguíssemos um diploma, teríamos um emprego. Os nossos miúdos não acreditam nisso. E têm razão em não acreditar, diga-se de passagem. É melhor ter um diploma do que não ter, mas já não é uma garantia. E sobretudo não será se o percurso para o alcançar marginaliza a maior parte das coisas que sentimos que são importantes para cada um e cada uma de nós” (Ken Robinson, Changing Education Paradigms, 2010, minuto 1:00 a 1:30, tradução livre).
É no contexto das rápidas e profundas mudanças ocorridas em Portugal e na Europa nas últimas décadas que o projeto aqui relatado se insere e é delas que retira o seu sentido, procurando constituir-se como uma resposta local, ao mesmo tempo necessária e inovadora, a desafios que são globais. Tirando partido tanto das novas tecnologias da informação e da comunicação, como de métodos educativos ativos e participativos, e procurando envolver diversos atores locais e, consequentemente, diferentes saberes e experiências, este projeto visou constituir-se como uma resposta aos persistentes desafios do insucesso, da desmotivação e do abandono escolar entre os jovens portugueses, procurando prevenir percursos futuros de auto e hetero desvalorização e de potencial exclusão. E procurou fazê-lo justamente contrariando estas tendências, em linha com as mais recentes orientações internacionais (CEDEFOP, 2007; Council of Europe and European Commision, 2011, OECD, 2010), partindo do reconhecimento e da valorização daquilo que a comunidade e o seus jovens já são e daquilo que vão aprendendo a ser, para os desafiar a, em conjunto, aprenderem mais e a quererem ir mais longe.
Este foi o projeto Desafia-Te(*) , um projeto de prevenção secundária na área educacional numa perspetiva comunitária e inclusiva, promovido pelo Gabinete da Juventude da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. Destinou-se a jovens com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos que manifestam claros indicadores de desmotivação e insucesso escolares que se traduzem em risco de abandono escolar precoce. Através de técnicas ativas e experienciais de formação , realizadas em diversos contextos extra-escolares, pretendeu-se que os e as jovens participantes desenvolvessem competências transversais relevantes para o seu desenvolvimento pessoal e para o seu sucesso escolar e integração social (Figura 1).
Figura 1. Competências transversais inerentes ao projeto e reconhecidas pelo grupo de participantes.
2. Porquê o desafio: as origens e os fundamentos do projeto
“A educação deve destinar-se a promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicas, na medida das suas potencialidades. E deve preparar a criança para uma vida adulta ativa numa sociedade livre e inculcar o respeito pelos pais, pela sua identidade, pela sua língua e valores culturais, bem como pelas culturas e valores diferentes dos seus.” (Convenção sobre os Direitos da Criança, Artigo 29, 1989)
O concelho de Santa Maria da Feira pertence à região Norte e à sub-região Entre o Douro e o Vouga. Apesar de se encontrar no distrito de Aveiro, é parte integrante da Área Metropolitana do Porto (AMP) desde 2005. Registando, em 2011 uma população residente de 139.706 habitantes (cerca de 8% da população da AMP), o concelho de Santa Maria da Feira apresentava, nesse ano, uma das maiores percentagens de população jovem desta região (11,6% de jovens com idades entre os 15 e os 24 anos (Fonte: INE, Recenseamento Geral da População 2011)).
Figura 2. Mapa do Concelho de Santa Maria da Feira.
Tal como em todos o país, a população juvenil de Santa Maria da Feira tem enfrentado nos últimos anos desafios significativos no que toca à sua integração social, educativa e laboral, apresentando fragilidades particularmente significativas no que se refere às condições de acesso e de sucesso escolar. Com efeito, no ano de 2013 17,6% dos processos instaurados pelo sistema de promoção e proteção a nível nacional tiveram como fundamento situações de perigo em que estava em causa o direito à educação de crianças e jovens (5.551 processos), sendo esta a terceira maior causa de sinalização às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em todo o país. Entre estes casos foram identificadas como principais causas para esses alertas o absentismo escolar (53%), o abandono escolar (44,3%) e o insucesso escolar (1,7%). 63% desses processos corresponderam ao escalão etário dos 15 aos 21 anos (3.496 processos) (CNPCJR, 2013). A nível concelhio, esta é uma tendência que também se verifica, tendo a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Santa Maria da Feira acompanhado, no mesmo ano, 140 jovens entre os 15 e os 21 anos, sendo que 23,6% destes casos (33 casos) corresponderam a situações de perigo em que estava em causa o direito à educação (Relatório anual de atividades da CPCJ de Santa Maria da Feira, 2013).
Coincidentemente, o Gabinete da Juventude da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira tem observado, ao longo dos últimos anos, um crescimento de jovens sem ocupação, que não estudam nem trabalham, situação que gera junto deste grupo uma espiral de desmotivação, desvalorização pessoal e exclusão social, tal como verificado em muitos outros contexto europeus (Eurofound, 2012). De comum entre estes e estas jovens registam-se as baixas qualificações e a proveniência de contextos socioeconómicos e familiares fragilizados, que se constituem como potenciais limitações ao seu desenvolvimento psicossocial (Abreu-Lima, 2003) e à sua integração no mercado de trabalho (Capucha, 2010).
Segundo a experiência acumulada pelo trabalho de proximidade realizado na autarquia de Santa Maria da Feira, estes e estas jovens, rotulados pelos meios de comunicação social de “jovens nem, nem” são, na sua maioria, desconhecidos dos sistemas de apoio formais e, por isso, encontram-se à margem de respostas sociais que procuram combater a exclusão social, não tendo inscrições nos centros de emprego e estando na dependência económica da sua família nuclear, que, na sua maioria, aufere de subsídios sociais. Quando desempenham alguma função laboral, esta é amiúde pontual e o rendimento que daí advém não é declarado, estando sujeitos e sujeitas a condições laborais que assumem contornos legais pouco transparentes, o que, por conseguinte, compromete a sua estabilidade presente e a sustentabilidade e segurança futuras.
Figura 3. Recorte de Grande Reportagem do Jornal ‘Diário de Notícias’ de 30 de março de 2014. Outras notícias aqui e aqui.
Reconhecendo a existência deste grupo juvenil particularmente vulnerável, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira decidiu, em 2015, desenhar e desenvolver o projeto Desafia-Te, um projeto de prevenção secundária (cf. Romano & Hage, 2000) junto de jovens do concelho com menos de 18 anos de idade, que apresentassem comportamentos e atitudes que sugerissem a possibilidade de abandono escolar precoce, e, consequentemente, a longo prazo, um risco acrescido de exclusão social (Thematic Working Group on Early School Leaving, 2013).
Figura 4. Estudos para o logotipo do projeto, a ser definido com o grupo de jovens.
Sendo Santa Maria da Feira um concelho membro, desde 2002, da Rede Territorial Portuguesa das Cidades Educadoras, o projeto Desafia-Te procurou materializar, no seu desenho e desenvolvimento, o princípio da cidade educadora que é transversal às atividades e iniciativas que concretizam as políticas municipais na área da educação e juventude. O projeto partiu do pressuposto de que
“A cidade dispõe de inúmeras possibilidades educadoras. A vivência na cidade se constitui num espaço cultural de aprendizagem permanente por si só (…) Mas a cidade pode ser ‘intecionalmente’ educadora. Uma cidade pode ser considerada como uma cidade que educa, quando além das suas funções tradicionais – económica, social, política e de prestação de serviços – ela exerce uma nova função cujo objetivo é a formação para e pela cidadania.” (Gadotti, 2006, p.134).
O Desafia-Te constitui-se assim como uma estratégia educativa não formal, de âmbito municipal, capaz de oferecer aos e às jovens do concelho oportunidades diversas e complementares de desenvolvimento de competências pessoais, sociais, cívicas e profissionais, dando-lhes mais confiança e capacidade para construírem os seus projetos e trajetos de vida.
Figura 5. Dinâmica de grupo ‘O rio e as pedras’, desenvolvida numa das sessões.
Em coerência com os pressupostos da Carta das Cidades Educadoras (2004) as experiências e oportunidades de educação não formal proporcionadas aos e às jovens participantes no Desafia-Te foram integralmente planeadas e desenvolvidas por agentes do tecido associativo local e por entidades locais e nacionais que se dedicam ao desenvolvimento pessoal, à aprendizagem e à promoção da cidadania(ver critérios e processo de seleção dos parceiros na seção seguinte). Procurou-se justamente estabelecer uma relação positiva entre o potencial transformador destes agentes e a possibilidade de conhecer, experimentar e aprender dos e das jovens a partir de diferentes formas de intervenção na comunidade. Concomitantemente, pretendeu-se que as entidades envolvidas tivessem a oportunidade de concretizar, num processo consciente, o seu papel enquanto agentes educadores na comunidade que integram, desta forma reconhecendo-se e capacitando-se enquanto atores educativos e, expectavelmente, assumindo responsabilidades em matéria de juventude e educação de forma continuada, estruturada e concertada.
3. Construir desafios: o desenho do projeto
Previamente ao desenho do projeto, duas Técnicas da Divisão de Juventude da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira consultaram e visitaram projetos em diferentes pontos do país que visam prevenir ou reduzir o insucesso e o abandono escolar, motivando os e as jovens para a frequência escolar(*) . Estas pesquisas e visitas permitiram ter contacto com metodologias de educação e ensino intrinsecamente orientadas por valores democráticos de participação direta, através de estruturas de cooperação educativa, tendo sido consideradas pela equipa gestora do projeto como relevantes para o desenvolvimento do projeto Desafia-Te.
Com a inspiração trazida destas experiências, foi iniciado um diagnóstico concelhio envolvendo vários agentes da comunidade local, tais como os estabelecimentos de ensino do concelho, o tecido associativo, os e as jovens e as suas famílias. Neste sentido, em maio de 2015 foi enviado um questionário a todos os agrupamentos de escolas do concelho de forma a melhor caracterizar as problemáticas do insucesso e do absentismo escolar. Verificou-se a existência de abandono escolar em diferentes agrupamentos de escolas do concelho, tendo sido possível traçar um perfil destes jovens: maioritariamente com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, com várias retenções, não havendo diferença significativa relativa ao género e à via de ensino frequentada.
Os e as jovens foram igualmente escutados, através de uma entrevista realizada à equipa do projeto jovem autarca, representantes da juventude do concelho(*) . Este grupo de jovens apontou algumas lacunas no atual sistema de ensino, tais como a falta de aulas práticas, a ausência de conhecimento das empresas locais, turmas alargadas em que os alunos com dificuldades ficam em segundo plano, carga horária excessiva e pouca exigência antes do ensino secundário. Por outro lado, valorizaram a possibilidade de usufruírem de experiências vocacionais (contacto real e continuado com contextos de trabalho), visitas de estudo reais e não passeios (visitas com carácter vocacional), mais desporto escolar, oficinas práticas, orientação vocacional para criar objetivos socioprofissionais e necessidade de acompanhamento psicológico mais próximo e regular.
Ainda na fase de construção do projeto, a restante comunidade escolar foi também envolvida dando-se a conhecer o projeto às direções das escolas públicas numa reunião do Conselho Municipal da Educação no final do ano letivo de 2014/2015. Mais tarde foi realizada uma reunião coletiva com as equipas dos Serviços de Psicologia e Orientação dos diferentes agrupamentos de escolas para explicar o âmbito e os objetivos do projeto Desafia-Te, reforçando-se o carácter de prevenção secundária do projeto. Os e as psicólogas responsabilizaram-se por, juntamente com as direções de turma, identificar jovens do seu agrupamento que pudessem beneficiar deste projeto, tendo por base a sua relação com o sistema de ensino e o seu potencial de mudança. Depois de concluída a referenciação de jovens com perfil para integrar o projeto, foram agendadas sessões de apresentação em cada agrupamento de escolas, sendo dada a oportunidade aos e às jovens de manifestarem o seu interesse em participar, ou não, no projeto.
Posteriormente, todos e todas os que demonstraram interesse foram sujeitos a uma entrevista, tendo sido a seleção feita com base na motivação e disponibilidade demonstradas. Deste processo resultou um grupo inicial de 17 participantes, 6 raparigas e 11 rapazes, com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, sendo que a maioria se encontrava entre os 14 e os 15 anos de idade. Estas e estes jovens frequentavam entre os 6º e o 11º anos de escolaridade, integrando diferentes vias de ensino em estabelecimentos de ensino de diversas localidades do concelho.
No que respeita às organizações parceiras, foi realizado um levantamento das várias entidades do concelho e foi realizada uma pré-seleção com base no trabalho que cada organização desenvolve e no seu potencial formativo em face das áreas previamente elencadas pelo grupo de jovens identificado. Assim, procurou-se valorizar a intervenção pela arte e criar um espaço para autoconhecimento onde também se pudessem encontrar “talentos escondidos”, reforçando assim a autoestima e o autoconceito (cf. Argyle, 2008) dos e das jovens participantes. Para além disso, procuraram-se entidades que estes e estas jovens pudessem integrar futuramente, profissional ou voluntariamente, contribuindo para a sua inclusão social e participação cívica. Procurou-se ainda que estas entidades pudessem disponibilizar respostas e serviços potencialmente relevantes para a construção dos projetos de vida dos e das jovens participantes.
Neste sentido, foram realizados contactos preliminares de forma a compreender que entidades estavam disponíveis para colaborar com o projeto. Posteriormente, foi realizada uma reunião com cada uma das organizações parceiras para melhor dar a conhecer o projeto e compreender de que forma cada entidade poderia contribuir para a construção do mesmo. Por fim, no início do projeto foram realizados dois seminários de parceria envolvendo representantes de todas a entidades a fim de concertar metodologicamente a intervenção educativa a desenvolver (Figura 6).
No total foram envolvidas no projeto dez organizações parceiras, oito locais e duas de âmbito nacional. Entre as oito entidades concelhias contava-se uma de ensino superior, duas de solidariedade social, uma económica e quatro de âmbito cultural e recreativo, assumindo todas um papel relevante na dinamização sociocultural e/ou económica do território, bem como na afirmação da sua identidade cultural. Por seu lado, ambas as entidades de âmbito nacional envolvidas assumem como objeto de atuação a educação e a promoção da inclusão social e da cidadania. A adesão destas entidades foi expressiva, disponibilizando-se todas a participar no projeto através da mobilização de espaços, pessoas e recursos a título voluntário ou em articulação com projetos próprios já em curso.
Figura 6. Sessões do Seminário de Parceria do projeto, com as equipas técnicas das organizações parceiras.
4. Propor desafios: o desenvolvimento do projeto
O projeto Desafia-Te constituiu-se como uma estratégia de educação em rede, liderada e coordenada pela autarquia, mas construída e desenvolvida por uma diversidade de entidades locais e regionais que se assumiram como atores educativos, num exercício de cidadania solidária, em prol da inclusão e da emancipação social dos jovens do concelho (cf. Gadotti, 2005; Zitkoski, 2005). Consequentemente, este coletivo de agentes adotou como objetivos globais do Desafia-TE: 1) apoiar a definição do projeto de vida de cada participante tanto a nível pessoal como a nível profissional, promovendo a aquisição de diferentes competências através de experiências de educação não formal; 2) proporcionar aos e às jovens um ambiente informal de partilha de experiências; 3) fomentar os valores de cidadania e reforçar a participação dos e das jovens nas mais variadas ações que permitam a sua inclusão social.
Para a consecução destes objetivos cada entidade parceira aportou contributos específicos decorrentes das suas áreas de atuação. Assim, concretamente, a ALPE – Agência Local em Prol do Emprego assumiu o papel de dinamizadora de três oficinas nas áreas de formação e empregabilidade. O Instituto Padre António Vieira promoveu o desenvolvimento de competências pessoais e sociais através da oficina Vidas Ubuntu, dinamizado durante três dias consecutivos. O conhecimento da cultura local e identidade territorial estiveram a cargo da Confraria da Fogaça e do Agrupamento de Produtores de Fogaça, durante uma sessão. As expressões musical e corporal foram exploradas pela Cooperativa Casa dos Choupos, em três sessões intercaladas. Os tópicos da diversidade cultural e interculturalidade foram abordados pela ONGD Rosto Solidário, durante duas sessões. A exploração do teatro foi promovida pela Associação Marionetas da Feira, durante duas sessões, e as artes circenses pela Associação Juvenil CiRAC, durante uma sessão. O ISVOUGA assumiu a promoção de competências relacionadas com a criatividade e inovação, ao longo de uma tarde. Por fim, a Rede Inducar assumiu um papel técnico de caráter transversal, apoiando a equipa gestora no desenho e monitorização da estratégia educativa do projeto, promovendo a capacitação inicial das restantes entidades parceiras a nível pedagógico, facilitando a sistematização e o reconhecimento das aprendizagens realizadas pelos e pelas jovens participantes, bem como o envolvimento das suas famílias e, finalmente, a avaliação final do projeto.
Figura 7. Calendário das sessões do projeto, apresentado na reunião com as famílias e na primeira sessão com o grupo de participantes.
De todos estes contributos resultou uma planificação de sessões semanais, realizadas todas as quartas-feiras entre as 15h00 e as 18h00, destinadas aos e às jovens que integram o projeto. A primeira sessão realizou-se a 13 de janeiro de 2016, perspetivando-se realizar a última a 22 de junho do mesmo ano (Figura 7). A cada organização parceira foi adstrita uma ou três sessões, sendo estas distribuídas temporalmente em função das respetivas disponibilidades, mas procurando sempre oferecer aos e às participantes um percurso experiencial diversificado e desafiador ao longo do projeto. A sessão dinamizada pela Rede Inducar em cada mês visou proporcionar a oportunidade dos e das participantes sistematizarem e de aprofundarem as aprendizagens desenvolvidas nas sessões anteriores, bem como entre elas. Algumas atividades pontuais foram também realizadas fora da calendarização regular, tais como passeios e participações em eventos, sempre que tal foi considerado coerente e relevante para o processo educativo em curso.
O projeto teve a sua sede no Centro de Recursos Educativos Municipal, situado na freguesia de Lobão, sendo que as diferentes sessões decorreram, maioritariamente, nas sedes de cada um dos parceiros, promovendo o contacto direto com a realidade da estrutura. Em cada sessão foi assegurado o transporte aos e às jovens desde as suas localidades de residência, por uma empresa de transporte contratada pela autarquia, com o acompanhamento de duas pessoas da equipa técnica do Gabinete da Juventude. Semanalmente esta equipa facilitou a articulação logística entre jovens e organizações parceiras, garantindo a participação de todos e de todas, bem como a realização de cada sessão de acordo com a estrutura planificada e em correspondência com as expectativas e necessidades do grupo.
Ao longo deste período foram ainda realizados dois encontros com as famílias dos e das participantes, primeiro com o objetivo de apresentar o projeto, e depois com o intuito de discutir e reconhecer as aprendizagens e as mudanças percecionadas pelos e pelas jovens participantes.
5. Como desafiar? A abordagem metodológica e recursos educativos do projeto
«Je ne veux plus aller à l’ école, parce qu’on y apprend des choses que je ne sais pas»
[Eu não quero ir mais à escola, porque só se aprende coisas que eu não sei.]
(Ernesto, em “La Pluie d’été”, de Marguerite Duras)
Com o pressuposto de que as aprendizagens mais relevantes e mais sustentadas são aquelas que se relacionam diretamente com aspetos concretos da vida de quem aprende, com os seus contextos reais de interação, com os seus interesses e/ou com as suas necessidades (Mezirow, 2001), a proposta pedagógica inerente ao projeto Desafia-TE assentou na Educação Não Formal, tida como “… um processo de aprendizagem social, centrado na pessoa que aprende, através de atividades que têm lugar fora do sistema de ensino formal e em complementaridade com o mesmo. A Educação Não Formal é baseada na motivação intrínseca de quem participa e é voluntária e não hierárquica por natureza. (…) O conceito de Educação Não Formal envolve frequentemente, como uma parte do desenvolvimento de saberes e competências, um vasto conjunto de valores sociais e éticos” (Council of Europe & European Comission, 2001, citado por Pinto, 2007, p. 62, tradução livre do inglês).
Figura 8. Sessões desenvolvidas com jovens no âmbito do projeto.
Neste enquadramento foram promovidas e dinamizadas diversas atividades com os e as jovens participantes, nomeadamente de expressão corporal, construção e manipulação de marionetas, música, seminários sobre a diversidade cultural, storytelling, workshops sobre raízes e tradições do território Feirense, seminários e visitas de estudo no âmbito da orientação profissional e oferta de emprego e sessões de sistematização e de reconhecimento de aprendizagens (Figura 8). Estas visaram oferecer o acesso a novas experiências em contexto comunitário que promovessem diferentes saberes, práticas e posicionamentos em cada participante e entre pares, contribuindo assim “(…) para a construção de valores e práticas de cidadania” (Morand-Aymon, 2007, p. 14) através da “(…) construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social” (Gohn, 2006, p. 30). Tratou-se, portanto, de uma abordagem que se desejou integradora e que assentou na experiência como ponto de partida para a aprendizagem, mas também como finalidade, no sentido em que se pretendeu que esta fosse útil e prática, com aplicabilidade concreta em futuros contextos e situações de vida dos e das jovens participantes.
Esteve inerente ao processo educativo promovido uma estrutura cíclica de aprendizagem, quer para cada atividade, quer para o projeto no seu todo.
Figura 9. Esquema ilustrativo do Ciclo da Aprendizagem Experiencial, segundo David Kolb (1984).
Este ciclo, adaptado da visão de David Kolb (1984) sobre a aprendizagem experiencial, integra quatro etapas que conferem relevância e sentido ao processo, assumindo:
- a experiência como um passo que consiste em experimentar um evento de vida específico ou uma atividade formativa;
- o relato e a reflexão como a etapa que consiste em recordar e relatar o que aconteceu durante a experiência (ações e reações, pensamentos, sentimentos, interações, escolhas…) e refletir sobre isso, procurando respostas para perguntas como ‘o que aconteceu?’, ‘como me sinto?’, ‘porque fiz (ou não fiz) assim?’ ‘que consequências teve determinação ação?’, ‘qual é o significado desta experiência para mim?’ e que exige uma atitude de reflexividade;
- a generalização como o momento para uma análise crítica e sistemática da experiência, em busca de padrões e conclusões, comparando-os com modelos genéricos e teorias e confrontando-os com o ‘mundo real’;
- e a aplicação como a etapa que consiste em encontrar formas de transpor e aplicar as conclusões alcançadas durante a generalização a novas situações da vida real, problemas ou desafios. É esta última etapa que consolida o processo de aprendizagem e que gera novas experiências pessoais que podem dar início a novos ciclos de aprendizagem.
Sendo um processo complexo, a aprendizagem experiencial pressupõe autonomia e compromisso, e exige de cada pessoa um papel ativo e uma atitude de abertura. Por esse motivo procurou-se, de modo participado e negociado, a assunção e manutenção de um conjunto de princípios pedagógicos entre todas as partes envolvidas no projeto – equipa gestora, entidades parceiras, jovens e encarregados de educação. Estes princípios foram: a participação e a corresponsabilidade entre todos; na promoção de um ambiente de aprendizagem seguro; centrado nas necessidades, expetativas e contribuições dos e das jovens; promovendo uma aprendizagem mútua e cooperativa; através da combinação de métodos; e do desenvolvimento integrado de competências; e orientada para a transformação pessoal e coletiva.
Figura 10. Exercício experiencial realizado numa das sessões do projeto.
Para operacionalizar todas estas dimensões do projeto recorreu-se prioritariamente a métodos ativos (Goguelin, 1994), através de técnicas experienciais em contexto real, exercícios de dinâmica de grupo, debates e trabalhos de grupo, com recurso a técnicas de registo gráfico dos respetivos resultados de modo a favorecer processos coletivos de partilha, síntese e aprofundamento do conhecimento construído em conjunto. Complementou-se ainda todo o processo com o recurso a um contexto virtual de comunicação e aprendizagem criado especificamente para o projeto com através de uma plataforma aberta para este tipo de propósito(*), permitindo assim a criação de um registo audiovisual e documental das atividades realizadas acessível e editável por todos os atores envolvidos – jovens, entidades parceiras e equipa de gestão – bem como um espaço de interação e debate permanentes.
6. Desafiar-SE: aprender a aprender e o reconhecimento das competências dos/das participantes
Foi de acordo com a conhecida máxima “A experiência não é aquilo que nos acontece, mas o que fazemos com o que nos acontece” (tradução livre) atribuída ao romancista Aldous Huxley, que o projeto Desafia-TE assumiu a componente de aprender a aprender como pedra de toque, enquanto processo por excelência de produção de conhecimentos e aprendizagens significativas que possibilitassem a cada jovem apropriar-se dos sentidos das experiências, compreendê-las e orientá-las em direção ao futuro com uma perspetiva transformadora (cf. Jara Holliday, 2009). O desenvolvimento da competência de aprender a aprender foi aqui encarado como uma prioridade, visando capacitar os e as jovens, dando-lhes “motivação, autonomia e responsabilidade para controlar as suas vidas para além das circunstâncias sociais em que se encontram” (Hoskins & Crick, 2008: 3)
Assim, ao encontro dos objetivos do projeto e dos princípios inerentes à abordagem metodológica adotada, foram realizadas ao longo dos seis meses de experiência com o grupo de participantes, seis sessões de sistematização e de reconhecimento de aprendizagens nas quais se foi convidando os e as jovens a construírem coletiva e progressivamente um olhar crítico sobre como a aprendizagem acontece (no âmbito do projeto e fora dele), a identificar diferentes contextos de aprendizagem, a reconhecer competências desenvolvidas e por desenvolver, a refletir sobre a sua participação na comunidade em que se inserem e sobre o potencial de experiência e aprendizagem daí decorrente e, por fim, a agirem em prol da sua pertença a um concelho potencialmente configurado enquanto cidade educadora (Figura 11).
Figura 11. Cartografia de espaços de aprendizagem construída com o grupo de jovens.
Este percurso formativo assumiu como eixo central o reconhecimento das aprendizagens dos e das participantes, entendendo-o como um valor de dignidade e de cidadania em si mesmo, porque, justamente, traz relevância social a aprendizagens e competências diversas, bem como a diferentes valores, percursos, modos de vida e de trabalho. Este reconhecimento permitiu assim valorizar estes e estas jovens por tudo o que são e por tudo o que serão capazes de ser, contrariando a estigmatização e o desinvestimento de que frequentemente são alvo e que consequentemente internalizam, tal como puderam ir expressando – e desconstruindo – no decorrer do projeto. Consequentemente, procurou-se que o Desafia-Te contribuísse de forma contundente para o reconhecimento das competências dos e das participantes, nomeadamente ao nível:
- do reconhecimento individual ou autorreconhecimento, por parte dos indivíduos, o que implica a compreensão do valor da sua aprendizagem e como esta pode ser utilizada em diferentes situações e contextos;
- do reconhecimento social, por parte da sociedade, que valoriza o impacto positivo das experiências ao nível das aprendizagens e permite uma melhor compreensão sobre o que são as aprendizagens decorrentes dessas mesmas experiências;
- do reconhecimento institucional ou político, que se prende com o reconhecimento das aprendizagens decorrentes das experiências por parte da classe política e das instituições reguladoras e permite decisões e estratégias políticas que reconhecem o valor das aprendizagens;
- e do reconhecimento formal, através de ferramentas e instrumentos para o efeito (portfolios de aprendizagem, certificados, emblemas digitais de aprendizagem, entre outros) (Figura 12), no sentido de valorizar os resultados individuais das aprendizagens decorrentes das experiências em causa.
Figura 12. Primeira abordagem aos emblemas de aprendizagem, através da criação das ilustrações a que corresponderiam as competências transversais do projeto.
Acreditando, tal como afirma Paulo Freire, que
”…não existe um processo educacional neutro. A educação ou funciona como instrumento usado para facilitar a integração da geração mais jovem na lógica do sistema atual e trazer conformidade à mesma, ou então torna-se a ”prática da liberdade” – o meio através do qual homens e mulheres lidam crítica e criativamente com a realidade e descobrem como participar da transformação de seu mundo” (2002, p.15)
o projeto Desafia-TE desafiou os e as jovens participantes e todas as partes envolvidas no seu processo de aprendizagem a construírem em coletivo oportunidades sustentáveis de desenvolvimento pessoal e social em prol do legítimo reconhecimento de cada um e de cada uma como peça fundamental da comunidade em que se inserem.
7. Desafios superados? A avaliação do projeto
A natureza experimental e inovadora do Desafia-Te no contexto da intervenção socioeducativa implementada a partir das estruturas da administração municipal e escolar, impôs de forma mais evidente a necessidade de se adotar um processo de avaliação capaz de ser “o elo de ligação entre a acção já desencadeada e a perspectivação de acções futuras, num processo colectivo de aprendizagem contínua e na procura de uma optimização (…) das intervenções” (Monteiro, 1996, p. 138).
Dado o caráter piloto desta iniciativa, o próprio desenho da avaliação foi sendo objeto de desenvolvimento progressivo ao longo do percurso realizado, assumindo esta, por isso, contornos de avaliação final(*) . Tomou-se como objeto de avaliação todo o desenho e desenvolvimento do projeto, no qual se cruzam os processos de aprendizagem dos e das jovens participantes e os processos de aprendizagem de uma equipa alargada de intervenientes que se propôs constituir-se como uma rede de agentes educativos no município.
Pretendeu-se, portanto, construir uma visão global e multidimensional da intervenção, questionando o sentido da ação e integrando os elementos e eventos inesperados (Pourtois et al., 1984, pp. 149-152). Deste modo, tentou evitar-se uma abordagem mais tradicional, tendencialmente redutora da avaliação à mera consideração da adequação dos resultados obtidos face aos objetivos definidos, que aqui se previu, mas que não esgota o seu alcance. Tal abordagem seria disruptiva das dinâmicas inerentes ao desenvolvimento do Desafia-Te, e pouco útil à produção de um conhecimento crítico e interpretativo em contextos de intervenção socioeducativa, mais ainda quando se equaciona o caráter inovador do projeto em questão. Optou-se, então, por uma avaliação que privilegia a dimensão qualitativa, reconhecendo as funções educativa e de aprendizagem da avaliação, concebida no seio de um grupo de agentes implicados no processo (Beaudoin et al., 1986).
O desenho da avaliação orientou-se para finalidades formativas e sumativas, na medida em que se pretendia que contribuísse, de forma integrada e complementar, para a construção de conhecimento relevante para:
a) promover a compreensão integrada dos fenómenos implicados no Desafia-Te, aferindo de forma crítica e interpretativa os resultados e impactos do projeto face aos objetivos definidos, considerando de forma global e multidimensional a planificação, os processos, os contextos e os sujeitos inerentes à sua implementação;
b) dar resposta à necessidade de prestação de contas, numa lógica de responsabilidade e transparência;
c) potenciar trajetórias pessoais, institucionais e coletivas de aprendizagem contínua com vista à otimização da intervenção socioeducativa organizada em redor dos objetivos traçados e a partir dos conceitos-chave do projeto;
e) sistematizar os fatores críticos que mais condicionaram os processos, os resultados e os impactos, com vista à tomada de consciência e potenciação das condições necessárias e das estratégias a desenvolver numa lógica de continuidade sustentável.
No que respeita a dimensões de análise privilegiadas para a avaliação do projeto, estabeleceram-se alguns eixos estruturantes a partir dos quais se definiu um conjunto de critérios considerados relevantes para uma compreensão crítica do Desafia-Te por parte dos diversos intervenientes.
Figura 13. Sessão com as famílias do grupo de jovens, na qual se apresentaram as dimensões de avaliação do projeto e se aferiram alguns impactos.
Pensando no desenho do projeto, centralizou-se o critério da coerência interna do Desafia-Te, aferida em torno da relação entre objetivos, atividades e recursos implicados.
Do ponto de vista da sua implementação, reconhecendo-se a natureza experimental e construtivista do projeto, assumiu-se como dimensão de análise prioritária a comunicação na rede – entre as entidades parceiras, entre as entidades parceiras e a equipa da autarquia, e entre os agentes implicados no projeto e encarregadas de educação. Foi dado destaque aos processos comunicacionais associados à emergência e desenvolvimento das funções de coordenação técnica e pedagógica, designadamente em torno da construção de um sentido comum para o projeto pela rede de entidades e pessoas envolvidas na implementação do Desafia-Te.
A criação de um sentido comum para o Desafia-Te pode ser encarada como uma tarefa inerente ao próprio desenvolvimento do projeto, mas aponta de forma muito direta para resultados e impactos esperados – a construção de uma identidade enquanto agentes educativos por parte de cada entidade parceira, e de uma identidade partilhada de rede educativa. Na medida em que se almejava a que as entidades envolvidas assumissem um papel enquanto agentes educadores na comunidade, reconhecendo-se enquanto atores educativos e atuando de forma consciente e concertada com a autarquia em matéria de juventude e educação, analisar esta dimensão permite avaliar já em torno dos resultados do Desafia-Te.
Noutra dimensão associada à aferição de impactos e resultados do projeto, a avaliação não poderia deixar de privilegiar também um centramento nos e nas jovens participantes. Estabeleceram-se seis áreas de impacto nas quais se estimou serem percetíveis eventuais mudanças decorrentes da aquisição e aprofundamento de competências por parte dos e das participantes: relações na família; relações entre pares (número, qualidade, intensidade e diversidade); investimento escolar; envolvimentos fora da escola; aprender a aprender; compromisso com o projeto. A validação destas áreas foi feita junto dos e das jovens (Figura 14), bem como das famílias (Figura 13) e de elementos das entidades parceiras implicados no desenvolvimento do projeto e na identificação e seleção de participantes.
Figura 14. Exercício de aferição individual de impactos do projeto tendo em conta as dimensões de avaliação.
Do ponto de vista metodológico, a recolha de informação assentou na observação participante das sessões dinamizadas pela Inducar com os e as jovens, com as famílias e com as entidades parcerias, na participação ativa em reuniões de coordenação do projeto, e na realização de entrevistas semiestruturadas aos e às facilitadoras das sessões com o grupo de jovens.
8. Novos desafios: algumas notas de conclusão e de recomeço
“A educação não- formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados à priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo.” (Gohn, 2006, p. 29)
O projeto Desafia-Te, agora em fase de conclusão, foi verdadeiramente entendido por todos os intervenientes como um início, como o arranque de um processo que se deseja continuado, fortalecido e ampliado, um primeiro passo no sentido de uma cidade que se desafia, de facto, a educar. O caráter inovador desta iniciativa autárquica foi sendo reconhecido por todas as entidades envolvidas no decurso do projeto, materializando-se na adesão e participação entusiasta destas enquanto agentes (também) educativos. A perceção partilhada entre os parceiros, no período final do projeto, é a de um investimento com impactos amplos e muito relevantes na comunidade.
No que se refere aos e às jovens participantes, foi possível, no decurso do projeto, perceber a evolução da sua disponibilidade e envolvimento, manifestada pela dedicação e eficaz resposta aos desafios sugeridos pelas diferentes entidades parceiras. Se no início se inibiam de participar, por se tratarem de experiências diferentes daquelas a que estavam acostumados/as a realizar em ambientes educativos, com o decorrer do projeto superaram o receio da novidade e ganharam confiança para responder de forma positiva, o que revelou um aumento considerável dos seus níveis de auto estima e auto conceito. A cada desafio lançado ao longo do projeto, os e as jovens manifestaram maior conhecimento relativamente à realidade do concelho, apresentando, na fase final, o desejo de integrar projetos desenvolvidos pelos parceiros e abertos à comunidade.
Por outro lado, de acordo com os relatos dos e das psicólogas escolares envolvidos/as, muitos dos e das jovens passaram a manifestar um maior investimento escolar, sobretudo ao nível da resposta ao compromisso e às tarefas que são propostas na escola. A conjugação entre atividades de estágio e/ou outras atividades extracurriculares e a assiduidade no projeto Desafia-te revelou-se também um fator alvo de preocupação da parte dos jovens e das jovens. Estes reconheceram diferentes motivações e formas de participação, bem como a importância da integração e acolhimento num grupo. Fizeram também referência a um novo sentido de responsabilidade, à importância da persistência e da iniciativa partilhada, verbalizando a necessidade de experimentar e assumir riscos no processo de construção do seu projeto de vida.
Com efeito, no que se refere ao perspetivar do futuro, é percetível que a participação em cada uma das experiências tem vindo a despertar a antecipação do desenho de um projeto de vida, a curto e a médio prazo. Esta antecipação traduz-se em tomadas de decisão baseadas na perceção concreta de atividades com as quais se identificam, e em relação às quais equacionam a possibilidade de realizar maior ou menor investimento. Esta perceção pode ser reveladora de um conjunto de aprendizagens que terão permitido a construção e integração de diferentes opções reais e viáveis e a disponibilidade para a realização de escolhas, baseadas na vivência de situações concretas.
Os encarregados de educação envolvidos no projeto reconheceram também que os e as jovens evoluíram com este projeto: aprenderam a assumir compromissos e a estarem disponíveis para aprender; criaram amizades com jovens fora do seu estabelecimento de ensino; estabeleceram relações mais fortes com a família, partilhando as aprendizagens realizadas nas várias sessões e as novas amizades; aprenderam a estar disponíveis para aprender e que é possível aprender fora da escola.
De uma forma global, são os processos participados e reflexivos de desenvolvimento, mas também de reconhecimento de aprendizagens, que mais se salientam ao longo do Desafia-Te, processos estes, aliás, interdependentes num quadro de Educação Não Formal e de aprendizagem experiencial como o que foi adotado pelo projeto. Sendo o autorreconhecimento das aprendizagens uma das dimensões fundamentais do projeto, a experiência do Desafia-Te permite, porém, identificar desde já, numa perspetiva de continuidade e de melhoria, a necessidade de mais tempo para aprofundar um referencial de competências a promover em articulação com os objetivos e metas da educação escolar, bem como mecanismos e dispositivos acessíveis para a operacionalização do seu auto e heterorreconhecimento. No que se refere ao hetrorreconhecimento, seria vantajoso reforçar os mecanismos e os instrumentos de acompanhamento e monitorização dos impactos da aprendizagem dos/as jovens. No que toca ao autorreconhecimento de competências, poder-se-ia explorar ainda mais o uso das tecnologias de informação e comunicação, para as quais estes/as jovens demonstram uma grande propensão, mas pouca capacidade de mobilização no sentido de uma aprendizagem estruturada.
Como forma de promover a continuidade da participação dos e das jovens atualmente envolvidos no Desafia-Te, e reforçando ainda mais o seu processo de capacitação, estes/as poderiam vir a atuar como educadores/as de pares em futuras edições do projeto, apropriando-se do quadro referencial transversal ao projeto, à medida do seu perfil e das suas opções concretas.
Tendo em consideração a importância do sistema familiar na integração, elaboração e, sobretudo, consolidação das aprendizagens realizadas no âmbito do projeto, considera-se que seria também importante o envolvimento mais ativo e frequente dos encarregados de educação, num processo de valorização e de capacitação, a par daquele que é vivido pelos e pelas jovens.
Finalmente, o desenvolvimento e consolidação do projeto enquanto modelo de governação educativa em rede seria uma mais valia para o reforço do objetivo de reconhecimento do concelho de Santa Maria da Feira enquanto cidade educadora. A implementação desta abordagem implicaria, por um lado, aprofundar dispositivos de coordenação pedagógica que integrassem mais momentos de trabalho inter-parceiros e processos de capacitação para a função educativa das organizações locais e, por outro, integrar na parceria do projeto outras partes interessadas, para além das entidades já envolvidas nas atividades, como entidades do setor público e privado ligadas à educação e ao emprego.