1. Contexto de ensino formal, ensino das Ciências Naturais, 8.º ano de escolaridade
A atividade de campo, integrada num contexto de ensino formal, decorreu na área do concelho de Ourém, distrito de Santarém (Portugal) e foi desenvolvida no âmbito do Projeto FSE/CED/83453/2008 Otimização do Ensino das Ciências Experimentais, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Este trabalho consiste numa investigação em Educação Científica, centrada numa atividade prática de campo, que pretendeu dar resposta ao seguinte problema: “Como estimular aprendizagens significativas e relevantes acerca da gestão sustentável dos recursos?”. A seguir, foram definidos os objetivos seguintes: desenhar, planear, implementar e avaliar uma intervenção educativa e um trabalho de campo. Esta atividade, que envolveu 66 estudantes do 8.º ano de escolaridade, pertencentes a duas escolas públicas e rurais do centro de Portugal, foi enquadrada no domínio Sustentabilidade na Terra e subdomínio Gestão sustentável dos recursos, da disciplina de Ciências Naturais. A intervenção incluiu a realização de atividades na sala de aula, no laboratório e no campo.
2. Prática profissional
Na conceção da intervenção foram analisadas e integradas algumas problemáticas aplicáveis à vida atual e futura dos estudantes, enquadradas por contextos relevantes e adequados ao seu desenvolvimento cognitivo e maturidade social (Membiela, 2001). Deste modo, foram selecionadas tarefas que permitiram aos estudantes analisar documentos, responder a questões, discutir pontos de vista, realizar trabalho laboratorial e de campo e analisar e discutir os resultados, tornando viável a implementação da intervenção.
O trabalho de campo foi organizado segundo o modelo proposto por Orion (1993) e decorreu em três fases: 1.ª fase – de preparação, 2.ª fase – aula de campo e 3.ª fase – de síntese. O planeamento das atividades para as três fases foi feito com um suporte à investigação previamente realizada no campo, que envolveu a identificação de locais com interesse geológico, a realização de registos em suporte fotográfico, o contacto e visita a empresas de transformação de recursos e a observação da área de estudo. Desta investigação resultou informação que permitiu a preparação de recursos a utilizar nas diferentes fases do trabalho de campo (apresentação multimédia Preparação da aula de campo, regulamento para um concurso de fotografia Agarra o momento…, mini-poster, ficha de trabalho, roteiro de campo) e instrumentos de avaliação (Teste (pré e pós), grelha de observação participante e questionário de avaliação da atividade de campo).
Apesar de se dizer que no âmbito de uma intervenção de um trabalho de campo, a aula de campo propriamente dita é a fase mais “nobre” deste trabalho (Orion, 1993), a consecução dos objetivos definidos dependem dos conhecimentos que os estudantes já têm, da sua familiaridade com a área estudada e das estratégias utilizadas em aulas de campo que os estudantes já realizaram anteriormente. Para além disso, o trabalho de campo, enquanto atividade exterior à sala de aula, promove o desenvolvimento de conceitos mais abstratos a partir de conceitos concretos previamente adquiridos (Orion, 2003).
2.1 1ª fase – Preparação do trabalho de campo
Esta fase decorreu em sala de aula e no laboratório e teve a duração aproximada de 270 min, correspondentes a quatro sessões (90+45+90+45 min) de acordo com o planificado (Tabela 1).
Tabela 1- Planificação das atividades desenvolvidas na fase de preparação (1ª fase do trabalho de campo).
Inicialmente, como forma de motivação dos estudantes para a temática, foram realizadas duas atividades: uma tertúlia intitulada Recursos geológicos, dinamizada pelo Professor Doutor Luís Neves, docente no Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra; e a apresentação, aos estudantes, do concurso de fotografia Agarra o momento…
Seguiu-se a administração de um teste, o pré-teste, no qual foram diagnosticadas as conceções dos estudantes acerca de conhecimento concetual, no âmbito dos recursos naturais, considerado pertinente para a implementação da intervenção.
Nesta fase, procurou-se fazer não só uma revisão/apresentação do quadro concetual a aplicar durante a aula de campo (a maioria dos conteúdos foram lecionados nos 7.º e 8. anos), mas também desenvolver competências necessárias à realização das tarefas previstas para a aula de campo, como: orientação, observação e identificação de rochas sedimentares em amostras de mão. Assim, desenvolveram-se atividades que envolveram a realização de uma ficha de trabalho para identificação de rochas sedimentares, o manuseamento e a leitura das cartas geológica 27-A e topográfica, folha 309, o uso da bússola e do kit de análises da água. Para além das atividades relacionadas com os aspetos cognitivos, foram realizadas outras para minimizar o efeito negativo que os fatores de ordem psicológica e geográfica podem ter durante uma aula de campo. Por isso, foi elaborada uma apresentação multimédia Preparação para a aula de campo onde foram dados a conhecer: os objetivos do trabalho de campo, as disciplinas envolvidas, o percurso a efetuar na aula de campo, com a explicitação das paragens e duração do percurso, e feitas recomendações de segurança e logística (vestuário apropriado, princípios éticos de atuação do geólogo no campo e alimentação).
Por fim, formaram-se 18 grupos de trabalho definidos pelos estudantes, constituídos por 2, 3 ou 4 elementos.
2.2 2ª fase – Aula de campo do trabalho de campo
A aula de campo teve a duração de um dia, tendo tido início às 9h00 min e fim às 17h00 min, com um intervalo de uma hora e meia para almoço. As atividades planificadas para a aula de campo (Tabela 2) estão indicadas no roteiro de campo que contempla 5 paragens e trabalho de grupo, aquando da resolução das tarefas propostas.
Tabela 2 – Planificação das atividades propostas para a aula de campo (2ª fase do trabalho de campo).
Na paragem 1 houve necessidade de separar os estudantes, devido ao seu elevado número, para possibilitar uma exploração adequada da atividade junto do afloramento a analisar. Assim, foram formados dois grupos de trabalho tendo um deles iniciado o percurso cerca de 30 min mais tarde. Ambos os grupos foram acompanhados por dois professores. Posteriormente, cada grupo foi subdividido em pequenos grupos, definidos pelos estudantes, com 2, 3 ou 4 elementos/grupo.
Em seguida, recorreu-se ao mini-poster para relembrar as paragens a efetuar durante o percurso e evidenciar alguns aspetos particulares de cada paragem, possibilitando ao estudante familiarizar-se melhor com as tarefas. Procedeu-se, ainda, à distribuição do material necessário à realização das atividades propostas no roteiro de campo (bússola e kit de análises das águas).
Durante o percurso, os estudantes recorreram ao roteiro de campo, que contém o trajeto com as paragens, para efetuar as respetivas atividades. De um modo geral, em cada paragem procurou-se que as primeiras questões fossem menos abstratas do que as últimas (Figura 1). Cada grupo de trabalho efetuou atividades simples como: observar, identificar e interpretar, sendo depois confrontados com questões que exigiam a aplicação dos dados recolhidos e a necessidade de formular hipóteses explicativas, mobilizando o confronto de ideias no grupo (Figura 2).
Figura 1 - Páginas 8 e 9 do roteiro de campo.
Figura 2 - Estudantes participantes a realizar atividades nas paragens 1 e 3, respetivamente
2.1 3ª fase –Síntese do trabalho de campo
A fase de síntese, após a aula de campo, teve a duração de 180 min, correspondente a três sessões (90+45+45 min) e ocorreu, tal como a fase de preparação, na sala de aula e de laboratório, tendo-se utilizado recursos e estratégias para as diferentes atividades (Tabela 3).
Tabela 3 - Planificação das atividades desenvolvidas na fase de síntese (3ª fase do trabalho de campo).
Numa primeira sessão (90 min), procedeu-se à catalogação e identificação das amostras recolhidas, recorrendo a uma análise macroscópica e comparando-as com amostras de mão existentes no laboratório. Em seguida, efetuou-se a análise e reflexão das questões deixadas em aberto na aula de campo, tendo sido esclarecidas algumas dúvidas, nomeadamente, as relacionadas com a identificação de alguma da flora local. Seguiu-se, uma discussão aberta tendo em vista a análise de medidas que poderiam e deveriam ser tomadas, de modo a minimizar o impacte da exploração intensiva dos recursos naturais por parte do Homem. Salientou-se, igualmente, a importância que a educação cívica (e consequente mudança de atitudes face esta problemática), a conservação/gestão racional dos recursos naturais, a sociedade, a ciência (nas suas várias áreas) e a tecnologia têm, ou deveriam ter, na sustentabilidade dos recursos naturais. A discussão foi orientada pelo professor também no sentido de: laconizar as tarefas desenvolvidas em cada uma das paragens, corrigir o roteiro de campo e realizar sínteses.
Na sessão seguinte (45 min), foi feita a montagem da exposição, bem como a divulgação dos resultados, relativa ao concurso de fotografia Agarra o momento… (Figura 3).
Figura 3 – Exposição de fotografia Agarra o momento…no átrio da escola.
Seguidamente, numa outra sessão (45 min), aplicou-se o pós-teste, que sendo o mesmo que o pré-teste, permitiu comparar os resultados e concluir quais os contributos da atividade de campo, ao nível de construção de conhecimentos, no âmbito da lecionação do subdomínio Gestão sustentável dos recursos. Por fim, após duas semanas da aula de campo, foi aplicado a 17 estudantes participantes um questionário para avaliar a atividade de campo, inferir a sua importância no processo de aprendizagem e averiguar as suas opiniões/perspetivas acerca das atividades de campo organizadas segundo o modelo aplicado.
3. Discussão e avaliação da implementação da prática profissional
No enunciado das Metas Curriculares (Bonito et al., 2013) estão patentes a exigência da implementação de atividades práticas; a necessidade de conhecer e de proteger o meio que envolve as escolas e os contextos regionais onde estas se situam; e, ainda, a importância dos estudantes conhecerem a tecnologia ao dispor da sociedade no sentido de promover um desenvolvimento sustentável. Nessa medida, o trabalho de campo que edificamos, construído e operacionalizado segundo o modelo de Orion (1993), contribuiu para a construção de saberes e para o desenvolvimento de capacidades de decisão que, no futuro, propiciem a estes estudantes o exercício de uma cidadania crítica quando chamados a posicionarem-se sobre a importância da exploração de recursos naturais.
A importância deste estudo para a evolução das sociedades humanas assenta no facto de partir da proposta de casos de importância local e regional, em que a ênfase é colocada no binómio modificações ambientais versus recursos naturais. Tanto nas Orientações Curriculares para o terceiro ciclo do Ensino Básico – Ciências Físicas e Naturais (Galvão et al., 2001), como nas Metas Curriculares para o 8.º ano (Bonito et al., 2013) é reforçada a necessidade de incluir componentes locais e regionais no currículo, consagradas nos projetos educativos das escolas e sempre alinhadas pelos grandes objetivos gerais que enformam o currículo nacional.
O trabalho teve como objetivos planificar, desenvolver, aplicar e avaliar uma atividade de campo no ensino e aprendizagem dos recursos naturais no 8.º ano de escolaridade. Estes objetivos foram atingidos, uma vez que se verificou uma melhoria das aprendizagens dos estudantes participantes após a implementação das atividades planificadas para esta atividade (Pires, Gomes, Correia, Abrantes, & Pereira, 2016).
A análise global dos resultados de avaliação da intervenção, através dos diversos instrumentos e estratégias utilizadas, permitem concluir que a implementação contribuiu para estimular o desenvolvimento de competências nos estudantes, que se revelaram em diferentes domínios, tais como: o conhecimento, o raciocínio, a comunicação e as atitudes. Assim, constituem evidências destes factos:
i- a realização adequada durante a intervenção, pela maioria dos grupos, das tarefas e atividades e que envolveram a manipulação de equipamentos, interpretação de cartas (geológica e topográfica) e registo de dados, identificação e avaliação de atitudes e comportamentos que interferem na sustentabilidade dos recursos naturais, tendo-se constatado que, de forma geral, os inquiridos avaliaram na generalidade a aula de campo como tendo sido muito importante ou extremamente importante;
ii- o impacte positivo, nos estudantes, ao nível da interação professor-estudante, desenvolvimento de atitudes e valores, construção do conhecimento e alfabetização científica acerca da sustentabilidade dos recursos naturais, terão contribuído para o desenvolvimento de atitudes e valores, consentâneas com uma Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) que vão de encontro ao objetivo definido para a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) e que destaca a necessidade de integrar os princípios, valores e práticas do desenvolvimento sustentável em todos os aspetos da educação e ensino;
iii- a maioria dos estudantes mostrou muita satisfação pelo trabalho desenvolvido pelo seu grupo durante a aula de campo, tendo considerado relevante, para a concretização dos objetivos, os professores serem flexíveis, a disposição de todos os colegas, a seleção dos locais de paragem, a participação e colaboração da maioria dos estudantes, a aula de preparação e a explicação prestada pelos professores sobre os conteúdos durante as várias paragens;
iv- a comparação dos resultados obtidos no pré-teste e pós-teste, na qual se verificou uma melhoria, podendo-se inferir que as atividades implementadas se revelaram adequadas para a operacionalização dos objetivos das Metas Curriculares do 8.º ano no âmbito do subdomínio Gestão sustentável de recursos, do domínio Sustentabilidade na Terra – « Compreender o modo como são explorados e transformados os recursos naturais »; “Relacionar a gestão de resíduos e da água com o desenvolvimento sustentável” e « Relacionar o desenvolvimento científico e tecnológico com a melhoria da qualidade de vida das populações humanas » (Bonito et al., 2013).
Os resultados deste trabalho, desenvolvido em contexto de ensino formal, reforçam o valor educativo das atividades de campo planificadas segundo o modelo organizativo de Orion (1993), como uma estratégia promotora da alfabetização científica, com propósitos de uma EDS. As estratégias utilizadas subjacentes a esta intervenção podem ser usadas noutros contextos educativos. Os resultados revelaram ainda a importância desta atividade no sentido do seu contributo positivo na implementação de uma EDS, para um maior conhecimento e valorização do património geológico local/regional e consciencialização para as questões relacionadas com a gestão sustentável dos recursos naturais. Os recursos construídos para esta atividade poderão inspirar outras intervenções noutras turmas e escolas, acerca do tema gestão sustentável dos recursos, relativamente ao qual se considera necessária a adoção de atitudes e comportamentos individuais e coletivos consentâneos com uma EDS.
Agradecimentos
Gina Pereira Correia é membro do CITEUC que é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tenologia (projeto: UID/Multi/00611/2013) e pelo FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do COMPETE 2020 – Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (projeto: POCI-01-0145-FEDER-006922).