Sensos-e Vol: II Num: 2  ISSN 2183-1432
URL: http://sensos-e.ese.ipp.pt/?p=9301

Relato de experiência: o incentivo das narrativas orais pelo uso de dispositivos móveis em uma escola brasileira

Autor: Lucirene Andrea Catini Lanzi Afiliação: Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil
Autor: Camila Araújo dos Santos Afiliação: Doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil
Autor: Silvana Aparecida Borsetti Gregório Vidotti Afiliação: Docente da Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil
Autor: Rosane Michelli de Castro Afiliação: Docente da Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil

Resumo: O bibliotecário precisa exercer a função educativa de mediador baseada no entendimento dos diferentes ritmos, experiências e trajetórias pessoais, contexto familiar e níveis de conhecimento dos educandos no processo de leitura para a aprendizagem e construção do conhecimento. Neste sentido, o presente estudo tem por objetivo relatar uma experiência de hora do conto com o uso de um dispositivo móvel (tablet) para o incentivo à leitura em uma escola brasileira a partir das teorias de interação social de Vygotsky (1989) e da experiência de aprendizagem mediada de Feuerstein (1980). Para a consecução da pesquisa, utilizamos a pesquisa-ação para analisarmos a experiência da contação de histórias a partir do uso do livro impresso e do tablet. Como resultado, foi possível observar que houve aceitação, por parte dos alunos, no uso do tablet no momento da hora do conto, uma vez que a tecnologia não interferiu no processo da leitura, pois não perdeu as suas características de proximidade e integração. Os alunos mostraram-se mais interessados e motivados para participar da atividade.
Palavras-Chave: Biblioteca Escolar, Mediação, Tecnologias de Informação e Comunicação, Contação de Histórias, Competência em Informação.

Abstract: The encouragement of oral narratives through the use of mobile devices The librarian must exercise the educational role of mediator based on an understanding of the different rhythms, experiences and personal development, family background and knowledge levels of learners in the process of reading for learning and knowledge building. Thus the present study aims to report an experience of storytelling with the use of a mobile device (tablet) to encourage reading in a Brazilian school from Vygotsky’s theories of social interaction (1989) and Feuerstein ‘s experience of mediated learning (1980). To achieve the research, we used action research to analyze the experience of storytelling from the use of the printed book and tablet. As a result, it was possible to notice that there was acceptance by the students of using a tablet at the time of storytelling, whereas the technology did not interfere with the reading process, because it hasn’t lost the characteristics of proximity and integration. Students were more interested and motivated to participate in the activity.
Keywords: School Library, Mediation, Information Technology and Communication, Storytelling, Information Literacy.

Relato de experiência: o incentivo das narrativas orais pelo uso de dispositivos móveis em uma escola brasileira

Autor: Lucirene Andrea Catini Lanzi Afiliação: Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil
Autor: Camila Araújo dos Santos Afiliação: Doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil
Autor: Silvana Aparecida Borsetti Gregório Vidotti Afiliação: Docente da Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil
Autor: Rosane Michelli de Castro Afiliação: Docente da Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Brasil

Introdução

Em tempos de e-books, e-readers, tablet, redes sociais e Internet, tornar o momento da contação de histórias prazeroso e divertido é um desafio. Atualmente, observamos que crianças, jovens e adultos tendem a ser mais imagéticos do que textuais (vídeo 1). Tais tecnologias, quando utilizadas de forma inteligente, criativa e efetiva para fins educacionais, podem tornar-se meios poderosos no estímulo à leitura e expansão de conhecimentos pelos sujeitos. Nesta perspectiva, o profissional bibliotecário deve estar preparado para trabalhar com estes novos suportes tecnológicos, destacando seu papel elementar neste processo de convergência entre suportes impressos e digitais (tecnologias).

Em tal ambiência, o bibliotecário precisa colocar em prática sua função de mediador, que deve estar baseada no entendimento dos diferentes ritmos, experiências e trajetórias pessoais, contexto familiar, níveis de conhecimento, ou seja, da heterogeneidade e dos traços comum inerentes a todos os seres humanos. Desta forma, baseamo-nos nas teorias de Interação Social de Vygotsky (1989) e na Teoria de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) de Feuerstein (1980), dois importantes pilares da mediação da aprendizagem, para elucidar uma atividade de mediação e contação de histórias, realizada por uma das pesquisadoras deste trabalho (bibliotecária mediadora), com uso do dispositivo móvel tablet.

Para Feuerstein (1980), o mediador “(…) é aquele que não se prende ao nível de maturação manifestado pela criança” (p. 17), pois compreende que o bom aprendizado é aquele que está direcionado às funções psicológicas superiores que ainda estão por se completar. O mediador não passa informação, não transmite conhecimento, não ensina. O que faz, é provocar, incentivar, disparar e possibilitar ao mediado a própria construção do conhecimento, a própria aprendizagem. Esse processo deve constituir as bases teóricas da ação consciente do mediador (Feuerstein, 1980).

A ação de mediar significa, portanto, possibilitar e potencializar a construção do conhecimento pelo mediado. Significa estar consciente de que não se transmite conhecimento para o mediado. É estar intencionalmente entre o objeto de conhecimento e o mediado, de forma a modificar, alterar, organizar, enfatizar, transformar os estímulos provenientes desse objeto a fim de que o mediado construa sua própria aprendizagem, que o mediado aprenda por si só. A verdadeira mediação educacional “(…) ocorre quando o bibliotecário convence o aprendiz de sua própria competência, incutindo-lhe autoconfiança para continuar o aprendizado, transformando-o em um aprendiz autônomo e independente” (Dudziak, 2003, p. 33).

Para Feuerstein (1994, p. 50), “A mediação é necessária para o desenvolvimento das funções cognitivas do sujeito [mediado]”. O mediador deve propiciar um ambiente de aprendizagem em que desenvolva no indivíduo competências e habilidades para que ele possa aprender a aprender (aprendizado contínuo) e aprender de forma independente para favorecer a construção do pensamento crítico e reflexivo em relação à realidade a qual está inserido. Tais ações são fundamentais para os indivíduos se adaptarem à “(…) cultura digital, à globalização e à emergente sociedade baseada no conhecimento” (Campello, 2009, pp. 12-13).

O mediador deve propiciar ao educando um estado permanente de mudança e criatividade, incutindo-lhe iniciativas para “(…) buscar, localizar, recuperar, apropriar e comunicar as informações de acordo com suas necessidades, de modo que aprenda com seus erros e aprenda a aprender de forma independente” (Santos, 2011, p. 28).

Vygotsky (1989), em relação à defesa do papel mediador da interação humana e à valorização interpessoal, atenta sobre um caminhar que perpassa do social para o individual, do coletivo para o pessoal:

Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos (p. 64).

A partir dessa concepção vygotskiana de que, as funções superiores originam-se em primeiro lugar no nível social para posteriormente serem incorporadas pelo indivíduo, é que se pode sustentar a ideia de que o bibliotecário precisa mediar processos intrapessoais com seus usuários para que possam aprender por meio dessa interação. Feuerstein (1980), em seu trabalho, propõe que o desenvolvimento do ser humano precisa passar pelas experiências de aprendizagem mediada. E é esse conjunto de experiências que permite ao sujeito desenvolver-se a ponto de se beneficiar das experiências de aprendizagem direta.

Frente o cenário contextualizado, o objetivo da pesquisa foi relatar a percepção dos educandos quanto às vantagens e desvantagens do uso do tablet no momento da hora do conto em uma biblioteca escolar brasileira. A partir das constatações dos alunos sobre esta atividade, traçamos algumas reflexões acerca do uso das tecnologias pelos bibliotecários no contexto escolar.

Vídeo 1 – Justificativa da importância da imagem

Hora do conto: o bibliotecário escolar e o uso de dispositivos móveis

Na literatura especializada sobre a atuação do bibliotecário em bibliotecas escolares (Bortolin & Almeida Júnior, 2011; Lanzi, Ferneda & Vidotti, 2011), muito tem se discutido sobre os momentos de oralidade como a hora do conto nas escolas brasileiras.

Na biblioteca escolar, a prática da leitura não está restrita somente à pesquisa e consulta, mas está voltada para a satisfação de necessidades informacionais mais amplas do ser humano, como as culturais, afetivas, estéticas, etc. O bibliotecário mediador, é entendido nesse estudo, como o profissional que tem “(…) a função de facilitar o encontro entre o leitor e o texto, cujas ações possam contribuir para a formação e amadurecimento do leitor.” (Bortolin, 2006, p. 49).

Matos e Sorsy (2009), Bussato (2003) e Sisto (2001) apontam que a valorização da leitura de textos literários para as crianças deve iniciar nos seus primeiros anos de vida, pois o processo cognitivo das mesmas começa a ser desenvolvido já neste período, uma vez em que são inseridas num mundo mágico e fantasioso das histórias em forma de fábulas e contos de fadas, com príncipes, princesas e bruxas más.

Nesta perspectiva, é que destacamos e ressaltamos nossa discussão: seja em forma impressa (livro) ou eletrônico (e-book ou tablet), é elementar que a criança se familiarize com a leitura, mesmo antes de já ter aprendido a ler.

Para os ouvintes, a centésima repetição de um conto ou de um relato pode emocionar e surpreendê-los como se tivessem escutado pela primeira vez. A palavra contada não é simplesmente uma fala, ela é carregada de significados e sentimentos que lhe atribuem o gestual, o ritmo, a entonação, a expressão facial e até o silêncio que, entremeando-se ao discurso, integra-se a ela.

Segundo Matos e Sorsy (2009, p. 8) “O conto é a arte da relação entre o contador e seu auditório. É por meio dessa relação que o conto vai adquirindo seus matizes, suas nuances”. Contador e ouvintes recriam o mesmo conto infinitas vezes.

O público ouvinte, por meio de expressões de espanto, de prazer, de admiração e de indignação, estimula o contador no momento da leitura, resultando em uma “troca de energia”. Isso faz com que um conto possa ser contado diversas vezes que os “entusiasmos” serão diferentes, mesmo os ouvintes sendo os mesmos.

O texto produz sentidos e desenvolve a leitura de mundo – palavra mundo, “(…) entendida como referencial para o leitor que compreende o texto a partir de seus conhecimentos anteriores, sua visão de mundo, e, concomitantemente, à medida que lê repensa o outro, bem como o seu próprio estar no mundo” (Freire, 1988, p. 18).

Compreendemos que a leitura (imagética, vídeo, impressa, digital, etc) é uma “janela” que se abre para o mundo. A leitura é uma competência fundamental para a aprendizagem, pois proporciona o

aprimoramento pessoal e o lazer. O nível no qual os estudantes são capazes de ler e compreender o texto em todos os formatos (i.e., imagem, vídeo, impresso) e em todos os contextos é um indicador-chave de sucesso, tanto na escola quanto na vida. Competência a ser utilizada durante toda a vida, a leitura vai além da decodificação e da compreensão, abrangendo a interpretação e o desenvolvimento de novos entendimentos (American Association of School Librarians [AASL], 2007, p. 2).

Para que a leitura se torne um momento de descontração e aprendizagem, é necessária a mediação do bibliotecário e esta, quando fundamentada nas teorias de Vygotsky (1989) e Feuerstein (1980), potencializa-se e propicia oportunidades de desenvolvimento de todas as formas de inteligência e potencializa as capacidades do usuário/educando respeitando suas limitações. Neste cenário, a experiência prática de contação de histórias pode ser mais interessante quando aliada às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e a recursos inovadores e multimídia como os tablets, pois a criança e o adolescente são estimulados e desenvolvem o gosto pelo texto.

O tablet como recurso de mediação literária

Os e-books vêm ganhando um grande espaço em diversos países como um recurso pedagógico no apoio à aprendizagem dos educandos. No Brasil, o uso educacional deste recurso “caminha” em direção aos seus primeiros passos (Eloy, 2012).

Não querendo adentrar em temas conflitantes e polêmicos, o presente estudo visa apenas traçar alguns pontos positivos e negativos em relação à utilização de aplicativos tecnológicos como o tablet na hora do conto.

Tendo em vista a facilidade de baixar títulos em tempo real e a qualquer momento, os livros eletrônicos são suportes virtualmente úteis que podem contribuir no processo cultural e educacional das pessoas. O seu surgimento não significa o fim do livro em formato textual, ao contrário, potencializa o acesso à informação conectando os leitores ao mundo virtual, principalmente se estes forem da geração nativos digitais. Os nativos digitais “(…) são crianças nascidas após a década de 1980 e que passam grande parte do tempo conectados. Eles têm muitos amigos, tanto no espaço real quanto nos mundos virtuais” (Palfrey & Grasser, 2011, p. 7).

Neste cenário, surge o tablet, um dispositivo pessoal em formato de prancheta que pode ser usado para o acesso à Internet, organização pessoal, visualização de fotos, vídeos, leituras de livros, jornais e revistas, para entretenimento com jogos convencionais ou em 3D. Estes equipamentos já estão presentes em algumas instituições escolares do Brasil, os quais são ofertados pelas escolasonde os alunos recebem tablets de suas escolas, pois são dispositivos que propiciam o acesso a uma infinidade de aplicativos educacionais. Para melhor ilustrar esta afirmação, abaixo listamos alguns dos principais benefícios dos tablets:

  • Mobilidade: são pequenos e leves, podendo ser carregados para qualquer lugar e cabem na mochila ou bolsa pequena.
  • Praticidade: nos modelos atuais, além de exercerem a função de computadores ultra portáteis, funcionam também como smartphones mais completos.
  • Facilidade: a tela de toque facilita o acesso aos conteúdos digitais.
  • Diversão: com o tablet, você pode assistir TV e filmes, ler livros ou revistas e ouvir músicas. Existe ainda uma grande quantidade de games sendo criada para este recurso tecnológico.
  • Aplicativos: existem milhares de apps pagos e gratuitos para todas as ocasiões, como texto, vídeo, troca de arquivos, redes sociais, mensagens, e-mail, cálculos complexos, jogos, mapas etc. A lista é bastante extensa e cresce a cada dia.

No cenário informacional tecnológico, as bibliotecas escolares precisam se reinventar, se “reciclar” e encontrar novos produtos para dinamizar e atualizar os serviços atuais como forma de atender um público conectado com as TIC. O bibliotecário escolar, profissional mediador, deve estar preparado para fazer o uso destes novos equipamentos de forma a “incrementar” e valorizar a biblioteca e as ações educacionais e culturais de incentivo à leitura.

Trajetória metodológica da pesquisa

Esta pesquisa buscou denotar algumas vantagens e desvantagens em relação ao uso do tablet (vídeo 2) no incentivo à leitura de literatura com crianças de seis (6) a nove (9) anos em uma escola brasileira situada no interior do Estado de São Paulo.

Para o planejamento e direcionamento deste estudo, utilizamos a metodologia da pesquisa-ação participativa (Ángel, 2000; Khun, 2003; Minayo,1998; Thiollet, 2000), já que se tratou de uma experiência prática em que uma das pesquisadoras (bibliotecária escolar) participou ativa e socialmente da atividade.

Como embasamento para a consecução deste estudo, utilizamo-nos de estudos e análises cognitivas baseados em Vygotsky (1989) e Feuerstein (1980, 1994), pois estas teorias apresentam uma visão teórica das contribuições sobre mediação da aprendizagem e a interação no processo de ensinar, em que destacam a importância da educação em ambientes formais e não formais para o processo de ensino e aprendizagem.

Em um primeiro momento, a partir de um modelo dinâmico e interativo da hora do conto, foi lido um livro impresso de literatura infantil que possuía como temática central o uso crítico do tablet. Após esta etapa, foi realizada a contação de história por meio do dispositivo tecnológico tablet.


 Vídeo 2 – Apresentação da atividade com os alunos

A primeira etapa consistiu na escolha do livro, em que foi selecionado o “É um Livro” de autoria de Lane Smith e da editora Companhia das Letrinhas (2010). A obra conta a história de um macaco que adora livros, um burro que desconhece livros e os confunde com um computador e um ratinho sábio e sensível. O livro foi escolhido por que explica e sensibiliza as crianças sobre as diferenças entre os suportes textual e digital.

Na narrativa, o burro questiona o macaco quanto ao seu interesse pela leitura: aquele suporte tinha como descer a página?, é tipo um blog?, onde estava o mouse?, dá para fazer os personagens lutarem?, manda mensagem?, entra no twitter, passa vídeos?, tem senha, login?. Ao manusear o tal livro, o burro não percebe o tempo passar, pois está lendo e interagindo com o texto e faz um último questionamento: Vou carregar a bateria antes de devolver, o rato franzino, porém sensível, conclui: é um livro, burro.

Na segunda etapa, os alunos ouviram uma história narrada pela voz midiática do dispositivo tablet “A Ararinha do bico torto” de Walcyr Carrasco (2010) com ilustrações de Al Stefano, da editora Ática. A história é da arara Nina, abandonada pela família, pois não conseguia se alimentar apropriadamente. Ela foi deixada para morrer, destino “certo” para os animais deficientes na natureza. Porém, com a ajuda de Mário, filho do fotógrafo Pedro, Nina não só conseguiu viver como venceu a sua deficiência e começou a se alimentar sozinha. Esta é uma história envolvente para as crianças, pois abrange vários temas, quais sejam: o respeito às pessoas especiais, valorização da vida e superação de dificuldades.

Numa terceira etapa, os alunos foram motivados a pesquisar na Internet sobre diversos temas relacionados às histórias contadas. Foi proposto aos educandos a identificar as diferenças entre a linguagem apresentada no livro em formato textual e digital, como indigitar os pontos fortes e negativos de cada suporte.

Um bate-papo sobre os livros foi realizado, no qual foram levantadas e discutidas questões sobre os formatos: dispositivo tablet, o formato impresso e a dinâmica narrativa dos mesmos. Nessa conversa, em tom informal, a contadora analisou como seus ouvintes absorveram as histórias, respondendo a perguntas, provocando-os, incentivando-os e possibilitando aos alunos sua própria construção do conhecimento e aprendizagem, estimulando-os às reflexões quanto aos temas em questão.

Apresentação e discussão dos resultados da pesquisa

A partir da conversa informal realizada entre a bibliotecária mediadora e os educandos, foi possível perfilar algumas constatações importantes.

Os educandos que participaram dessa atividade afirmaram que os recursos dos tablets proporcionaram uma leitura mais dinâmica e interativa, despertando o interesse pela leitura. Observamos que os estímulos dos elementos sensoriais, como sons e movimentos, auxiliaram e atraíram a atenção das crianças às narrativas.

Eles também apontaram que o uso dos recursos audiovisuais na história, como a interação das imagens e a possibilidade de ouvir a fala das personagens, agregou dinamismo e proporcionou um entusiasmo a mais no ato de ouvir o conto. As mudanças de cores das ilustrações e do fundo, dentre outras funções proporcionadas pelo toque, provocaram fascinação entre as crianças.

Averiguamos que a facilidade de aumentar o tamanho das letras e das gravuras favoreceu a melhor visualização da história pelos alunos, resultando numa maior parceria e interação entre mediador – mediados – narrativa.

A utilização do tablet não interferiu e não fez perder as características de proximidade e integração da hora do conto, ao contrário, foi uma atividade positiva e natural. Tal ação mostra que, a leitura no dispositivo móvel aproximou e motivou os alunos que não se identificavam com a leitura no livro impresso.

Apesar da satisfação dos alunos com o uso do tablet na hora do conto, estes apontaram como fator negativo a delicadeza em manusear esta tecnologia. Outra desvantagem pontuada por eles, correspondente mais à seara administrativa, foi a de que, a escola por não possuir número de dispositivos suficiente para atender todos os alunos, não permitia o empréstimo, ao contrário do livro de papel.

Frente as constatações acima expostas, listamos alguns dos pontos positivos atingidos com a aplicação desta pesquisa:

  • O incentivo ao gosto pela leitura pelos alunos que não possuíam o hábito de ler no suporte impresso;
  • Os sons e imagens contidos na narrativa estimularam a imaginação e o empenho para uma postura pró-ativa nos educandos para “desvendar”, “desbravar” e descobrir;
  • O trabalho com o texto oral por meio do suporte tecnológico proporcionou total aceitação e interesse do público nativo digital;
  • O resgate pela importância da oralidade, apresentando as diferenças entre a leitura por meio de textos, imagens e sons;
  • Exploração ao universo infantil para várias possibilidades de leitura.

Frente os resultados, temos que ter em mente que, diante da sociedade e do mundo em que vivemos, é premente que revisemos nossos conceitos sobre a inserção das tecnologias na educação. “A era informacional não é inimiga do livro, ela dispõe da tecnologia para universalizá-lo, democratizá-lo” (Freitag, 2000, p. 4 citada por Bortolin, 2006, p. 57). O uso do dispositivo tablet pelos bibliotecários mediadores deve ser explorado, pois ignorar a multipluralidade de linguagens oriundas das inovações tecnológicas é, no mínimo, desprezar as novas formas de comunicação utilizadas pelos nativos digitais.

Considerações finais

O tablet foi incorporado inicialmente pela sociedade como uma ferramenta de entretenimento para jogos, diversão e lazer. Porém, esta visão deixou de ser única e passou a ser ampliada: as instituições educacionais enxergaram neste dispositivo uma função educacional de apoio à mediação e ao processo de ensino e aprendizagem para um público nativo digital.

A Teoria de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) de Feuerstein (1980) e a Teoria de Interação Social de Vygotsky (1989), embasaram, nortearam e delegaram qualidade para atividade de hora do conto, à medida em que possibilitou à bibliotecária (mediadora) a organizar e enquadrar num espaço temporal os estímulos escolhidos e regular sua intensidade, frequência e sequência, estabelecer relações entre eles, regular as reações do mediado, interpretar os estímulos e lhes atribuir um sentido, para assim, suscitar a motivação e a curiosidade rumo à efetividade do processo de aprendizagem dos educandos.

Conforme relatado pelos educandos, o uso do tablet proporcionou uma maior interação com a narrativa por conta de sua ludicidade, dinamicidade e multipluralidade de sons e imagens (linguagem), possibilitando um maior interesse pela hora do conto. Compreendemos que o tablet foi um agregador de valor no apoio à melhoria da qualidade, criatividade e ludicidade da oralidade.

É importante ressaltar que, o uso das tecnologias na hora do conto não afasta os leitores dos livros impressos: as tecnologias não são inimigas, ao contrário, quando aliadas e convergidas com os suportes impressos, potencializam o processo de ensino e aprendizagem e tornam os leitores críticos em relação ao seu entorno. Quando os suportes tecnológicos são conjugados com os impressos, o bibliotecário mediador tende a estimular e desenvolver no educando uma visão “caleidoscópica” (Bortolin, 2006), em que o sujeito tenderá a possuir uma visão mais crítica do mundo e de si mesmo, levando-o a uma postura mais reflexiva e flexível diante dos acontecimentos de sua vida.

A pesquisa apresentada não decreta como findos os resultados obtidos, dadas as circunstâncias e características (local, pessoas, recursos, perspectivas, etc.) em que foi aplicada e está suscetível a novos debates e reflexões a partir de pesquisas empíricas.



Referências


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