INTRODUÇÃO
A transição para a vida adulta corresponde a um espaço temporal importante para todos os jovens, seja qual for a sua origem social, económica ou cultural, assumindo, contudo, especial relevância para os que vivem situações de incapacidade e, por isso, apresentam necessidades adicionais de suporte. De facto, se muitas das suas expectativas relativamente ao futuro são similares às de outros colegas com a mesma idade, para estes jovens e suas famílias a entrada na vida adulta é vivenciada com uma maior ansiedade e preocupação (Griffin, McMillan, & Hodapp, 2010; Shogren, Wehmeyer, Palmer, Rifenbark, & Little, 2015), necessitando, por isso, de orientação e de experiências escolares que os preparem para essa transição. Nesse sentido, o Decreto-Lei 3/2008 refere a obrigatoriedade da elaboração de um Programa Individual de Transição (PIT) – a iniciar três anos antes da idade limite da escolaridade obrigatória – para todos os alunos cujo Programa Educativo Individual (PEI) seja acompanhado pela medida de Currículo Específico Individual (CEI). Com o objetivo de orientar as escolas para a construção dos PIT, a http://www.fne.pt/upload/legislacao/0074_anx_01_portaria_275_a_2012.pdf introduziu uma matriz curricular estruturante de modo a potenciar a última etapa da escolaridade – agora situada no ensino secundário – como momento de consolidação de competências pessoais, sociais e laborais na perspetiva de uma vida adulta autónoma e com qualidade.
Assim, e de acordo com as orientações nacionais e com o estado da arte do conhecimento, na elaboração do PIT não está apenas em causa a aquisição de competências para exercer uma profissão, mas sobretudo o apoio a um projeto de vida. Tal significa desenhar um Programa Centrado na Pessoa (O’Brien & Lovett, 1992), onde o ponto de partida é o jovem nas suas diversas dimensões de vida – realização profissional, lazer, família, amigos, vida íntima – isto é, a participação em todos os contextos de existência. Trata-se, por isso, de um processo que envolve uma mudança nos papéis que são assumidos pelo indivíduo nos vários contextos da sua vida onde, em simultâneo, estão associados privilégios e responsabilidades (King, Baldwin, Currie, & Evans, 2005). Aliás, os resultados do projeto de avaliação da implementação do Decreto-Lei 3/2008 (Sanches-Ferreira et al., 2010) evidenciaram que os PIT não tinham ainda a frequência necessária nos processos dos alunos que se encontravam a três anos da idade limite da escolaridade obrigatória, atribuindo os participantes as dificuldades no desenvolvimento de um projeto de vida para os jovens com incapacidade à falta de relações de parceria entre a escola e a comunidade (Sanches-Ferreira et al., 2010). Para que as transições não se tornem fatores de risco é necessário desenvolver planos que tenham em consideração o jovem – interesses, desejos, sonhos, interações, capacidades, competências; a família – nuclear e alargada; e os contextos – vizinhos, serviços. Será, então, tendo o jovem como ponto de partida e de chegada, que um programa de transição deverá ser desenhado de modo a que se constitua como um programa de suportes (King et al., 2005, Sanches-Ferreira, 2013). Neste sentido, têm sido produzidos inúmeros documentos que pretendem constituir-se como manuais de apoio destinados a orientar profissionais, pais e alunos com incapacidade no desenvolvimento de planos individuais de transição. (*)
Contudo, tal processo não pode ser apenas baseado na escola, pois preparar os jovens para uma vida social não é apenas uma responsabilidade da escola, mas de toda a comunidade, num processo que, segundo a European Agency for Special Needs and Inclusive Education (2002), deverá ser contínuo e dinâmico para que em conjunto, construam com o jovem a as famílias respostas de qualidade. Assim, implementar o disposto no artigo 19.º da supracitada Convenção – as pessoas com deficiência têm direito a uma vida independente e a estar incluídos na comunidade – implica criar condições, adaptações, serviços, e, sobretudo, atitudes que garantam a independência, a inclusão e a participação dos indivíduos com incapacidade na comunidade.
Em Portugal existe um enquadramento legislativo e normativo que define uma política de formação profissional, orientação profissional e reconversão profissional inclusiva. No entanto, e segundo estimativas da Comissão Europeia (2013), a taxa de desemprego das pessoas com deficiência é duas a três vezes superior à dos restantes cidadãos, o que nos mostra que o disposto no artigo 27.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – as pessoas com deficiência têm direito a trabalhar, em condições de igualdade com as demais – não está a ser cumprido. Se os jovens não tiverem um suporte na comunidade que os informe, que apoie a sua colocação no mercado de trabalho e continuidade através do acompanhamento pós – colocação, dificilmente este aspeto da vida será conseguido.
Como docente de Educação Especial, a exercer funções numa escola secundária, sempre que um aluno com PIT e com estágio em contexto de trabalho termina o seu percurso educativo fica a inquietação: onde estará daqui a dois anos? Com que dificuldades se deparará? O que pensa? Que expectativas tinha? E os pais, vizinhos e professores responsáveis por essa formação, o que pensam sobre as mesmas questões?
Assim, este estudo tem como objetivo analisar e compreender o processo de transição de cinco jovens adultos com incapacidade, a partir da visão dos pais, dos vizinhos, dos professores e deles próprios, especificamente no que concerne: (1) às expectativas para a vida ativa; (2) ao seu quotidiano; e (3) aos suportes, existentes e não existentes, na transição para a vida ativa.
Método
Participantes
Participaram neste estudo cinco jovens com idades compreendidas entre os 20 e os 26 anos, dois do sexo feminino e três do sexo masculino, com diferentes tipos de deficiência na base da incapacidade: uma deficiência auditiva, uma deficiência motora e incapacidade intelectual e três incapacidades intelectual. Todos os jovens tinham terminado o seu percurso escolar havia aproximadamente dois anos. Participaram ainda no estudo os pais, um vizinho e o professor de educação especial (que acompanhou o jovem ao longo do PIT) de cada um dos jovens, perfazendo um total de vinte participantes.
Instrumento de recolha de dados
De modo a alcançar os objetivos a que nos propusemos, recorremos a uma entrevista semiestruturada com questões acerca da vida atual dos jovens adultos: quais as rotinas, as expectativas, passadas e atuais, os suportes necessários para participar na sociedade (Tabela 1). Em todas as entrevistas procurámos identificar as experiências de vida reais, as experiências de vida desejáveis e determinar as necessidades de suporte nas seguintes áreas: vida em casa, vida na comunidade, educação e emprego.
Tabela 1. Guião da entrevista semiestruturada realizada com os jovens, os pais, os vizinhos e os antigos professores.
|
Procedimentos
Após a identificação dos cinco jovens adultos que tinham terminado havia dois anos a escolaridade, estes foram contactados para averiguar a sua disponibilidade para participar no estudo. De seguida, contactámos os pais, os vizinhos e os professores com o mesmo objetivo. As entrevistas, com excepção dos professores que preferiram ser inquiridos na escola, foram realizadas nas residências dos entrevistados.
As perguntas para as entrevistas foram elaboradas com base na experiência profissional no domínio da Educação Especial, bem como na literatura consultada.
Nas entrevistas aos três jovens com incapacidade intelectual, tivemos de reformular algumas questões, simplificando-as ou desdobrando-as para uma efetiva compreensão e produção de resposta.
As entrevistas, com duração entre 20 e 30 minutos, foram gravadas mediante autorização prévia dos participantes e posteriormente transcritas.
Para analisar o discurso dos participantes recorremos à análise de conteúdo – técnica de tratamento de informação – procurando, tal como refere Bardin (1977), passar da descrição à interpretação, no sentido de promover o alcance e a compreensão dos significados manifestos e latentes no material de comunicação. A unidade de registo foi estabelecida ao nível da frase, sendo que a sua análise originou categorias – congruentes com os temas das questões da entrevista. Este processo foi conduzido por duas pessoas que analisaram três entrevistas e discutiram os acordos e desacordos de modo a constituir-se um quadro de análise comum. Seguidamente analisaram outras duas entrevistas tendo atingido um acordo em 95% das unidades de registo analisadas.
As categorias definidas disseram respeito ao que inicialmente tínhamos intenção de analisar, coincidindo com as áreas introduzidas pelas questões da entrevista semiestruturada. Assim, a análise de conteúdo do discurso dos participantes na entrevista semiestruturada permitiu identificar três categorias: rotina atual do jovem; expetativas dos participantes (atuais ou passadas) em relação à sua empregabilidade; suportes necessários à transição. Na tabela 2 encontram-se descritos os critérios que basearam a decisão dos investigadores para incluir as unidades de registo em cada categoria, mostrando exemplos das unidades de registo selecionadas. Veja aqui as entrevistas na íntegra.
Tabela 2. Categorias (e exemplos de discurso) usadas para a análise do discurso dos participantes.
Categoria | Descrição (os investigadores incluíram as unidades de registo na categoria sempre que os participantes se referiram a:) |
Rotina do jovem | Atividades que o jovem realiza, contextos e/ou pessoas com quem o jovem passa a maior parte do tempo no seu quotidiano atual.
Ex: “Passo os dias em casa. Só quando alguém me vem buscar é que vou sair”. |
Expetativas que tinham ou têm em relação à empregabilidade | Desejos e projetos que o jovem, e todos aqueles que o rodeiam, idealizaram/idealizam para a sua vida.
Ex: “ Gostei muito de trabalhar lá e sempre pensei que ia ficar. Não sei porque é que não aconteceu…” |
Suportes necessários para a transição para a vida ativa | Respostas encontradas na comunidade para otimizar o processo de transição.
Ex: “Tem de existir uma maior envolvência da comunidade, um compromisso social” |
Resultados
Com o objetivo de compreender o processo de transição de cinco jovens com incapacidade, auscultámos a sua opinião, a dos pais, dos vizinhos e dos professores. Para organizar a análise de dados que esta investigação implicou, elaborámos três tabelas, uma para cada categoria – rotina do jovem (Tabela 3),expetativas dos participantes em relação à empregabilidade dos jovens (Tabela 4), suportes necessários (Tabela 5) – com as frases mais paradigmáticas de cada sujeito em cada categoria, isto é, que melhor descrevem os conteúdos e os sentimentos enunciados.
Estas tabelas permitem apresentar, de forma comparativa entre participantes, o conteúdo das entrevistas. Optámos por selecionar as expressões e as citações cujo conteúdo fosse relevante para a compreensão da problemática inerente a este estudo. Uma vez que as categorias de análise derivam diretamente das questões contempladas nos tópicos da entrevista, os conteúdos do discurso de todos os participantes incluíram alusões às três categorias. Este facto levou a que a nossa opção nesta apresentação de resultados recaísse na análise das orientações e sentido do discurso proferido, pelo que não reportaremos a frequência em que categoria esteve presente nos discursos.
Rotinas dos jovens
A tabela 3 ilustra a opinião dos participantes quanto ao quotidiano dos jovens. Conforme se pode verificar, dois temas dominaram o discurso dos participantes relativo à categoria “rotina dos jovens”: (1) as atividades que preenchem o seu dia-a-dia e (2) as redes de amigos que possuem.
De modo geral, os cinco jovens tinham rotinas semelhantes que podiam ser resumidas do seguinte modo: não trabalham, estão em casa, ajudam nas atividades domésticas, saem muito pouco e não participam em atividades socialmente organizadas. Esta realidade era descrita por quatro jovens e confirmada pelos pais e vizinhos. No caso do Jovem II, ele saía de casa, ia para a CERCI, onde tinha diferentes atividades, terapias, e contactos com os profissionais e os colegas da instituição. O Jovem I também descrevia, como parte integrante da sua rotina, a ida diária à biblioteca, sendo que os pais descreviam esta rotina como pouco desafiante para o jovem.
Tabela 3. Opinião dos pais, dos vizinhos, dos professores e dos próprios jovens sobre a sua rotina diária.
Rotina diária |
||||
A sua própria visão |
Visto pelos pais |
Visto pelos vizinhos |
Visto pelos professores |
|
Jovem I |
“Levanto-me, faço as camas, lavo a louça. Depois venho para a biblioteca de Escapães”. | “Levanta-se por volta das 10h, toma o pequeno-almoço, faz a lida da casa e à tarde vai para a biblioteca. Faz sempre o mesmo…Não tem amigos.” | “Levanta-se, ajuda a mãe em casa e vai para a biblioteca. | Sei que, está em casa, Também sei que continua a frequentar a biblioteca que tanto adora. |
Jovem II |
“Vou para a CERCI. Trabalho, vou à piscina e jogo com os meus amigos. Também aprendo a fazer bolos e a arrumar a casa.” | “Vai para a CERCI com o pai. O dia-a-dia é na CERCI.” | “Vai para a CERCI com o pai”. | “Sei que o Tiago, no âmbito da CERCI, frequentou um curso de formação ligado à pastelaria e bolos secos”. |
Jovem III |
“Estou em casa sem fazer nada. Não tenho nenhuma outra atividade. Outras vezes estamos em casa, com a família. Com amigos, não.” | “Passa o dia fechada em casa, no computador. Não tem amigos. É raro sair.” | “A Vera está sempre em casa com o marido. É raro saírem. Faz a lida da casa e, por vezes, ainda trata do avô.” | “Não sei o que está a fazer mas imagino, face ao mercado de trabalho e à sua deficiência auditiva, que esteja em casa.” |
Jovem IV |
“Estou desempregada. O meu dia é andar por aí.” | “A Ana nunca trabalhou. Desde que deixou a escola, já há três anos, passa os dias em casa Não tem muitos amigos.” | Não sabemos muito sobre ela nem sobre a família porque são pessoas muito fechadas”. | Já me cruzei com ela na rua, mas não sei se terá trabalho na área de cabeleireiro ou noutra.” |
Jovem V |
“Desde que sai da escola não fiz mais nada. Às vezes ajudo a minha mãe a limpar a casa e faço alguns recados.” | “Ajuda-me nas tarefas da casa, faz alguns recados e acompanha-me para todo o lado que vou. Fora isso, tem uma vida muito isolada…passa muito tempo a ver televisão.” | “É um bom menino mas está sempre sozinho. Só sai com a família ou quando a mãe lhe pede para fazer alguns recados.” | “Encontrei a mãe que me disse que o Miguel está em casa, não sai muito e passa os dias muito isolado, a ver televisão e a ouvir música.” |
Em resposta à pergunta, o que fazes no dia-a-dia, podemos verificar que, para além das referências às atividades que preenchiam o seu dia-a-dia, os participantes referiram também a falta de uma rede de amigos, sobretudo para afirmar que, após deixarem a escola, os seus contactos sociais se resumiam aos membros da família próxima. Deste modo, o discurso dos participantes sugere que existia uma grande limitação nas oportunidades de interação social, no número de pessoas com quem contactavam e se relacionavam, e nos ambientes e contextos frequentados. Quatro dos pais entrevistados referiram o facto de os seus filhos “estarem fechados em casa” ou de terem “uma vida muito isolada”, “sem amigos”. A mãe do jovem que frequentava a instituição não referia estas questões. O discurso da mãe do jovem I refletia também esta preocupação com a falta de amigos do filho, apesar de este frequentar diariamente um serviço da comunidade como é a biblioteca.
Os vizinhos, excetuando um caso, conheciam os jovens desde que nasceram e sabiam bem quais eram as suas rotinas. À exceção de um entrevistado, que não conhecia bem a jovem, todos realçaram o facto de “estar sempre sozinho” ou de “só sair com a família.”
Relativamente aos cinco professores entrevistados, três deles mostraram conhecer a situação atual destes jovens: “está em casa”, e dois referiram “não saber o que estão a fazer”, parecendo mostrar que existia alguma proximidade e interesse dos professores de educação especial, que se estendia para além do tempo em que os jovens frequentavam a escola.
Expectativas dos participantes – atuais e passadas – em relação à empregabilidade
Nesta categoria, as referências do discurso dos participantes aludem: (1) às expectativas quanto à inserção no mercado laboral, estando estas relacionadas – no caso dos Jovens III, IV, V – com atividades e estágios iniciados quando ainda estavam na escola; (2) à conjuntura atual do país, referida comummente pelos participantes para justificar a não concretização das expectativas; (3) às capacidades dos jovens para desempenharem uma tarefa laboral, bem como às características das tarefas laborais.
Tabela 4. Expectativas dos pais, dos vizinhos, dos professores e dos próprios jovens em relação à empregabilidade.
Expetativas (atuais ou passadas) |
||||
A sua própria visão |
Visto pelos pais |
Visto pelos vizinhos |
Visto pelos professores |
|
Jovem I |
“Eu achava que ia arranjar um emprego. Gostava de catalogar livros. Trabalhar na biblioteca era o que queria mas puseram lá outra pessoa.” | “Via-o a trabalhar em qualquer coisa porque ele é muito responsável e acho que se integrava bem em qualquer sítio” “Quando ele fez o estágio na escola tive sempre muita esperança que ele fosse ficar, pensei sempre que ele ia ficar” | “Emprego!? Irá ser difícil pois se nem para os normais o há. Quando morrerem os pais não sei o que será dele porque, é claro, que não pode viver sozinho. Era um perigo.” | “As expetativas não seriam as mesmas das tidas em relação a um aluno dito normal, mas houve sempre a preocupação de que aquilo que lhe ensinámos fosse o mais prático possível para poder ingressar numa tarefa qualquer numa empresa, numa biblioteca ou numa instituição.” |
Jovem II |
“Gostava muito da escola, não queria sair de lá. Na CERCI faço muitos bolos, aprendo a fazer as camas e também tenho amigos mas não é igual. Pensei sempre em trabalhar fora da CERCI”. | “Não tinha expetativa relativamente à inserção no mercado de trabalho. Eles querem produtividade e estes miúdos são mais lentos, demoram mais tempo e é difícil encontrar um patrão que queira.” | “É um amor mas não tem capacidade para ter uma vida autónoma. Não tem a noção do perigo, nem sabe cuidar de si sozinho, quanto mais arranjar um emprego. A sua vida passa pela permanência numa instituição”. | “Enquadra-se num trabalho onde a tarefa pode ser aprendida e repetida, é muito empenhado”. |
Jovem III |
“Tinha expectativas mas já não tenho. Estive dois anos a fazer estágio no escritório de uma empresa de plásticos. Fechou e eu vim para casa. Fui inscrever-me no Centro de Emprego. Eles chamavam-me muitas vezes para cursos e depois dizem que não posso ir porque não tem ninguém para me ajudar, é sempre assim.” | “Tínhamos expectativas que arranjasse trabalho. Agora acho que não vai conseguir, é tudo muito complicado e muito pior para os jovens com deficiência. Já tentamos muitos lados, muitas empresas mas nenhuma está recetiva a isso. Ela e o marido estão dependentes de nós.” | “Apesar de ser uma boa rapariga e de ser muito inteligente é muito complicado arranjar um emprego. Geralmente nos escritórios ou nas lojas é preciso falar com as pessoas e atender o telefone e, no caso dela isso é muito difícil. A única possibilidade seria arranjar um emprego em que fizesse as tarefas sem ter de falar mas não estou bem a ver o quê.” | “Na altura não existiam grandes apoios para alunos com este perfil. Pareceu-nos melhor encaminhá-la para a frequência de um curso que a preparasse para exercer uma profissão. Era muito inteligente e trabalhadora e, se não fosse a situação económica que o país atravessa, penso que conseguiria inserir-se no mundo do trabalho.” |
Jovem IV |
Ri-se.“Sempre pensei que ia estar nesta situação porque quando acabei o nono ano isto já estava assim. No cabeleireiro, já sabia que estava ali para aprender mas que não ficava.“Não vou conseguir” | Tinha expetativas. Sei que a Ana não aprendia como os outros mas como é muito bonita, sempre pensei que poderia trabalhar numa loja ou com idosos. O meu marido ainda tentou, através de umas pessoas amigas, arranjar-lhe trabalho num lar mas apareceram lá outras raparigas com mais estudos. Está difícil.” | Inclusão é muito difícil. Acho que é o termo ideal mas não é o real. Acho que todo o ser humano, deve e pode, dentro das suas capacidades, ser útil. Agora, sei que isso é difícil mostrar isso porque toda a gente diz “então se não há trabalho para os outros, vai haver para estes?”. | A Ana era uma aluna pouco comunicativa. Nunca expressou os seus desejos mas sempre lhe disse que era gira, que gostava de se cuidar e que um dia a área de cabeleireira ou esteticista podia ser uma opção.” |
Jovem V |
“Pensei que ia ficar a trabalhar na padaria. Gostava de ajudar a fazer bolos e, no final, até me davam pão para trazer para casa. Não sei porque é que não fiquei lá mas gostava muito.” | “A sra. da padaria disse-me que gostavam muito dele mas que precisava de alguém mais autónomo e mais rápido a fazer as tarefas. Na Segurança Social disseram-me que a única solução para ele é fazer um curso mas que não têm nenhum adequado neste momento.” | “Ele trabalhou uns tempos na padaria ali em baixo e andava muito contente. Mas sabe como é…com esta crise, é muito difícil empregar alguém assim.” | “Fiquei muito surpreendido por estar em casa. Quando acabou o terceiro ciclo, tudo ficou orientado para que ficasse a trabalhar na padaria onde desenvolveu a parte vocacional do seu PIT. Quando é orientado desempenha as tarefas, com perfeição.” |
Apesar de ser referida a conjuntura atual do país, havia, mesmo assim, expectativa relativamente à inserção no mundo do trabalho. Dos cinco jovens, quatro tinham a expectativa de vir a conseguir desempenhar um papel profissional, “eu achava que ia arranjar um emprego”, “pensei sempre em trabalhar fora da CERCI”, “pensei que ia ficar a trabalhar na padaria”. No entanto, estes quatro jovens – I, II, III e V – já não mantinham as expectativas positivas alimentadas quando ainda estavam na escola, “tinha expectativas mas já não tenho”. Apenas o jovem IV manifestou que – apesar de ter passado por uma experiência equivalente a um trabalho, num cabeleireiro – não tinha qualquer expectativa em relação ao futuro “já sabia que estava ali para aprender, mas que não ia ficar”.
No que concerne aos pais entrevistados, quatro tinham expectativas positivas, “via-o a trabalhar em qualquer coisa porque ele é muito responsável”, “tínhamos expectativas que arranjasse um trabalho”. Em alguns casos – pais dos jovens I e V – estas expectativas eram reforçadas pelo feedback que receberam dos locais onde os seus filhos estagiaram e, mesmo pela escola, “a sra. da padaria disse-me que gostavam muito dele”“quando ele fez o estágio na escola tive sempre muita esperança”, sugerindo que os jovens em questão apresentavam as competências necessárias para a função. No entanto, os pais, especificamente do jovem III, manifestaram que atualmente já não alimentavam expectativas de sucesso dos filhos na integração numa atividade laboral, “agora, acho que não vai conseguir, é tudo muito complicado e muito pior para os jovens com deficiência”. Os esforços desencadeados para conseguirem respostas positivas para os seus filhos foram também mencionados pelos pais dos jovens III e V que procuraram em instituições e serviços comunitários apoios para a inserção em postos de trabalho, “já tentámos muitos lados, muitas empresas, mas nenhuma está recetiva a isso” “já fui à Segurança Social e disseram-me que a única solução para ele é fazer um curso, mas não têm nenhum adequado neste momento”.
Relativamente aos professores, o seu discurso espelhava que as expectativas que tinham quando os alunos deixaram a escola eram positivas, contextualizadas pelo tipo de trabalho que os jovens conseguiriam desempenhar. Os professores – dos jovens I, II, III e V – proferiram que os jovens poderiam desempenhar tarefas de cariz essencialmente prático, “enquadra-se num trabalho onde a tarefa pode ser aprendida e repetida”, referindo também as características pessoais dos jovens importantes no mercado laboral, “era muito inteligente e trabalhadora” “quando é orientado, desempenha as tarefas com perfeição” “é muito empenhado”. Adicionalmente, os professores mencionaram o investimento da escola para que os jovens viessem realmente a desempenhar uma atividade laboral, “aquilo que lhe ensinámos fosse o mais prático possível” “pareceu-nos melhor encaminhá-la para a frequência de um curso que a preparasse para exercer uma profissão” “tudo ficou orientado para que ficasse a trabalhar na padaria onde desenvolveu a parte vocacional do seu PIT”.
As expectativas dos vizinhos dos jovens mostraram ser, em geral, mais negativas do que de todos os restantes participantes, baseadas na assunção “então se não há trabalho para os outros [pessoas sem incapacidade], vai haver para estes?!”. Está tónica de discurso foi mencionada pelos vizinhos dos jovens I e IV. Assim, todos os vizinhos referiram-se à crise financeira e social que o país atravessa, “com esta crise é muito difícil empregar alguém assim” associada às dificuldades ou à falta de capacidades dos jovens, “é um amor, mas não tem capacidade para ter uma vida autónoma”, “a sua única possibilidade seria arranjar um emprego em que fizesse as tarefas sem ter de falar mas não estou bem a ver o quê” para justificar a falta de oportunidades para desempenhar uma atividade laboral.
A principal preocupação de algumas mães era a incerteza quanto ao futuro, nomeadamente quando não estiverem presentes. Sentiam-se sós na difícil e complexa tarefa de cuidar e integrar estes jovens e agradeceriam ajuda adequada. É então essencial que a família, bem como as restantes pessoas que estão envolvidas com estes indivíduos, os encorajem a tentar encontrar recursos e procurar alternativas que possam ajudá-los na sua independência.
Suportes necessários para a transição para a vida ativa de jovens com incapacidade
Tabela 5. Opinião dos pais, dos vizinhos, dos professores e dos próprios jovens sobre os suportes necessários para a transição para a vida ativa de jovens com incapacidade
Suportes necessários |
||||
A sua própria visão |
A Visão dos pais |
A visão dos vizinhos |
A visão dos professores |
|
Jovem I |
“Se alguém falasse com o presidente da Câmara e lhe dissesse que eu sei trabalhar numa biblioteca, talvez ele me ajudasse… Se fosse numa empresa também podia ser. Eu também gosto de computadores, é esse o meu curso.” | “Não sei …A escola podia talvez ver as crianças que têm estes atrasos, metê-los em qualquer coisa, sei lá! Acho que deviam fazer mais qualquer coisa. Ele tem 23 anos, está a ver o que é estar ali um homem de manhã a arrumar a casa e à tarde ir para a biblioteca, isto não é futuro. Se um dia eu e o pai lhe faltamos… O que me preocupa mais é o dia de amanhã”. | “A escola e o Estado deviam fazer alguma coisa. Por agora, os pais cuidam deles mas e depois? Deviam criar umas casas, tipo lar de idosos, para estas pessoas, e dar incentivo às empresas para os pôr lá a trabalhar. Existe a CERCI, mas parece que não tem vagas”. | “Tem de haver uma maior envolvência da comunidade, tem de haver uma sensibilização a nível das empresas. Temos de sensibilizar a empresa para isso, temos de tentar fazê-los perceber que há ganhos pessoais para o aluno e que, estes alunos, quando são bem esclarecidos podem ser uma mais-valia”. |
Jovem II |
“Gostava de sair com os meus amigos, de ir passear.” “Gosto de estar na CERCI mas tenho saudades da escola. O Zé ficou a trabalhar lá (no bar da escola) e eu não…também queria lá ter ficado.” | “A escola não tentou encontrar-lhe um local na comunidade para fazer qualquer experiência de trabalho, A única experiência a esse nível foi na CERCI, através da parceria com os CRI.” “Acho que não surgiu nenhuma empresa com abertura para que isso acontecesse..” | “Apesar de ser muito conhecido na comunidade, deveria ter frequentado um clube desportivo porque gosta muito de futebol. Acho que os pais nunca o puseram lá porque ninguém se disponibilizou para tomar conta dele. As pessoas gostam muito dele mas não sabem lidar com ele”. | “Portugal tem uma lei vanguardista e que pensa a inclusão de uma forma muito positiva. O problema, tal como muitas outras leis, é a sua aplicação e concretização. Há aqui um trabalho muito grande a fazer de sensibilização da comunidade, do encontrar junto dos empresários aquele local, posto de trabalho no qual aquela pessoa com limitação possa ser um membro ativo e participativo no processo produtivo.” |
Jovem III |
As escolas deviam ensinar língua gestual para todos saberem falar… Quando eu preciso de ir a um médico ou ao hospital ou à Segurança Social tenho que levar sempre alguém para falar ou levar tudo por escrito. Eu não gostei da escola, depois do 4º ano eram todos maus para mim. Na escola normal não tinha ninguém para me ajudar e nunca mais falaram nada comigo, foi sempre a minha mãe que procurava ajuda sozinha.” | “Humanidade… devia haver mais humanidade. Como há pouca oferta de trabalho, escolhem sempre os ditos normais, os outros, e o Estado não ajuda, não participa em nada, não dá incentivos. A família é neste momento o grande suporte destas pessoas.” A escola podia ter-lhe dado, pelo menos o 12º ano. Se tivesse tido outro suporte, talvez tivesse ido para o ensino superior.” | “Alguém devia falar com a Câmara ou com a Junta de Freguesia para ser feita alguma coisa. Como são muito recatados e estão sempre por casa, lá no mundo deles, as pessoas vão-se esquecendo que existem. É preciso que estas pessoas apareçam mais para que os outros saibam que existem”. | “Penso que com alguma supervisão, devido às questões da audição, seria capaz de desempenhar qualquer tarefa dentro da sua área de formação. As empresas têm de ser sensíveis a estas questões”. |
Jovem IV |
“Não sei…isso já vai da boa vontade das pessoas. Os meus pais tentaram mas as coisas estão complicadas. “Não dá…está complicado!” Era bom que nos ajudassem, que se interessassem por nós e pelos nossos problemas”. | “O estado devia ajudar mais estas pessoas, dar um incentivo às empresas que permitisse integrar estas pessoas. Se as empresas se sentissem mais apoiadas talvez ajudassem porque a ideia é, o deficiente não pode trabalhar. “ | “Em vez de terem aquelas disciplinas todas na escola estes jovens deviam aprender praticando. Estou-me a lembrar, por exemplo, antigamente pessoas que não aprendiam como os outros iam para ajudantes de trolha, padeiro, picheleiro, aprender uma arte.” | “A comunidade deve estar receptiva, deve tentar e aceitar o desafio. É lá que está a resposta porque a escola dá uma resposta até certa idade mas depois tem de ser a comunidade. É pena que a escola faça protocolos com as empresas, mas depois os alunos não fiquem.” |
Jovem V |
“Gostava de ir outra vez para a padaria ou para a escola porque lá tinha amigos. Os funcionários, os professores e a minha turma eram meus amigos. Na padaria também eram meus amigos…explicavam-me as coisas e, quando saíam, também me levavam.” | “Era preciso que as pessoas se preocupassem mais com os outros. A escola faz aqueles planos, coloca-os a trabalhar mas depois, quando acabam a escolaridade obrigatória, não quer saber. As empresas acolhem-nos lá durante aquele tempo mas depois, quando acaba o ano, também não querem saber”. | “As pessoas, e falo também por mim, deviam interessar-se mais por estas pessoas, pensar em atividades para os fazer sair de casa e não estarem tão isolados. Todos o conhecemos mas verdadeiramente não sabemos quem ele é, do que gosta…” | “ As entidades com responsabilidade nesta matéria, nomeadamente as escolas e a comunidade envolvente deviam dar mais suporte a estes jovens e às suas famílias. Infelizmente, a única resposta que ainda vamos tendo para estes jovens são as C.E.R.C.I.´s, que estão cada vez mais sobrecarregadas”. |
Em geral, os jovens não identificaram apoios necessários à transição para a vida ativa, apenas o jovem I o fez, expressando apenas os seus desejos e expectativas não concretizadas, “ O Zé ficou a trabalhar lá (no bar da escola) eu não…também queria ter lá ficado” “gostava de ir outra vez para a padaria ou para a escola porque lá tinha amigos”.
Os pais identificaram a falta de apoios, quer da escola – pais dos jovens I e II –, quer do estado e da sociedade civil – pais dos jovens II, III, IV, V. A falta de apoio da escola foi mencionada ao nível do seu papel na procura de locais de emprego para a inserção dos jovens ou mesmo de instituições, “a escola podia…metê-los em qualquer coisa”. O Estado era chamado à responsabilidade de apoiar as empresas para a contratação/integração dos jovens com incapacidade, “o Estado devia ajudar mais estas pessoas, dar um incentivo às empresas que permitisse integrar estas pessoas”.
O pai do jovem II criticava a escola mas, simultaneamente, também reconhecia a responsabilidade das respostas da sociedade civil, “a escola não tentou encontrar-lhe um local na comunidade para fazer qualquer experiência de trabalho…não surgiu nenhuma empresa com abertura para que isso acontecesse”. Neste caso específico, o papel da escola passou pela integração do jovem na instituição CERCI. O pai do jovem V alertava para um outro fator: a falta de continuidade e de monitorização da experiência laboral, isto é, quando os jovens terminavam a vida escolar, deixvaam de contar com o apoio da escola na integração profissional e as empresas deixavam de receber os jovens, verificando-se um período de ausência de suportes de parte a parte.
O discurso dos vizinhos, também pautado pela falta de apoios do Estado, acrescentava alguma crítica aos pais dos jovens com incapacidade – vizinhos dos jovens II e III – por, na sua opinião, contribuírem para o isolamento dos seus filhos, “como são muito recatados e estão sempre por casa, lá no mundo deles, as pessoas vão-se esquecendo que existem”. O vizinho do jovem V mencionava também a pouca consciencialização da comunidade para as pessoas com incapacidade e, mesmo, alguma alienação, “as pessoas…deviam interessar-se mais por estas pessoas…todos o conhecemos mas verdadeiramente não sabemos quem ele é, do que gosta…”.
Os participantes refletiam no seu discurso a necessidade de uma maior envolvência e recetividade da comunidade. Especificamente, quatro dos cinco professores – dos jovens I, II, III e IV – referiram a necessidade de sensibilização das empresas para à integração das pessoas com incapacidade, “tem de haver uma sensibilização a nível das empresas” “Há aqui um trabalho muito grande a fazer de sensibilização da comunidade” “as empresas têm de ser sensíveis a estas questões”. Os professores referiram esta necessidade ao mesmo tempo que expressavam a falta de continuidade do trabalho desenvolvido pela escola ao nível da preparação desta fase de vida, “é pena que a escola faça protocolo com as empresas, mas depois os alunos não fiquem”. O professor do jovem II expos também o problema de “aplicação e concretização” das leis portuguesas sobre a matéria da inclusão dos jovens, apesar do referencial que as subjaz estar de acordo com o estado da arte sobre a educação especial e os movimentos dos direitos humanos das pessoas com deficiência que se verificam um pouco por todo o mundo.
O professor do jovem V referiu ainda que a única resposta que a escola encontra para a transição dos jovens para a vida ativa é ao nível das CERCI, instituições “cada vez mais sobrecarregadas”.
Pelos resultados que temos vindo a descrever, constata-se a falta de círculos de apoio, constituídos por grupos da comunidade, que auxiliem estes jovens e as suas famílias a desenvolverem um plano para o futuro. Talvez por este motivo, a família surgia no discurso dos jovens, dos vizinhos, dos professores e dos próprios pais como o suporte essencial e mais presente na vida dos jovens com incapacidade, “a família é neste momento o grande suporte destas pessoas”. De facto, o papel das famílias – dos pais – assume importância fulcral, não apenas como cuidadores, no que concerne à satisfação das necessidades básicas dos jovens, mas também como defensores dos seus direitos na procura de respostas para a integração social e laboral dos seus filhos com incapacidade.
Discussão
Cinco jovens com incapacidade, os seus pais, vizinhos e antigos professores foram entrevistados com o objetivo de compreender o seu processo de transição, decorridos aproximadamente dois anos após terem deixado a escola. A análise do discurso proferido pelos vinte participantes mostrou que, congruente com os três tópicos abordados no guião de entrevista, este foi passível de ser agrupado em três categorias: (1) rotinas dos jovens, (2) expetativas dos participantes em relação à empregabilidade dos jovens e (3) suportes necessários à transição para a vida ativa.
Um dos aspetos importantes a salientar dos resultados é a visão coincidente entre os jovens, os pais, os vizinhos e os professores no que concerne às rotinas: não trabalham, estão em casa, ajudam nas atividades domésticas, saem muito pouco e não participam em atividades socialmente organizadas, estando, por isso, o seu quotidiano quase que restringido à família e, no caso do aluno que frequenta uma instituição (CERCI), à instituição.
Quando se comparam as expectativas, desde o momento que deixaram a escola até ao presente, a análise do discurso mostra a passagem de expectativas bastante positivas para negativas e, sobretudo, a falta de esperança em relação ao futuro. As razões para as expectativas positivas, explicam-nas com o investimento da escola na preparação da transição para a vida adulta onde participaram em experiências de atividade laboral (e.g., estágios). De facto, no período que antecede o final da vida escolar dos jovens com incapacidade, o papel da escola é desenvolver um plano para a transição, cujo objetivo consiste em identificar oportunidades e experiências que ajudem os jovens a preparar melhor a sua vida de adultos (Mahanay-Castro, 2010). No entanto, a comunidade parece ainda não estar a responder em pleno para podermos falar de transição bem-sucedida, concretamente no que respeita a oportunidades de emprego e de socialização (Blacher, 2001), pois, como referem Jenaro (2003) e Verdugo e Jenaro (1998), não nos podemos esquecer das dificuldades associadas à natureza das deficiências que apresentam. Também os nossos resultados vão no mesmo sentido, com os participantes a referirem os estereótipos que existem por parte dos empregadores, acusados de falta de compreensão relativamente às qualificações e capacidades das pessoas com incapacidade. A falta de resposta adequada dos Centros de Formação e dos Centros de Emprego, de legislação ou o incumprimento da mesma, isto é, a falta de apoio dos serviços oficiais e das instituições privadas são fatores que constituem um obstáculo à inclusão e à realização das suas aspirações. Também a falta de apoio e de ajuda financeira são referidas por todas as famílias como mais um obstáculo no processo de inserção socio-laboral. Teoricamente, os resultados deste estudo são facilmente enquadrados no modelo de conceptualização da vida das pessoas com incapacidade da American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (2002, 2009), onde as atividades de vida doméstica, de vida da comunidade, de emprego e sociais, são referidas como fundamentais para a qualidade da existência de qualquer individuo e, portanto, também daqueles em situação de incapacidade.
Se considerarmos que os vizinhos são, neste estudo, uma possível voz da sociedade, é interessante notar que estes mostraram ser os mais céticos relativamente às capacidades dos jovens, apresentando as expectativas mais negativas em relação à sua possível integração no mercado laboral.
No que concerne aos professores, a ideia de sensibilização da sociedade – incluindo as empresas – atravessa o seu discurso, alertando que, para além dos mecanismos formais de apoio (e.g., leis de incentivo), é também necessário trabalhar junto da comunidade (e.g., desconstruir estereótipos) para se formarem redes de suporte informais que permitam uma melhor integração das pessoas com incapacidade. Os professores são unânimes em responsabilizar, em parte, as empresas, sugerindo que a escola está, de facto, a investir na transição dos jovens com incapacidade, mas as empresas não estão a responder positivamente, ou, quando o fazem, não mantêm o apoio quando estes saem da escola. Esta opinião é partilhada entre os participantes, pois no seu discurso referem que, quando terminam a escola, os jovens retornam às famílias, as quais, para além de satisfazerem as suas necessidades básicas, assumem o papel de principais defensores dos direitos dos seus filhos na procura de respostas para a integração social e laboral.
Assim, um dos consensos discursivos/explicativos deste estudo pode ser resumido do seguinte modo: apesar do investimento da escola na transição dos jovens para a vida ativa, a realidade tem mostrado tratar-se de uma transição para o “vazio”, no que respeita à vida social e laboral. A explicação avançada para esta situação é o facto de a sociedade parecer não acompanhar a escola no movimento e no esforço. Não negando tal explicação, merece, contudo, a pena ser questionado o papel da instituição escolar, neste processo de transição para a vida ativa, especificamente, no modo como os PIT são elaborados, na antecipação que fazem na saída da escola e nos programas/conteúdos e competências que são ensinados. A falta de articulação entre instituições ficou patente na avaliação nacional da implementação do Decreto-Lei n.º 3/2008, onde uma das constantes nos 33 grupos focais, realizados nos agrupamentos aleatoriamente selecionados, foi a preocupação com os processos de transição, motivando a recomendação da necessidade de “Desenvolvimento de uma política de inclusão social que atue em articulação com os sistemas de saúde, do emprego e da segurança social e da educação” (Sanches-Ferreira et al., 2010, recomendação n.º 19). Este mesmo aspeto é, agora, reforçado pelo Conselho Nacional de Educação que, na sua Recomendação n.º 1/2014 sobre Políticas Públicas de Educação Especial, identifica como problema “(…) a transição de alunos/as com currículo específico individual para a vida ativa com a operacionalização do seu PIT parece não permitir a sua plena integração social e laboral depois de concluída a escolaridade obrigatória, a que acresce a necessidade de repensar a certificação decorrente deste percurso escolar” (p.16204), e recomenda “Que sejam acauteladas as situações de transição de alunos/as com NEE entre os diversos sistemas/ciclos de escolaridade, nomeadamente entre a intervenção precoce e a entrada na escolaridade obrigatória, acompanhamento e finalização da escolaridade no ensino secundário às/aos alunas/os com CEI/PIT e a sua transição para a vida ativa no final da escolaridade” (Ponto 6, p.16205).
Conclusão
O período imediato após os jovens com incapacidade deixarem na escola caracteriza-se por um conjunto de mudanças e desafios para os jovens e para as suas famílias (Blacher, 2001), mas os resultados não são animadores. Ao cruzar as descrições sobre a vida dos cinco jovens adultos, torna-se evidente a sua não-participação na vida da comunidade, não se esgotando na ausência de trabalho, mas abrangendo todas as áreas da vida (e.g., rotinas estruturadas e manutenção de amigos), sendo descrita e sentida, na primeira pessoa, como uma vida isolada e só. Realmente, as expectativas, tendencialmente positivas enquanto frequentam a escola, são, num curto espaço de tempo, convertidas em falta de esperança em relação à integração profissional e social.
Se o papel da escola na preparação dos jovens na transição para a vida pós-escolar parece estar, em parte, a ser cumprido ao desenvolver competências práticas e ao criar e implementar oportunidades de experiências laborais, parece ainda existir um longo percurso a percorrer neste processo que continua muito centrado na escola.
Congruentemente com o estado da arte do conhecimento e das práticas sobre a vida ativa das pessoas com incapacidades (e.g., American Association on Intellectual and Developmental Disabilities), no discurso dos participantes surgem como indiciadores de transição bem-sucedida os seguintes fatores: ter um emprego/atividade vocacional, ter amigos e experiências de socialização na comunidade e, consequentemente ter uma rotina estruturada.
Neste estudo, vimos que a família assume um papel preponderante no período que sucede o momento em que os jovens deixam a escola. De facto, o envolvimento da família é fundamental e consiste no “planeamento e provisionamento de serviços de educação e transição” (Kohler & Field, 2003, 178), pelo que as equipas educativas deverão estar orientadas para o treino de competências de empowerment, não só dos jovens com incapacidade, mas também das suas famílias. Especificamente, as equipas deverão apoiar as famílias, conectando-as aos serviços de apoio apropriados, envolvendo-as nos processos de planificação e nas próprias decisões que as afetam, de modo a desenvolverem um projeto de vida futura (Turnbull, 2003). Tal assume especial relevância quando, como vimos, as famílias constituem os principais defensores dos direitos dos jovens com incapacidade, num processo muitas vezes solitário.
Bernard da Costa afirmava, já em 1996, que a educação de crianças e jovens com incapacidade deve contribuir para que possam ter de uma vida de qualidade, em que sejam garantidos os seus direitos à autonomia, à privacidade, à participação nos diferentes serviços e recursos da comunidade, às atividades de trabalho e de lazer e, acima de tudo, ao relacionamento humano diversificado, à amizade, à comunicação pessoal, ao amor. Esta afirmação é aqui corroborada por pais, professores e vizinhos pois afirmam que as principais preocupações sentidas têm que ver com o medo em relação ao futuro e com as questões do jovem ser feliz, ter uma ocupação e sentir-se apoiado.
Como conclusão final, poderemos dizer que os dados deste estudo reforçam a ideia de que uma política consistente acerca da deficiência e da incapacidade tem de ser pensada de forma intencional e sistemática, não bastando a produção legislativa a nível do macrossistema se depois a nível micro, meso e exossistema essas não forem consistentemente implementadas. Tal nem sempre significa recursos no sentido económico do termo. É papel da sociedade prover os suportes necessários para que estes jovens possam participar do ambiente social, como é reiterado pelos princípios de uma sociedade para todos. Torna-se necessário um trabalho conjunto com a comunidade local e os serviços de apoio interdisciplinar para garantir uma intervenção holística e coordenada, junto dos jovens e das suas famílias, as quais são vistas como os principais suportes existentes para a integração social e laboral dos jovens com incapacidade.
Estes resultados devem ser lidos com cuidado, dadas as limitações inerentes ao estudo, particularmente ao número reduzido de participantes. No entanto, o número reduzido de participantes no estudo permitiu compreender detalhadamente as experiências de transição dos cinco jovens. Apesar deste estudo ter recorrido à triangulação de fontes de informação através das entrevistas aos jovens com incapacidade, aos seus pais, vizinhos e antigos professores, seria importante ter investigado o conteúdo dos planos individuais de transição desenhados para os jovens. Com a consulta deste documento poderíamos aceder aos objetivos delineados e avaliar de que modo a sua natureza é conducente à vida ativa – por exemplo, se estavam previstos objetivos relacionados com a autodeterminação e advocacia dos jovens e das suas famílias. Adicionalmente, as opiniões, especificamente, dos jovens com incapacidade e dos seus pais relativas à transição da escola para a vida ativa foram analisadas retrospetivamente. Um estudo longitudinal com a recolha de dados com os jovens ainda na escola e, depois no período pós-transição (por exemplo: dois anos após deixarem a escola como aconteceu neste estudo) poderia contribuir para uma maior compreensão das experiências de transição, capturando as alterações nas perspetivas dos participantes ao longo do tempo.