Introdução
O projeto Castro Lusitano Virtual (http://openlab.esev.ipv.pt/projetos/clv/) concretiza-se no desenvolvimento de um sistema interativo com visualização tridimensional que permite a exploração em tempo real e com perspetiva subjetiva de um ambiente de aprendizagem representativo de um povoado da Idade do Ferro da região Centro de Portugal.
Vídeo 1: Demonstração de versão em desenvolvimento do projeto Castro Lusitano Virtual. |
O ponto de partida deste projeto remonta à construção de um protótipo originalmente desenvolvido no âmbito de uma Unidade Curricular do Mestrado em Arte, Design e Multimédia da Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV). Após o término do ano letivo, o protótipo, inicialmente desenvolvido no âmbito do ensino formal e fruto do trabalho individual de um aluno, evoluiu para uma nova dinâmica e objetivos mais ambiciosos. Atualmente acolhido pelo projeto OpenLab ESEV (http://openlab.esev.ipv.pt/), um projeto agregador e promotor de iniciativas relacionadas com a utilização de Software Livre e Open Source, tecnologias abertas e conteúdos livres nos âmbitos de ação da Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV), o projeto Castro Lusitano Virtual conta com uma equipa voluntária de quatro pessoas, dois docentes e dois discentes, e o seu desenvolvimento ocorre fora do contexto de unidades curriculares ou de qualquer atividade no âmbito do ensino formal.
Este projeto visa cumprir dois propósitos principais: a) contribuir para a disseminação do conhecimento e fomentar o interesse pela cultura castreja; e b) demonstrar a utilidade e adequação de Software Livre para o desenvolvimento de projetos na área da Educação e Património Virtual.
No cruzamento destes propósitos identificam-se os eixos que orientaram o desenvolvimento do projeto: a relevância da Arqueologia virtual para a cultura e para o património, permitindo experiências imersivas e apresentação complexa de informação através do recurso às tecnologias de informação e comunicação (Arnold & Geser, 2008) e a urgente discussão em torno dos conceitos de cultura livre e acesso aberto, assim como em torno da utilização de software livre e formatos de ficheiros abertos, na nossa sociedade (Gonçalves & Figueiredo, 2014; Lessig, 2004).
Neste artigo apresentamos elementos deste enquadramento e o próprio projeto, Castro Lusitano Virtual. Embora a sua utilização possa ser discutida em diferentes contextos, neste artigo focamos o seu potencial para o ensino e aprendizagem da História. Nesse âmbito, discutem-se estratégias de experiência de visita (acesso) e de construção de ambientes virtuais (produção), alargando essa análise ao conceito de recursos educacionais abertos (UNESCO, 2012).
1. Da Arqueologia Virtual ao Património Virtual
As tecnologias e sistemas digitais têm tido um impacto importante no mundo da Arqueologia (Zubrow, 2006). O seu uso encontra-se disseminado, sustentando diferentes tarefas e momentos, do registo de dados à divulgação, passando pela análise e interpretação. A Arqueologia Virtual não é a única combinação possível resultante desta associação, sendo, porventura, um dos maiores e mais estimulantes desafios.
A designação Arqueologia Virtual, Virtual Archaeology no original, foi utilizada inicialmente em 1990, na conferência Computer Applications and Quantitative Methods in Archaeology por Paul Reilly (Ryan, 2001), para identificar a utilização de modelos tridimensionais de edifícios e artefactos antigos (Barceló, Forte, & Sanders, 2000). A evolução do conceito acompanhou o progresso tecnológico e, na década seguinte, é sobretudo associada a uma “epistemologia computacional aplicada à reconstrução de ecossistemas arqueológicos tridimensionais” (Forte, 2000, p. 247)(*), reconstruções arqueológicas digitais com navegação em tempo real e oferecendo algum grau de interação e imersão.
Os autores assumem, assim, que se trata de uma forma de conhecer, de uma ecologia cognitiva (Forte, 2000), a partir da utilização de ferramentas digitais e computacionais. Esta perspetiva concretiza-se na ideia de uma abordagem interdisciplinar que combina especialistas de várias áreas para garantir equilíbrio entre o potencial da tecnologia, a interpretação das fontes disponíveis e os processos de construção de significado pelos utilizadores (Arnold & Geser, 2008; Martins & Bernardes, 2000). Para além de permitir a aprendizagem a partir das reconstruções conseguidas, a ideia da Arqueologia Virtual como forma de conhecer surge associada ao próprio processo arqueológico, ou seja, como simulação da análise e do raciocínio arqueológicos (Barceló, 2000).
Apesar desta visão, o uso mais comum da Arqueologia Virtual continua a ser na apresentação e disseminação de resultados. Existem diferentes meios e ferramentas para gerar modelos, desde pequenos elementos a cidades. Os modelos tridimensionais são fáceis de interpretar e providenciam informação necessária para projetos de reconstrução, preservação, reabilitação ou educação em torno de património arquitetónico ou arqueológico (Núñez Andrés, Buill Pozuelo, Regot Marimón, & de Mesa Gisbert, 2012).
O conceito Património Virtual, Virtual Heritage no original, emergiu da necessidade de expandir o âmbito mais restrito dos vestígios materiais, em torno dos quais se desenvolve a atividade arqueológica, e incluir dimensões mais próximas do património cultural imaterial (Roussou, 2002). Ou seja, “Património virtual, em sentido lato, envolve a síntese, conservação, reprodução, representação, reprocessamento digital e exibição de evidências culturais com recurso a tecnologia avançada de imagem” (Roussou & Drettakis, 2003, p.52)(*). A utilização da tecnologia em áreas distintas permite considerar que Património Virtual se desdobra em três domínios principais: 1) documentação 3D, métodos e processos aplicados à investigação de sítios arqueológicos e aquisição de informação; 2) representação 3D, métodos e processos aplicados no desenvolvimento de reconstruções e visualizações com conteúdo histórico; e 3) disseminação 3D, métodos e processos que visam proporcionar acesso ao conteúdo criado (Addison, 2000).
O Castro Lusitano Virtual constitui um cenário fictício mas verosímil, acautelando o rigor científico pela constante pesquisa, avaliação das fontes e preocupação com as questões relacionadas com a autenticidade ou validade das informações e com a fidelidade ou correção das respetivas representações. Inscreve-se na área do Património Virtual, vertente Disseminação (Addison, 2000), na medida em que visa partilhar conhecimento histórico e cultural, e constitui uma representação do tipo “ideal-type”, ou seja “um cenário que é ficcional, porém típico e autêntico no seu contexto, e baseado num modelo generalizado de uma situação histórica” (Martin, 1993, p. 311)(*).
2. Software Livre e Recursos Educacionais Abertos
O conceito de Software Livre, Free Software no original, foi empregue pela primeira vez por Richard Stallman (1983) e a designação cunhada é atualmente utilizada para identificar software distribuído com uma licença que permite a liberdade de uso, modificação e redistribuição, na sua forma original ou modificada, sem quaisquer restrições ou com restrições que visem apenas a proteção destas liberdades (Free Software Foundation, 2014). Apesar de ser comum a distribuição de Software Livre sem custos de aquisição, este não deve ser confundido com software distribuído de forma gratuita, vulgarmente designado por freeware. Como refere Stallman, “Sofware Livre é uma questão de liberdade, não de preço” (2010, p. 43)(*).
As razões para a utilização de Software Livre são sobretudo de natureza ética, o seu uso constitui “a expressão de um desejo de viver num mundo organizado de uma forma diferente, onde as barreiras artificiais que beneficiam apenas alguns são eliminadas” (Soler, 2008, p.16)(*). Não obstante, existem razões estratégicas importantes, para além da ausência de custos na aquisição de licenças, incluindo a qualidade e pertinência de várias aplicações disponíveis, a possibilidade de estudar, adaptar e redistribuir o código livremente ou o evitar do vendor lock-in e a utilização de um workflow independente dos interesses e estratégias comerciais.
A designação Open Source foi cunhada posteriormente, a 3 de fevereiro de 1998 (Raymond, 1999), com o duplo intuito de identificar uma nova abordagem que defendia “a superioridade de um processo de desenvolvimento aberto”(*) e criar um claro distanciamento do filosoficamente e politicamente orientado movimento do Software Livre (Open Source Initiative, 2012). Não obstante a existência de uma distinção entre estes dois movimentos, muitas vezes obnubilada pela utilização indiferenciada das duas designações, importa realçar aqui a existência de dimensões partilhadas e reconhecimento de que “a Open Source Definition inclui muitas das ideias de Stallman e pode ser considerada um derivado do seu trabalho” (Perens, 1999, p. 80)(*).
Na área da criação digital, a utilização de Software Livre e Open Source representa um desafio aliciante às metodologias de produção assente na ideia que “A capacidade de intervir no código, redistribuir as intervenções, para construir com os blocos que outras pessoas disponibilizaram é absolutamente essencial para fazer avançar o processo criativo” (Soler, 2008, p. 14)(*). Para os criadores, isto significa que “no Software Livre e de Código Aberto o fluxo de trabalho não é pré-determinado (…) e abre um mundo de possibilidades e criatividade” (Kenlon, 2011, p. 42)(*). Ou seja, uma atitude de resistência à inelutabilidade das habituais respostas da indústria do software proprietário para todos aqueles que pretendem fazer novo ou ir mais além: “não fazer ou gastar mais dinheiro para ser capaz de fazê-lo” (Kenlon, 2011, p. 41)(*). Por outro lado, no âmbito da atividade científica, quando a validação implica uma reprodutibilidade do processo utilizado na produção, “apenas quando lidamos com software de código aberto podemos realmente definir o processo como aberto às verificações de todos” (Calori, Camporesi, Palombini, & Pescarin, 2006, p. 434)(*).
Neste projeto, para além das razões acima apresentadas, são particularmente relevantes os argumentos e as preocupações relacionadas com a disseminação e preservação de dados e conhecimento. No contexto da Arqueologia e Património Virtual, o Software Livre e Open Source representa uma parte importante do conjunto de ferramentas utilizadas para a implementação de estudos de análise de sítios arqueológicos, documentação, preservação e restauro. Os autores referem as questões de custos e de acessibilidade a utilizadores não profissionais, mas principalmente a importância da transparência relativamente às metodologias adotadas que o uso das ferramentas de Software Livre e Open Source permitem e promovem (Di Pasqualea, Lerariob, Maiellarob, & Scala, 2013; Guarnieri, Pirotti, & Vettore, 2010; Zhang et al., 2012). Utilizar Software Livre significa participar num ecossistema aberto que valoriza a partilha e a colaboração.
O movimento dos recursos educacionais abertos, Open Educational Resources (OER) no original, traduz uma resposta às preocupações acima expostas no âmbito da Educação. Definidos pela UNESCO (2012) enquanto “materiais de ensino, aprendizagem e investigação em quaisquer suportes, digitais ou outros, que se encontram em domínio público ou que tenham sido publicados sob uma licença aberta que permite acesso, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por terceiros sem nenhuma restrição ou restrições limitadas”(*), constituem uma alternativa aos problemas suscitados pela crescente comodificação do conhecimento e da educação.
O Castro Lusitano Virtual assume uma natureza de recurso educacional aberto manifestada pela adoção de uma distribuição sob a licença “Creative Commons Atribuição – Partilha nos Termos da Mesma Licença 4.0 Internacional” (CC BY-SA 4.0), disponível para consulta em http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/deed.pt. Significa isto que qualquer indivíduo poderá usar e copiar o Castro Lusitano Virtual, implementar adaptações, modificações e transformações, e redistribuir na sua forma original ou modificada para qualquer fim, incluindo comercial. Coerentemente, a distribuição do Castro Lusitano Virtual será acompanhada da disponibilização do seu “código-fonte”, dos seus ficheiros de produção, e a sua utilização ou modificação não requer qualquer software proprietário.
3. Utilização educativa de ambientes virtuais 3D
Tendo como parâmetro central o papel desempenhado pelo aluno na sua relação com o Ambiente Virtual, gostaríamos de apresentar aqui, de forma sucinta, algumas ideias sobre dois grandes tipos de abordagens que podem ser implementadas em torno da utilização do Castro Lusitano Virtual: o aluno enquanto explorador e o aluno enquanto construtor de ambientes virtuais (Gonçalves, 2006). Se o Castro Lusitano Virtual, enquanto ambiente virtual construído previamente à sua utilização, sugere uma abordagem em que o aluno desempenha o papel de explorador ou visitante, a flexibilidade e acessibilidade das ferramentas de desenvolvimento por nós utilizadas permitem perspetivar outras opções onde o aluno possa assumir um papel de criador ou construtor, concebendo e desenvolvendo versões modificadas, alternativas ou até totalmente diferentes deste ambiente virtual. Por outro lado, na abordagem aluno-explorador, a construção de experiências de aprendizagem não tem de se esgotar na simples visita ao Castro Lusitano Virtual, sendo possível integrar atividades de índole diversa tanto a montante como a jusante desta exploração.
Numa abordagem em que o papel desempenhado pelo aluno-utilizador é o de explorador do Castro Lusitano Virtual, as experiências de aprendizagem relativas à construção do conhecimento histórico aproximam-se da estratégia da visita de estudo. As atividades baseiam-se no contacto e estudo de uma representação de património histórico-cultural nacional que não está facilmente acessível e sugerem a implicação da recolha, exploração e avaliação de dados. A informação complementar de natureza diversa presente no Castro Lusitano Virtual (i.e. vídeos, imagens, textos, áudio, hiperligações para páginas web externas), acessível ao aluno-utilizador durante as suas explorações, reforça uma dimensão de pesquisa, recolha e tratamento de informação.
Independentemente do formato escolhido para a exploração, é possível integrar este tipo de utilização com outro tipo de atividades. O estudo ou exploração poderá ser previamente ou posteriormente enquadrado por uma pesquisa relativa a conteúdos da área da História, que facilmente poderá ser expandida a outras áreas disciplinares, e os alunos poderão servir-se da experiência de exploração do ambiente virtual para construir outro tipo de materiais que visem a divulgação e partilha de conhecimento histórico ao nível da turma, da escola ou da comunidade. Deste modo, a exploração do ambiente virtual poderia surgir como indutor de outras experiências de aprendizagem e permitiria contribuir para o valorizar de experiências no âmbito da divulgação e partilha do conhecimento.
Na abordagem aluno-construtor é incontornável a articulação entre diferentes áreas. Mesmo nos casos onde o objetivo é o desenvolvimento de um ambiente virtual com conteúdos da área do conhecimento histórico, o processo de construção ultrapassa necessariamente este âmbito mais restrito na medida em que implica a mobilização de diferentes competências científicas, tecnológicas, comunicacionais e artísticas.
Antes de se iniciar o desenvolvimento, é necessária uma etapa de conceção, definir o conteúdo e o modo como este irá ser construído e apresentado. Esta fase envolve necessariamente momentos de pesquisa e tratamento de informação mas respeitar a própria natureza interdisciplinar da realidade significa também enquadrar várias áreas de conhecimento para além da História. O processo de produção do ambiente virtual requer a manipulação de diversos equipamentos e ferramentas, com especial enfoque nos de natureza informática. Finalmente, na medida em que um ambiente virtual será visitado por outros para além daqueles que o conceberam, a sua construção surge sempre associada a um ato de partilha de conhecimentos, à comunicação e divulgação dos conteúdos nele representados a outros.
É nosso intuito, aquando da partilha da versão Beta do Castro Lusitano Virtual, publicar diversos documentos de apoio que permitam auxiliar, promover até, a implementação das duas abordagens em contextos da educação formal, incluindo diferentes níveis de escolaridade, e não-formal.
4. Projeto
No ambiente virtual, o castro encontra-se situado num planalto, numa posição cimeira e sobranceira a um ribeiro, circundado por uma linha de muralha, o que lhe confere maior segurança face a eventuais ataques e animais hostis. O povoado é constituído por várias estruturas habitacionais de planta circular, agrupadas em cinco conjuntos que representam espaços de conteúdo sobre a cultura castreja dos lusitanos, e espaços para recolha de animais (bovinos, caprinos, cavalos e ovinos).
Para o utilizador, o Castro Lusitano Virtual apresenta seis áreas distintas de dois tipos que podem ser visitados:
i ) espaço exterior: apresenta a estrutura de um povoado lusitano da Idade do Ferro, permitindo ao seu visitante conhecer a volumetria das estruturas habitacionais e espaços de apoio (espaços de armazenamento, locais para recolha de animais, etc.) no contexto do povoado, assim como a integração deste na paisagem. A exploração do povoado e áreas envolventes é apoiada pela existência de informação complementar de natureza diversa (i.e. vídeos, imagens, textos, áudio, hiperligações para páginas web externas). Simultaneamente, este cenário funciona ainda como um menu espacializado onde as casas pertencentes aos diferentes conjuntos permitem o acesso a áreas com informação sobre a cultura castreja dos lusitanos.
ii ) espaços interiores: os cinco conjuntos de estruturas habitacionais correspondem a cinco núcleos de conteúdo sobre a cultura castreja dos lusitanos: armas, religião, quotidiano, língua e tribos. Os espaços interiores destas estruturas incluem vários objetos e artefactos que remetem para informação complementar sobre diversos aspetos, incluindo atividade bélica e armas utilizadas, deuses e práticas religiosas, atividades económicas e sociedade, linguagem e escrita, geografia e cronologia.
No Castro Lusitano Virtual, o conteúdo representado de forma tridimensional, a paisagem e os restantes objetos que a povoam, não constitui a única fonte de informação e de interesse para a exploração. O conteúdo tridimensional surge como um contexto que auxilia a conferir significado à informação de natureza mais abstrata ou simbólica (texto, discurso, cronologias, mapas, etc.). Esta informação complementar surge sempre imersa no ambiente tridimensional, tanto pela sua pertinência como pela associação a artefactos ou outros objetos (falcata, caetra, utensílios metálicos e de cerâmica, fíbulas, estátuas, joalharia, etc.) encontrados pelo visitante durante a exploração.
O ambiente virtual é, assim, composto por diversas entidades virtuais que podem ser classificadas do seguinte modo:
a) passivas: estas entidades são estacionárias e não apresentam qualquer alteração no seu comportamento (i.e. animação) ou propriedades (mudança de forma, cor, etc.) em reação à presença ou ação do utilizador. Interagem apenas de forma passiva, constituem obstáculos com os quais o utilizador pode colidir. A paisagem envolvente, o terreno, e as rochas ou as paredes e telhados das estruturas habitacionais constituem exemplos deste tipo de entidades.
b) reativas: entidades que utilizam sensores de proximidade e/ou orientação para reagir à presença do utilizador alterando o seu comportamento ou propriedades. Entidades que se animam, alterando a sua forma, posição ou aspeto, e sons que são espoletados em reação à proximidade e/ou orientação do utilizador constituem exemplos deste tipo de entidades.
c) ativas: entidades que se animam, alterando a sua forma, posição ou aspeto, quando selecionadas através de clique do rato, ou seja, implicam uma ação voluntária do utilizador. Todas estas entidades apresentam uma animação de realce (highlight), um comportamento reativo à proximidade e/ou orientação do utilizador, de modo a facilitar a sua identificação e sugerir a sua ativação. A abertura do portão da cerca onde se encontram recolhidos animais constitui um exemplo deste tipo.
d) entidades de informação: a maioria das entidades ativas permite aceder a informação complementar em diversos formatos (i.e. vídeos, imagens, textos, áudio, hiperligações para páginas web externas) quando o utilizador as seleciona através de clique do rato.
Durante a exploração do ambiente virtual, o utilizador pode interagir com o conteúdo tridimensional de dois modos: navegação-movimento e seleção de objetos. O sistema de navegação implementado é similar ao de diversos videojogos que apresentam uma perspetiva na primeira pessoa. O utilizador pode deslocar-se livremente ao nível do terreno pelos diversos espaços (exterior e interiores) que constituem o ambiente virtual constrangido apenas pela impossibilidade de “voar” e pela colisão com objetos. A deslocação do utilizador é controlada através do teclado e a visão através de um dispositivo apontador do tipo rato. No que diz respeito à seleção de objetos, a mesma é feita através do clique do rato e tem em conta a proximidade do utilizador. Como não existe um cursor visível e manipulável, dado que o movimento do rato está mapeado ao controle da visão, a seleção dos objetos tem em conta a orientação da visão. Por outras palavras, o utilizador tem de orientar a sua visão centrando no objeto que pretende selecionar. A seleção só é possível caso o utilizador esteja suficientemente próximo do objeto, dentro da área de alcance definida.
Relativamente às soluções adotadas para apresentar informação ao utilizador durante a exploração do conteúdo tridimensional, destacamos a preocupação com a sensação de presença dos utilizadores e a usabilidade do sistema. O HUD (head-up display) é minimal, consiste apenas num mapa de aspeto circular e legendas que identificam o espaço onde o utilizador se encontra, tentando minimizar ao máximo a obstrução da visão do espaço. As entidades de informação são facilmente identificáveis através de uma animação de realce construída com a manipulação da iluminação dos objetos. Na esmagadora maioria dos casos, os objetos que servem de entidades de informação estão fortemente integrados no espaço virtual em exploração, são utensílios ou outros objetos com existência plausível.
De momento, não existem quaisquer planos no roteiro de desenvolvimento do Castro Lusitano Virtual relativos à implementação de funcionalidades que permitam a manipulação, criação ou edição (alteração de propriedades) de objetos pelos utilizadores ou visitantes do ambiente virtual. No entanto, isto não significa que o conteúdo do Castro Lusitano Virtual não possa ser facilmente editado e modificado. A natureza aberta deste projeto e das tecnologias utilizadas na sua implementação permite, esperamos que incentive, a modificação do conteúdo do Castro Lusitano Virtual. Na realidade, todos os softwares utilizados no desenvolvimento estão já disponíveis e os ficheiros de produção serão disponibilizados num futuro próximo.
Importa referir que o Castro Lusitano Virtual é totalmente desenvolvido apenas com recurso a Software Livre. O motor do ambiente virtual é o Blender Game Engine (BGE), uma componente da aplicação Blender (http://www.blender.org/) desenvolvida para a criação de conteúdos com interação em tempo real, que integra o motor de física Bullet (http://bulletphysics.org/) e pode ser expandido através da linguagem de programação Python (https://www.python.org/). O Blender é ainda utilizado na criação de todo o conteúdo 3D presente no ambiente virtual (i.e. todos os modelos 3D e respetivas animações). Para além desta aplicação, estão ainda a ser utilizados o Audacity (http://audacity.sourceforge.net/), para a componente áudio, e o Gimp (http://www.gimp.org/), o Inkscape (http://www.inkscape.org/), o MyPaint (http://mypaint.intilinux.com/) e o Krita (http://krita.org/) para o conteúdo 2D (texturas, molduras, ícones, etc.).
O projeto CLV foi inspirado por um protótipo originalmente desenvolvido no âmbito da unidade curricular Laboratório de Ambientes Virtuais, do Mestrado em Arte, Design e Multimédia da ESEV, fruto do trabalho individual do aluno Orlando Pinto, sob supervisão do docente Nelson Gonçalves. Após o término do ano letivo, o projeto foi redesenhado e sofreu profundas alterações, tendo os conteúdos atualmente existentes sido já criados no âmbito desta nova dinâmica.
Atualmente acolhido pelo projeto OpenLab ESEV (http://openlab.esev.ipv.pt/), o CLV é fruto do trabalho de uma equipa constituída por quatro voluntários, dois docentes (Nelson Gonçalves e Maria Figueiredo) e dois discentes (Orlando Pinto e Joana Soares) da ESEV. Importa referir que, até ao momento, todo o trabalho de desenvolvimento ocorre fora do contexto de unidades curriculares ou de quaisquer atividades no âmbito do ensino formal, o que limita gravemente a disponibilidade da equipa e, consequentemente, a celeridade do processo.
Presentemente, o projeto assume ainda uma natureza de protótipo (pré-Alfa) a caminho da versão Alfa, primeira etapa de testes. O sistema de navegação e mecanismos de interação estão plenamente funcionais, sendo já possível testar o seu funcionamento e apresentar as primeiras versões de algum do conteúdo planeado. De momento, a equipa encontra-se focada na produção de informação complementar, conteúdos acedidos pelo utilizador através das entidades de informação (i.e. vídeos, imagens, textos, sons, hiperligações para páginas web externas), e no desenvolvimento visual do espaço exterior e dos espaços interiores que constituem o núcleo das armas, o que inclui a implementação de diferentes graus de detalhe de acordo com distância entre os objetos e o utilizador (level of detail), corrigir ou refazer alguns modelos e substituição de algumas texturas. Segue-se, espera-se que no futuro próximo, um período de testes tendo em vista a avaliação da usabilidade e a otimização do desempenho do sistema. Nesse momento, será disponibilizada ao público em geral uma primeira versão de demonstração do projeto, incluindo ficheiros de produção, através de um espaço próprio na Internet (http://openlab.esev.ipv.pt/projetos/clv/) e com uma licença CC BY-SA (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/deed.pt).
Atingida esta etapa, é nossa intenção focar o desenvolvimento na criação dos conteúdos tridimensionais e informação complementar. Nessa altura, será importante a integração de novos membros na equipa que permitam não só expandir as atuais valências técnicas e artísticas como também incluir peritos relacionados com os conteúdos científicos e exploração pedagógica. Estes últimos desempenharão um papel crucial na validação dos conteúdos históricos e na criação de materiais de apoio e sugestões para atividades pedagógicas em contexto formal e não-formal. É nossa intenção explorar a possibilidade de integrar algumas das tarefas relacionadas com a criação de conteúdos no âmbito de unidades curriculares da licenciatura em Artes Plásticas e Multimédia (1º ciclo) e envolver a colaboração voluntária de alunos (1º e 2º ciclo) e docentes dos restantes departamentos da ESEV.
Para um futuro menos próximo, existem diversas possibilidades em discussão e em estudo pela atual equipa, incluindo a utilização de agentes virtuais com diferentes graus de inteligência, uma versão estereoscópica implementada através de sistema anaglífico e o desenvolvimento das dimensões multi-utilizador e online, permitindo modalidades de exploração colaborativa e a distância. No entanto, estas possibilidades não obnubilam a consciência de que no presente e futuro próximo ainda existe um longo roteiro de desenvolvimento a percorrer.
Conclusões
O património histórico constitui um campo de aplicação de ambientes virtuais relevante que tem sido investido, por exemplo em Portugal (ver algumas das experiências em Marcos, Bernardes & Sá, 2002). A valorização da História e do património são objetivos culturais e educacionais importantes para os quais a utilização de várias tecnologias multimédia pode contribuir de forma significativa. Visitar um museu ou um monumento, encontrar informação sobre um sítio ou personagens históricas, são processos educativos e de consumo cultural que têm vindo a ser transformados. O impacto dos media na cultura, contudo, não se restringe ao uso intencional e explícito que fazemos das ferramentas disponíveis. Da World Wide Web à animação digital, aos jogos de vídeo e às redes sociais, os media que ocupam o nosso quotidiano alteram potencialmente a forma como nos relacionamos uns com os outros, com o local, com o património (Wardrip-Fruin & Mateas, 2014). Neste contexto, tem-se afirmado a relevância de pensar criticamente a propriedade intelectual e respetivos mecanismos de controle (Digital Rights Management, patentes e licenças de software, direitos de autor, etc.) no condicionamento da liberdade no acesso e na produção de cultura. A importância societal destas questões é proporcional ao grau de digitalização dos nossos meios de produção, armazenamento e distribuição de informação, conhecimento e cultura.
A construção do Castro Lusitano Virtual emergiu da confluência de dois eixos fundamentais: a valorização da História e do património nacional e a natureza aberta do projeto, respondendo a preocupações sobre a restrição quer de conteúdos quer de ferramentas e processos de produção. Nesse sentido, associa-se a outros projetos e iniciativas que pretendem afirmar uma cultura livre (Lessig, 2004).