Enquadramento(*)
O diagnóstico social é uma radiografia sobre uma determinada realidade, o qual se sustenta numa arquitetura metodológica que procura demonstrar dimensões de uma determinada organização, grupo, comunidade ou situação social. Fazer um diagnóstico social não é uma mera compilação ordenada de indicadores. Trata-se de um processo de base científica, realizado principalmente por especialistas nas áreas das ciências sociais e organizacionais, que procuram uma cartografia da situação (objeto do diagnóstico), através da demonstração de evidências que de outra forma não seriam “desocultadas” e, simultaneamente, lançar pistas para a ação futura.
Um diagnóstico não é uma auditoria. Com alguma frequência, ouvimos nos vários discursos esta confusão de conceitos. Uma auditoria remete-nos para o mapeamento de irregularidades e inconformidades num determinado contexto, sobretudo ao nível da violação de dispositivos legais. O diagnóstico está ancorado num compromisso de análise de contexto e de identificação de evidências que podem ser melhoradas, caso a entidade adjudicante o entenda. A auditoria é remete-nos para uma lógica de sanção, enquanto que o diagnóstico nos remete para a lógica de identificação.
O diagnóstico das Misericórdias do distrito de resulta de um trabalho realizado pelos sociólogos Joaquim Fialho, Carlos Alberto da Silva e José Saragoça, os quais construíram um modelo de análise assente em seis dimensões de análise diagnóstica:
a) A caracterização institucional, sobretudo ao nível dos recursos humanos que asseguram a atividade regular;
b) As respostas sociais existentes, designadamente as que estão presentemente ativas e o número de utentes abrangidos. Igualmente, foram identificadas respostas que são procuradas e que não se encontram no rol das oferecidas. Foi, igualmente, criada uma escala de dependência de fontes de financiamento das atividades.
c) Os problemas sociais a que responde constituem uma dimensão mais abrangente em que se procedeu à relação entre os problemas socais que são colocados à atividade das Misericórdias e os constrangimentos na ação de intervenção face aos mesmos.
d) Nas limitações e potencialidades da intervenção é concebido um quadro lógico dos constrangimentos/limitações, potencialidades/pontos fortes, bem como uma inventariação de recursos necessários para melhorar a intervenção.
e) Na dinâmica da rede das Misericórdias do distrito de Évora foi mapeado, através de logicas sociométricas da social network analysis, o quadro de interações interorganizacionais entre as vinte e cinco Misericórdias.
f) O diagnóstico social prospetivo apresenta cenários sobre o futuro a ação coletiva das vinte e cinco Misericórdias.
A partir dos dados recolhidos e da análise interorganizacional desenvolvida, a equipa do diagnóstico apresentou um conjunto de recomendações estratégicas que poderão servir de apoio à decisão dos vários atores que intervêm no quadro da ação da Misericórdias.
A função social das Misericórdias face aos desafios demográficos
A questão do envelhecimento e das respostas sociais de apoio aos idosos têm gerado uma enorme e complexa relevância nas sociedades ocidentais. As questões relacionadas com a velhice e o modelo apoio social, os desafios colocados a novas práticas de institucionalização de idosos e a construção de respostas sociais inovadoras são desafios aliciantes da intervenção social das Misericórdias. O papel da velhice nas sociedades modernas, bem como os sistemas sociais de cuidado aos mais velhos, têm sofrido mutações através das alterações das estruturas familiares, sociais, económicas e culturais. A família moderna afasta-se da comunidade (espaço público) para constituir com base na afeição num espaço privado, de relação, onde os objetivos afetivos, ou expressivos, prevalecem às finalidades económicas. Neste quadro, as Misericórdias são instituições sociais do denominado setor da economia social que apresentam um conjunto de particularidades assentes no bem-comum e na extensão do Estado Social ou, neste contexto, de Estado-quase-Social. A vocação social das Misericórdias em Portugal assenta numa longa tradição histórica e de uma imensa obra social disseminada por todo o território. Estas instituições sociais datam de 15 de agosto de 1498, aquando da constituição da Misericórdia de Lisboa, por iniciativa da Rainha D. Leonor para responder à crise económica e social que atravessava Portugal. A incapacidade das instituições sociais, sobretudo as instituições com ligações à Igreja Católica (irmandades, albergarias, hospitais e outras) em suprir as necessidades socais do contexto potenciaram uma nova forma de “intervenção social” para a altura. Neste contexto, as Misericórdias passaram a ter a responsabilidade administrativa dos hospitais.
Ao longo da história as Misericórdias têm mantido a essência do seu papel social e das suas atribuições no quadro da assistência social em Portugal. Em 1976 a constituição da União das Misericórdias Portuguesa veio assegurar a estruturação de uma imensa área de intervenção social que deambula entre as dimensões da saúde e ação social para os mais diversos públicos (das crianças aos idosos).
O atual contexto social português e as particularidades que daí advêm, fundamentalmente ao nível do envelhecimento populacional colocam, tal como na sua génese, um enorme desafio para a intervenção social das instituições do setor da economia social e, em particular, às Misericórdias. A evolução demográfica mostra-nos atualmente a coexistência de duas gerações de idosos. Embora este facto não constitua por si só um problema, pode, no entanto, gerar um problema social. Tendo em conta a acentuação da invalidez resultante de doenças agravadas pelo avanço da idade, tornando os idosos cada vez mais dependentes e, por outro lado, a existência de duplas gerações faz com que estes “velhos” sejam ajudados pelos filhos – idosos, também estes no limiar da velhice.
A tendência para o envelhecimento é também uma característica dominante da população portuguesa. A evolução demográfica em Portugal tem-se revelado pouco dinâmica, predominando uma estrutura etária progressivamente envelhecida. Há mais de 30 anos, em 1981, cerca de ¼ da população pertencia ao grupo etário mais jovem (0-14 anos), e apenas 11,4% estava incluída no grupo etário dos mais idosos (com 65 ou mais anos). As características demográficas da população revelam que se agravou o envelhecimento da população na última década Em 2011, Portugal apresenta cerca de 15% da população no grupo etário mais jovem (0-14 anos) e cerca de 19% da população tem 65 ou mais anos (INE,2011) Esta propensão que se tem manifestado de forma crescente, fomentará um desequilíbrio considerável entre as gerações, ou seja, o aumento dos mais velhos é relativamente empolado pela redução dos mais novos, contribuindo, desse modo, para o agravamento do desequilíbrio inter-geracional.
Os Censos 2011 revelam ainda que, na última década, o índice de dependência total(*) aumentou de 48 em 2001 para 52 em 2011. O agravamento do índice de dependência total é resultado do aumento do índice de dependência de idosos(*) que aumentou cerca de 21% na última década. O índice de dependência de jovens teve, no mesmo período, um comportamento contrário, assinalando uma diminuição de cerca de 6%.
A região Alentejo ocupa a maior fatia do território nacional. Inversamente, a menor densidade populacional. O Alentejo Central ostenta um índice de envelhecimento superior à média regional, principalmente em função do acentuado declínio da taxa de fecundidade, o que se estabelece como um fator negativo e preocupante para o seu desenvolvimento. O aumento da esperança média de vida reflete-se, igualmente, diretamente no índice de envelhecimento.
Relativamente aos concelhos do Alentejo Central, é possível verificar também uma maior proporção de idosos relativamente aos jovens. Na década de 70, verifica-se uma evolução positiva no Alentejo Central e Litoral devido ao retorno da população das ex-colónias e a fenómenos de ordem sócio cultural. No Baixo Alentejo, anos 80, acentuou-se o decréscimo populacional e no Alto Alentejo nenhum dos seus concelhos registrou aumentos populacionais. No Alentejo Central, os valores são bastante significativos, verificando-se um decréscimo populacional. No entanto a redução menor ocorre na faixa etária dos 25-65 anos. Dos vários estudos efetuados à região do Alentejo sobressai o aumento populacional até 1950, e após esta data um decréscimo que se tem verificado até aos nossos dias. A região perdeu 1/3 da sua população, da década de 50 até agora. Até aos meados do século, o Alentejo absorveu excedentes populacionais que vinham de outras regiões do país. A partir de 1950, assiste-se a alterações no sector económico que levam muitas pessoas a saírem da região Alentejana para zonas Industriais. Neste período apenas os concelhos de Portalegre, Vila Viçosa e Évora tiveram decréscimos inferiores a 10%.
O Alentejo, que se caracteriza por ser a região mais envelhecida do País, e uma das mais envelhecidas da Europa, apresentava em 1991, uma pirâmide de idades com uma base muito reduzida, devido ao pequeno número de jovens, e um topo com um efetivo muito elevado de idosos. Caracterizando-se por isso por possuir uma estrutura demográfica duplamente envelhecida o Alentejo apresenta a menor percentagem de jovens (13,3%), e simultaneamente a maior percentagem de pessoas idosas (23,1%) (INE,1999). Verificou-se, em 2010, que o Alentejo continua a apresentar as mais baixas proporções de população jovem (14,1%) e um peso elevado de população idosa (21,7%), encontrando-se este valor bastante acima ao observado para Portugal (15,3%), (INE, 2011).
As alterações verificadas nos últimos anos na estrutura das atividades económicas dominantes traduziram-se numa redução drástica da atividade agrícola dando origem a alterações demográficas, que se manifestaram quer ao nível do efetivo populacional, quer na forma como essa população se distribui pela região. A região do Alentejo tem vindo sofrer algumas alterações, designadamente o declínio acentuado da atividade agrícola e o aumento dos serviços que se concentram nos lugares de maior dimensão, o que conduziu à redução do efetivo populacional, que se tem vindo a tornar cada vez mais envelhecido, particularmente nas zonas rurais. Este decréscimo e envelhecimento da população está também interligado com a migração interna. Encontrando-se debilitado o tecido económico da região, devido à fraca industrialização, os jovens e desempregados do sector agrícola, não sendo absorvidos pelo mercado de trabalho regional, procuram, sobretudo os primeiros, melhores condições de vida e trabalho em regiões mais desenvolvidas e mais atrativas. Em relação aos que toda a tiveram as suas atividades associadas à agricultura, e pelo facto de as suas qualificações escolares e profissionais serem reduzidas, não têm motivações e força de suficiente para apostarem na mudança, quer em termos de procura de emprego numa outra atividade, quer para uma possível migração para outra região ou País.
As alterações ocorridas na estrutura da população revelam diferentes comportamentos a nível regional, apesar do fenómeno do envelhecimento demográfico se generalizar em todo o território. Em 2050, o Índice de Envelhecimento ascenderá a 243 idosos por cada 100 jovens, e a proporção de pessoas idosas no total da população será de 32%. Contudo, quando se compara a um nível geográfico mais fino ficam bem evidentes as assimetrias regionais, constatando-se também que o processo do envelhecimento demográfico será uma realidade em todas as regiões e sub-regiões
Em suma, a região do Alentejo apresenta em termos demográficos e em relação ao restante País um acentuado aumento de idosos e uma diminuição de jovens. Este quadro coloca-nos perante um enorme desafio face aos modelos de intervenção social a desenvolver pelas instituições do setor da economia social em geral, e às Misericórdias em particular.
Todavia, e como estratégia de minimização dos impactos sociais do envelhecimento, Barrón (1996) sugere um modelo de intervenção social simples e integrador, focado na pessoa idosa, institucionalizada ou não, e que passa pelas dimensões de apoio emocional, apoio material e instrumental e apoio de informação.
-
O apoio emocional – diz respeito à disponibilidade de alguém com quem se pode falar, e inclui as condutas que fomentam sentimentos de bem-estar afetivo. Estes fazem com que o sujeito se sinta querido, amado e respeitado e integram expressões ou demonstrações de amor, afeto, carinho, simpatia, empatia, estima.
-
Apoio material e instrumental – caracteriza-se por ações ou materiais proporcionados por outras pessoas e que servem para resolver problemas práticos e/ou facilitar a realização de tarefas quotidianas. Este tipo de apoio, tem como finalidade diminuir a sobrecarga das tarefas e deixar tempo livre para atividades de lazer. O apoio material só é efetivo, quando o recetor percebe esta ajuda como apropriada. Se isto não acontece a ajuda é avaliada como inadequada, o que pode acontecer sempre que o sujeito sente ameaçada a sua liberdade ou se sente em dívida.
-
Apoio de informação – refere-se ao processo através do qual as pessoas recebem informações ou orientações relevantes que as ajuda a compreender o seu mundo e/ou ajustar-se às alterações que existem nele.
Contudo, independentemente do foco da intervenção, e como forma de responder aos mais diversos desígnios, cabe às Misericórdias a prossecução de linhas estratégicas de ação sustentadas em três dimensões:
-
Os desígnios populacionais, ancorados na preocupante tendência do envelhecimento populacional, aumento da esperança média de vida, redução da taxa de natalidade e dificuldades de fixação de jovens em territórios do interior/de baixa densidade.
-
Os desígnios tipológicos que se materializam na necessidade de responder a novos problemas sociais decorrentes da fragilização socioeconómica das famílias, novos grupos sociais desfavorecidos (famílias endividadas ou em situação de pré/carência económica, entre outros).
-
Os desígnios da sustentabilidade económica e da ação colocados em causa pela redução das transferências sociais do Estado e a fragilização/incumprimento do pagamento das valências utilizadas por parte dos utentes.
Alguns aspetos metodológicos do diagnóstico
O diagnóstico social das Misericórdias do distrito de Évora foi operado a partir de um questionário desenvolvido pela equipa de investigação para o efeito, o qual se sustenta em seis dimensões analíticas:
I. Caracterização institucional.
II. Respostas sociais existentes
III. Problemas sociais a que responde
IV. Limitações e potencialidades da intervenção
V. Dinâmica da rede das Misericórdias do distrito de Évora
VI. Diagnóstico social prospetivo
Foi aplicado por via indireta às vinte e cinco Misericórdias que se encontram constituídas no distrito de Évora.
O processo metodológico assentou nas seguintes fases:
-
Construção e validação do instrumento de recolha de dados
-
Aplicação e monitorização do preenchimento do diagnóstico
-
Análise e tratamento de dados
-
Diagnóstico final e recomendação de estratégias de ação
Apesar dos vários esforços realizados, apenas não foi possível obter respostas de duas das vinte e cinco Misericórdias. Todavia, o número de respostas obtidas permite desenvolver uma análise representativa destas instituições sociais.
Os dados foram tratados de ferramentas informáticas: SPSS, Ucinet, NetDraw e MACTOR.
Caracterização e respostas sociais
A intervenção social das vinte e três Misericórdias que se predispuseram para colaborar no diagnóstico social encontra-se materializada num quadro de recursos humanos de 1217 trabalhadores fixos. Todavia, tratam-se de números globais pois, não foi feito o mapeamento da relação valência/nº de trabalhadores. Trata-se de um número muito expressivo, facto que traduz claramente que as Misericórdias, para além da sua função social, ocupam igualmente um lugar muito relevante no quadro da criação de postos de trabalho.
As respostas sociais que sustentam a intervenção social das Misericórdias do distrito de Évora apresentam uma base clássica em que predomina o foco na pessoa idosa, designadamente ao nível dos Lares, Serviços de Apoio Domiciliário e Centro de Dia. Por outro lado, a rede de cantinas sociais/refeitórios sociais também ocupa um lugar muito expressivo no ranking das respostas sociais, resposta esta que, se a adicionarmos à “distribuição/apoio alimentar a carenciados”, nos coloca sobre uma evidência de um certo quadro de fragilização social, em que os géneros alimentares são o principal foco de procura por parte dos utentes.
Quadro 1: Respostas sociais em funcionamento nas Misericórdias do Distrito de Évora
Respostas sociais |
Quantificação das situações |
||
Nº de respostas em todas as instituições |
% |
||
RS1.13. Lar de idosos |
17 |
16,5 |
|
RS1.16. Serviço de Apoio domiciliário |
17 |
16,5 |
|
RS17. Centro de dia |
15 |
14,6 |
|
RS1.4. Cantina social ou refeitório social |
10 |
9,7 |
|
RS1.10. Distribuição/apoio alimentar a carenciados |
7 |
6,8 |
|
RS1.9. Creche/Pré-escolar |
7 |
6,0 |
|
RS1.11. Farmácia |
5 |
4,9 |
|
RS1.18. Família e comunidade |
5 |
4,9 |
|
RS1.15. Loja social) |
4 |
3,9 |
|
RS1.17. Unidade de Cuidados continuados |
4 |
3,9 |
|
RS1.1. Aconselhamento psicossocial |
2 |
1,9 |
|
RS1.6. Centro de acolhimentos de mulheres vítimas de violência doméstica |
1 |
1,0 |
|
RS1.8. Centro de noite |
1 |
1,0 |
|
RS1.14. Lar residencial para criança ou jovens em risco |
1 |
1,0 |
|
RS1.19. Outras respostas sociais |
7 |
6,8 |
|
Total de respostas sociais |
103 |
100,0 |
Há, de facto, uma concentração de respostas sociais focadas na pessoa idosa e nas questões da família e da infância (Creche/Pré-escolar, Família e comunidade). Por outro lado, a resposta social de “Farmácia” também assume um posicionamento relevante no quadro das respostas sociais disponíveis. Todavia, para além da função de resposta social, também funcionam como uma importante fonte de receita para os orçamentos das Misericórdias.
Foto 1 – Atividade de animação na Creche Rainha Dona Leonor com os utentes dos Lares e SAD da Santa Casa da Misericórdia de Évora
Foto 2 – Serviço de fornecimento de refeições. Uma resposta clássica
Foto 3 – Atividade de animação sociocultural da SCM de Reguengos de Monsaraz
Todavia, e se atendermos às tendências demográficas regionais, não é de estranhar que sejam os idosos a absorver o maior número de respostas sociais por parte das Misericórdias. Por um lado, tal como referimos anteriormente, o foco está fundamentalmente em respostas clássicas (Lar/Centro de Dia/apoio domiciliário) mas, por outro lado, a resposta social de distribuição e apoio alimentar a carenciados/cantina social ou refeitório social assume igualmente uma cobertura muito significativa (476 + 432 utentes), tornando-as a segunda resposta linha de respostas mais relevante na intervenção social.
Quadro 2: Utentes abrangidos pelas respostas sociais das instituições(*)
Respostas sociais |
Quantificação das situações |
|||
Nº de instituições com o tipo de respostas |
Nº máximo de utentes abrangidos numa instituição |
Total de utentes abrangidos em todas as instituição por serviço |
Nº. médio de utentes abrangidos por instituição |
|
RS1.13. Lar de idosos |
17 |
164 |
1088 |
51,81 |
RS1.16. Serviço de Apoio domiciliário |
17 |
100 |
692 |
32,95 |
RS1.10. Distribuição/apoio alimentar a carenciados |
7 |
356 |
476 |
22,67 |
RS1.09. Creche/Pré-escolar |
7 |
143 |
461 |
21,95 |
RS1.04. Cantina social ou refeitório social |
10 |
75 |
432 |
20,57 |
RS1.18. Família e comunidade |
5 |
237 |
412 |
19,62 |
RS1.07. Centro de dia |
15 |
66 |
328 |
15,62 |
RS1.17. Unidade de Cuidados continuados |
4 |
30 |
94 |
4,48 |
RS1.01. Aconselhamento psicossocial |
2 |
60 |
60 |
2,86 |
RS1.14. Lar residencial para criança ou jovens em risco |
1 |
16 |
16 |
0,76 |
RS1.06. Centro de acolhimentos de mulheres vítimas de violência doméstica |
1 |
15 |
15 |
0,75 |
RS1.19. Outra |
7 |
73 |
197 |
9,38 |
Total de utentes abrangidos em todas as instituições |
93 |
4271 |
Foto 4 – Hidroginástica com utentes dos Lares e SAD da SCM de Évora. Resposta social inovadora
No quadro das iniciativas sociais e religiosas, podemos afirmar inequivocamente que a missão/função religiosa das Misericórdias está bem presente nos territórios em que se encontram sedeadas. Das vinte e três que responderam ao questionário do diagnóstico social, 16 desenvolvem eucaristias e atividades de culto religioso, o que significa uma taxa de 69,5%. Por outro lado, e na linha desta intervenção no âmbito da missão religiosa, as processões e romarias constituem outro tipo de iniciativa muito relevante. Contudo, notamos com alguma perplexidade, o facto da reflexão sobre as áreas de intervenção e as ações de sensibilização sobre as temáticas sociais assumirem uma expressão muito pouco significativa. Na nossa perspetiva, estas podem ser duas linhas de ação a explorar no futuro, numa lógica de reforço da intervenção junto da comunidade, bem como ao nível do reforço das representações sociais junto da população em geral. Por outro lado, atendendo ao número expressivo de trabalhadores que empregam, somos da opinião que as questões da sensibilização devem igualmente ser potenciadas junto dos trabalhadores que asseguram os serviços, dispersos pelas diferentes respostas sociais. O quadro seguinte apresenta a quantificação das iniciativas sociais e religiosas desenvolvidas pelas Misericórdias do Distrito de Évora em termos quantitativos e em termos de percentagem.
Quadro 3: Iniciativas sociais e religiosas desenvolvidas pelas Misericórdias do Distrito de Évora
Iniciativas sociais e religiosas |
Quantificação das situações |
||
Nº de iniciativas em todas as instituições |
% |
||
RS3.06. Eucaristias e atividades de culto religioso |
16 |
24,2 |
|
RS3.08. Procissões e romarias |
14 |
21,2 |
|
RS3.02. Atividades culturais |
13 |
19,7 |
|
RS3.03. Atividades de convívio e lazer para a população em geral |
7 |
10,6 |
|
RS3.04. Atividades sociais para grupos desfavorecidos |
5 |
7,6 |
|
RS3.07. Funerais |
6 |
9,1 |
|
RS3.05. Encontros de debate e reflexão sobre as áreas de intervenção |
3 |
4,5 |
|
RS3.01. Ações de sensibilização sobre temáticas sociais para a população em geral |
2 |
3,0 |
|
Total de iniciativas |
66 |
100,0 |
Colocando o foco nas fontes de financiamento da atividade das Misericórdias, não há qualquer equívoco quanto à dependência que se verifica relativamente às transferências sociais do Estado. Por outro lado, a comparticipação dos utentes é a segunda mais importante fonte de financiamento. Estas duas fontes de financiamento colocam, na nossa perspetiva, um quadro de dependência financeira volátil, na medida em que face a situações de instabilidade familiar nas famílias, sobretudo por influência de situações de desemprego, podem propiciar o incumprimento do pagamento das prestações/mensalidades da resposta social. Igualmente, parece-nos, que o baixo valor das pensões sociais/reforma podem funcionar como um obstáculo financeiro limitativo.
O pilar das transferências sociais do Estado assume uma função pendular. Em situações de oscilação positiva ou negativa nos valores a transferir, os impactos na organização/estabilidade/saúde financeira das Misericórdias é fortemente penalizador ou estabilizador. Por esta razão, consideramos que se devem pensar em mais formas de financiamento alterativos como, por exemplo, a candidatura a projetos sociais no âmbito de Programas de Financiamento da União Europeia ou outras iniciativas sociais de aproximação a outros/potenciais públicos/utentes.
O quadro seguinte apresenta a distribuição e o nível de importância que as fontes de financiamento representam na generalidade dos orçamentos das Misericórdias do distrito de Évora. A hierarquia das fontes de financiamento das instituições é uma ordenação estatística que permite colocar ordenadamente um conjunto de variáveis, sendo que no topo surge a mais relevante e, na base a que ocupa uma menor expressão no universo em análise. Face ao exposto, fica bem evidente a relevância dos subsídios e comparticipações estatais nos orçamentos da generalidade das Misericórdias do distrito de Évora.
Quadro 4: Hierarquias das fontes de financiamento das instituições(*)
Mean Rank |
|
RS4.03. Subsídios e comparticipações estatais |
9,77 |
RS4.06. Comparticipações de utentes/beneficiários |
9,00 |
RS4.04. Receitas das valências |
8,08 |
RS4.02. Rendas de imóveis |
7,15 |
RS4.05. Candidaturas a projetos |
6,31 |
RS4.01. Donativos de benfeitores |
5,27 |
RS4.09. Recurso a créditos bancários |
4,96 |
RS4.11. Outras fontes de financiamento |
4,77 |
RS4.10. Apoios de instituições parceiras |
4,46 |
RS4.07. Serviços prestados a outras entidades |
3,12 |
RS4.08. Venda de património |
3,12 |
n |
13 |
Chi-Square |
69,818 |
df |
10 |
Asymp. Sig. |
,000 |
Problemas sociais a que responde
Esta dimensão do diagnóstico centra-se na análise dos problemas sociais inerentes à intervenção social das Misericórdias. Os utentes com problemas de saúde constituem a principal resposta (entenda-se nesse caso preocupação) das Misericórdias. Contudo, e na sequência do que já reportamos anteriormente, as famílias em dificuldades económicas que solicitam “apoio” junto das várias respostas sociais constituem o segundo problema “mais importante” na intervenção. O quadro seguinte tem por base uma escala de “grau de importância” em que é possível identificar o peso que cada problema social ocupa no quadro geral da ação das Misericórdias. Os dados recolhidos permitem-nos reforçar a perspetiva de que, para além da intervenção clássica junto dos idosos, o apoio às famílias em dificuldades e a cedência/apoio alimentar são, inequivocamente, problemas sociais de muito relevo e que importa refletir sobre o quadro de fragilização familiar.
Quadro 5: Avaliação do grau de importância dos problemas sociais segundo as instituições
Problemas sociais |
Grau de importância (%) |
||||
Nº de instituições |
não se aplica |
residual |
alguma expressão |
muito expressivo |
|
PS1.01. Falta de bens alimentares/ famílias carenciadas |
20 |
15,0 |
10,0 |
55,0 |
20,0 |
PS1.02. Apoio para medicamentos |
19 |
31,6 |
21,1 |
36,8 |
10,5 |
PS1.03. Utentes com Alzheimer |
19 |
10,5 |
21,1 |
42,1 |
26,3 |
PS1.04. Utentes com Parkinson |
20 |
20,0 |
25,0 |
40,0 |
15,0 |
PS1.05. Utentes com outros problemas de saúde além dos referidos anteriormente |
21 |
4,8 |
4,8 |
38,1 |
52,4 |
PS1.06. Distúrbios psicológicos e patologias mentais |
19 |
5,3 |
42,1 |
36,8 |
15,8 |
PS1.07. Pessoas “sem-abrigo” |
19 |
68,4 |
26,3 |
5,3 |
|
PS1.08. Famílias em dificuldades económicas |
19 |
10,5 |
21,1 |
26,3 |
42,1 |
PS1.09. Toxicodependência |
19 |
42,1 |
47,4 |
10,5 |
|
PS1.10. Alcoolismo |
19 |
21,1 |
36,8 |
42,1 |
|
PS1.11. Crianças e jovens “em risco” |
19 |
26,3 |
26,3 |
26,3 |
21,1 |
A hierarquia dos problemas sociais segundo as instituições é um ranking que coloca em evidência os utentes com outros problemas de saúde além dos referidos anteriormente e às famílias em dificuldades económicas como os problemas sociais mais relevantes no momento.
Quadro 6: Hierarquias dos problemas sociais segundo as instituições(*)
Mean Rank |
|
PS1.05. Utentes com outros problemas de saúde além dos referidos anteriormente |
8,74 |
PS1.08. Famílias em dificuldades económicas |
7,89 |
PS1.01. Falta de bens alimentares – famílias carenciadas |
7,16 |
PS1.03. Utentes com Alzheimer |
7,11 |
PS1.06. Distúrbios psicológicos e patologias mentais |
6,61 |
PS1.04. Utentes com Parkinson |
5,89 |
PS1.11. Crianças e jovens ‘em risco’ |
5,89 |
PS1.02. Apoio para medicamentos |
5,58 |
PS1.10. Alcoolismo |
5,08 |
PS1.09. Toxicodependência |
3,42 |
PS1.07. Pessoas ‘sem-abrigo’ |
2,63 |
n |
19 |
Chi-Square |
69,985 |
df |
10 |
Asymp. Sig. |
,000 |
Os idosos sem apoio familiar, os idosos em situação de carência económica e idosos em situação de isolamento geográfico constituem-se como uma outra panóplia de problemas sociais associados ao envelhecimento demográfico de território. Por outro lado, o “desemprego” jovem é outro dos problemas sociais identificados. Em suma, o quadro seguinte acentua duas tónicas: envelhecimento populacional e desemprego jovem.
Quadro 7: Outros problemas sociais identificados pelas Misericórdias do Distrito de Évora
Outros problemas sociais |
Grau de incidência (%) |
Ausência de competências parentais, competências de gestão doméstica e desemprego |
9.09 |
Carências económicas graves e dificuldades de inserção no mercado de trabalho |
9.09 |
Crianças e menores em risco com processos de proteção de menores, desemprego, delinquência juvenil |
9.09 |
Violência doméstica |
9.09 |
Desemprego de longa duração de indivíduos de baixa escolaridade/sem qualificação profissional |
9.09 |
Desemprego jovem |
18.18 |
Idosos sem apoio familiar, idosos em situação de carência económica, idosos em isolamento geográfico |
36.36 |
Concluindo, a análise dos constrangimentos das Misericórdias na respostas aos problemas sociais, a ação está inequivocamente condicionada pela escassez e/ou dificuldades de obtenção de recursos financeiros para a sua intervenção. Por outro lado, a dificuldade de obtenção de recursos humanos especializados, sobretudo na área da saúde mental na pessoa idosa, constituem um outro constrangimento significativo.
Por último, e não menos importante, as carências económicas nas famílias em situação de fragilização social acentuada, apresenta também um nível de significância muito elevado no quadro dos constrangimentos. Deste modo, recursos financeiros, humanos e carências nas famílias constituem uma trilogia de constrangimento da ação das Misericórdias do distrito de Évora.
Limitações e potencialidades da intervenção
Neste ponto elencamos um conjunto de limitações e potencialidades que se colocam na intervenção doas Misericórdias do distrito de Évora. Os dados recolhidos continuam a acentuar a tónica dos constrangimentos financeiros aliás, um constrangimento que assume proporções muito relevantes. No quadro seguinte (quadro 8) podemos constatar que “os apoios financeiros reduzidos” ocupam um lugar bastante distanciado dos outros constrangimentos/limitações (34.61%). Por outro lado a existência de espaços físicos desadequados e edifícios com necessidades de intervenção também surgem, apesar de uma expressão menos, como um conjunto de constrangimentos e limitações que condicionam a intervenção da instituição a curos e médio prazo. Todavia, a “falta de camas em Lar”, a “falta de recursos humanos qualificados” e os “utentes com reformas baixas/famílias com baixos rendimentos” constituem um quadro de constrangimentos de igual “peso” na estratégia de intervenção (7.69%).
Quadro 8: Principais constrangimentos e ou limitações que condicionam a intervenção da instituição a curto e médio prazo
Principais constrangimentos e ou limitações que condicionam a instituição |
Proporção do constrangimento (%) |
Apoios financeiros reduzidos |
34.61 |
Falta de camas em Lar |
7.69 |
Desequilíbrio entre as receitas e as despesas |
3.84 |
Espaços físicos desadequados/edifícios |
11.53 |
Respostas sociais em acordo insuficientes |
3.84 |
Excessiva carga administrativa/burocrática |
3.84 |
Inexistência de espaços físicos para respostas temporárias |
3.84 |
Falta de um Centro Dia/Noite |
3.84 |
Grande dependência financeira da Segurança Social |
3.84 |
Aumento do número de famílias com dificuldades para pagar mensalidades |
3.84 |
Utentes com Reformas baixas/famílias com baixos rendimentos |
7.69 |
Falta de RH qualificados |
7.69 |
Cultura local de parceria insuficiente |
3.84 |
Se a análise anterior nos remete para os constrangimentos/limitações da intervenção, os dados que a seguir se apresentam procuram identificar um conjunto de potencialidades e pontos fortes que as instituições consideram relevantes no quadro da atual intervenção social. Esta análise dos pontos fortes da intervenção acentua a tónica da qualidade dos recursos humanos disponíveis e a qualidade no serviço prestado (24.13%). Por outro lado, há um conjunto de Misericórdias que apresentam como principal ponto forte a “disponibilidade de condições físicas” (17.25%).
Com igual relevância na intervenção a “capacidade técnica e logística disponível”, bem como o “reconhecimento da comunidade pela qualidade da intervenção” constituem-se com um conjunto de pontos fortes/potencialidade que se destacam no contexto da intervenção. O quadro seguinte apresenta todas a potencialidades e pontos fortes identificados.
Quadro 9: Potencialidades/pontos fortes que a instituição tem para fazer face ao atual contexto de intervenção social
Potencialidades/pontos fortes |
Grau de disponibilidade (%) |
Disponibilidade de condições físicas |
17.25 |
Qualidade dos RH disponíveis/serviço prestado |
24.13 |
Capacidade técnica e logística disponível |
10.34 |
Diversificação de atividades socioculturais |
3.4 |
Conhecimento da realidade social local |
6.9 |
Estabilidade financeira da instituição |
3.4 |
Reconhecimento da comunidade pela qualidade da intervenção |
10.34 |
Facilidade de estabelecimento de parcerias informais |
3.4 |
Participação de voluntários |
6.9 |
Disponibilidade de espaços para ouras respostas sociais |
6.9 |
Diversidade das respostas sociais |
3.4 |
Acordos com a Segurança Social |
3.4 |
O quadro que se segue remete-nos para o exercício da enumeração de recursos potenciadores e de melhoria da intervenção. Assim, são apresentados um conjunto de recursos que a existirem numa “melhor” proporção, poderiam funcionar como catalisadores da intervenção. Face aos dados anteriores e consubstanciando a coerência dos dados anteriores deste diagnóstico, a componente “financeiros/económicos” e as “instalações e equipamentos (aquisição e/ou requalificação) ” na proporção de 27,6% são, inequivocamente o principal foco de necessidade de melhoria. Igualmente, os recursos humanos (qualificação/contratação), o reforço dos protocolos/acordos com o Estado e a dinamização da rede local/vontade de cooperar são necessidades que têm igual proporção (10.35%).
Quadro 10: Principais recursos para melhorar a intervenção social da instituição
Recursos mais importantes |
Grau de necessidade |
Humanos (qualificação/contratação) |
10.35 |
Instalações e equipamentos (aquisição e/ou requalificação) |
27.6 |
Financeiros/económicos |
27.6 |
Reforço dos protocolos/acordos com o Estado |
10.35 |
Dinamização da rede local/vontade de cooperar |
10.35 |
Aumentar o número de vagas em Lar |
3.44 |
Bom nível de conhecimento do território de atuação |
3.44 |
Formar grupos sociais mais vulneráveis |
3.44 |
Fundos Comunitários para projetos |
3.44 |
A rede de Misericórdias do distrito de Évora
Esta componente do diagnóstico tem como objetivo identificar a dinâmica do funcionamento da rede de misericórdias do distrito de Évora tendo por base a metodologia de Social Network Analysis (análise de redes sociais).
Esta perspetiva teórica e metodológica enfatiza o estudo das relações entre entidades e objetos de várias naturezas, contribuindo para a compreensão de problemas complexos, tais como a integração da estrutura social (macro) e a ação individual (micro).
As redes sociais são redes de comunicação que envolvem uma linguagem simbólica, limites culturais e relações de poder. As redes sociais surgiram nos últimos anos como um novo padrão organizacional, através da sua arquitetura de relações expressa, ideias políticas e económicas de carácter inovador, com a missão de ajudar a resolver alguns problemas atuais.
Um dos objetivos da análise de redes sociais é o conhecimento de como as propriedades de natureza estrutural da rede influenciam o comportamento, para além das características atributivas dos indivíduos, assentando a análise de redes sociais no estudo das relações entre atores sociais e os padrões e implicações dessas mesmas relações. Trata-se igualmente de uma ferramenta que possibilita realizar um diagnóstico sobre uma determinada situação, quer seja num contexto micro ou macro. Possibilita portanto, lançar novas pistas, novas questões e novas soluções.
A figura seguinte apresenta, através sociograma, a rede das Misericórdias do distrito de Évora a partir dos contactos “pouco regulares”. Apesar da densidade se situar nos 0.608 (60.80%) permite-nos sustentar a tese de que a matriz de interação entre as Misericórdias se sustenta em lógicas “pouco frequentes” de interação pois, como veremos mais adiante neste capítulo, as redes de “interações regulares” assumem níveis de densidades muito inferiores.
Figura 1: Rede de contactos pouco regulares
O grau de centralidade é uma medida que reflete a atividade relacional de um ator, obtendo-se através do cálculo do número de ligações adjacentes para cada ator, isto é, mede o número de conexões diretas de cada ator num grafo. Nos dados de relações recíprocas os atores diferem uns dos outros através do número de conexões. Por sua vez, nos dados de relações orientadas é fundamental identificar a centralidade assente nos graus de entrada e centralidade assente nos graus de saída. Assim, se um ator recebe muitos vínculos denomina-se «proeminente» / «prestígio». Os atores que apresentam um elevado grau de saída são atores que têm enormes capacidades para interagir com uma multiplicidade de outros atores. Aqueles que apresentam uma centralidade de graus alta são designados como atores influentes.
O “outdegree” representa o nível de interação de saída das Misericórdias, isto é, no quadro da rede, quais os atores que mais procuram os contactos com as restante congéneres. O “indegree” significa a centralidade dos contactos de entrada os seja, que é mais procurado na dinâmica da rede. Os dados recolhidos destacam as Misericórdias de Évora e Portel como as mais relevantes no quadro da interação de entre as suas congéneres (são que mais estimulam a procura). No lado aposto da centralidade, a Misericórdia de Reguengos de Monsaraz tem o “indegree” mais elevado, o que quer significar que é a instituição que mais é procurada no quadro da rede. Face à análise do grau de centralidade que se apresenta no quadro seguinte, podemos afirmar que as Misericórdias de Évora, Portel e Reguengos de Monsaraz são os elementos mais centrais na dinâmica da rede.
O grafo seguinte representa a dinâmica de interações sociais entre as Misericórdias do distrito de Évora. Da análise da densidade da rede (0.1967 = 19.6%) confirma a ideia que já referimos anteriormente isto é, o nível de regularidade de interações entre os atores envolvidos na dinâmica é muito reduzido o que, pelos dados apresentados, podemos sustentar que se verifica um individualismo moderado na ação, atendendo ao valor da densidade apresentado, bem como aos indicadores de centralidade e proximidade resultantes da matriz de interações.
Contudo, e tal como é visível na figura seguinte, rede não tem atores isolados (Misericórdias desconectadas) o que, numa lógica integracionista, podemos afirma que os atores, apesar de conectados, apresentam um nível de interação muito residual o qual, pelo que podemos analisar, nos coloca perante mecanismos de cooperação/interação entre as Misericórdias do distrito de Évora muito ténues.
Figura 2: Rede de contactos regulares
Perspetivas de Futuro
Considerando que Misericórdias do distrito de Évora desenvolvem entre si relações que tipificámos anteriormente, importa compreender a natureza e a dimensão da dependência e da influência, considerando a perceção das próprias instituições.
Os resultados obtidos mostram que, em geral, as Misericórdias assumem um grau de dependência entre si pouco relevante. Porém, a dependência perante outros atores, nomeadamente estatais, é, assumidamente, superior e, em alguns casos muito elevada. De facto, o «plano das influências e dependências entre os atores », mostra que o Centro Distrital da Segurança Social de Évora e o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, o conjunto de trabalhadores/colaboradores da própria Misericórdia, a Administração Regional de Saúde do Alentejo e a União das Misericórdias Portuguesas não só são atores muito influentes como são mesmo muito pouco dependentes de quaisquer outros dos atores considerados (setor 2). Por oposição, ou seja, como entidades muito dependentes e pouco influentes (setor 4), temos as misericórdias de Vendas Novas, Porte e Viana do Alentejo. Importa sublinhar que as Misericórdias são, assumidamente, atores muito dependentes das outras entidades públicas e dos seus trabalhadores, e têm muito pouca influência sobre estas (setor 1).
Figura 3: Plano de Influências e Dependências entre atores
Num sistema, a força dos atores não é idêntica. A «relação de força» de cada ator (considerando o máximo das suas influências e das suas dependências diretas e indiretas e da sua retroação – ou seja, supondo-se que um ator pode agir sobre outro, diretamente, ou indiretamente por intermédio de um terceiro). De facto, as entidades mais influentes do sistema e com uma maior capacidade de provocar oscilações no mesmo são, por esta ordem, o Centro Distrital da Segurança Social de Évora e o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, o conjunto de trabalhadores/colaboradores da própria Misericórdia, a União das Misericórdias Portuguesas e os Organismos do Estado em geral.
A natureza dos objetivos estratégicos das Misericórdias para os próximos anos, bem como o grau de convergência dos atores perante eles serão dimensões fundamentais do rumo da ação, individual e coletiva destas instituições. Na procura de conhecer a valorização de objetivos teoricamente considerados pela equipa de investigação como pertinentes ou fundamentais para as organizações, obtiveram-se os dados constantes na matriz de posições valorizadas (matriz 2MAO) (*) . Embora variável (o que se compreende dado que a situação de cada misericórdia é em si mesma única, por considerar-se um sistema de ação concreto, com meios e objetivos próprios e específicos), existe uma posição globalmente favorável face a todos os objetivos apresentados (são meramente pontuais as respostas com sinal negativo, ou seja, que os objetivos que, do ponto de vistas das misericórdias, não são considerados importantes ou são neutros).
Os cinco objetivos mais valorizados, pelo conjunto dos atores, são, por ordem decrescente, os seguintes: Garantir autonomia financeira; Melhorar a qualidade da intervenção; Conceber/Programar novos projetos; Reformular práticas para modernização das respostas sociais; Apostar na formação contínua de RH; e Investir em tecnologias para a melhoria da intervenção.
De notar que “Tentar trabalhar mais em conjunto com as outras Misericórdias do distrito de Évora” é, de entre os apresentados, o objetivo estratégico que regista menor grau de importância (para 22% das entidades o objetivo é neutro). Acresce que, igualmente, estas entidades não assumem com particular entusiasmo o “estabelecimento de novas parcerias com outras entidades da sociedade civil”. Esta situação parece revelar que, em geral, as Misericórdias do distrito de Évora consideradas neste estudo não consideram uma prioridade estratégica implementarem, nos próximos cinco anos, ações de colaboração ativa com as outras instituições congéneres.
É igualmente relevante notar que quatro dos objetivos apresentados não são considerados importantes para algumas (ainda que poucas, Misericórdias). É o caso dos objetivos “reestruturar o funcionamento da Misericórdia” (para uma Misericórdia), “contratar colaboradores qualificados” (para uma misericórdia), “encontrar respostas para novas problemáticas” (para duas misericórdias) e “Criar Valências (mais) lucrativas”.
Estes dados indiciam que, pelo menos no futuro próximo, não é expectável a possibilidade de quebrar a situação de relativo «isolamento» em que vivem as Misericórdias do distrito, pese embora a sua pertença a entidades associativas como a UMP-EV ou a UMP, tal como não se espera uma estratégia generalizada de pró-atividade estratégica orientada para o desenvolvimento da ação por parte destas entidades.
Considerações sobre o futuro
A análise da dinâmica do “jogo de atores” realizada permite refletir sobre as estratégias das Misericórdias do distrito de Évora, pondo em relevo os objetivos mais importantes para os atores e as relações de força (poder) entre eles, bem como as áreas de convergência que potenciam alianças entre as instituições.
Constatamos que os atores mais relevantes e decisivos para o futuro das Misericórdias são entidades públicas/estatais, com capacidade de financiamento da atividade daquelas entidades mediante a contratualização estabelecida, além das instituições coletivas representativas das Misericórdias (UMP e UMP-Évora), a juntar aos próprios trabalhadores das Misericórdias. Efetivamente, o estudo da relação de forças entre os atores mostrou-nos que, sobretudo, o CDSSE e o MSSESS são dois atores que exercem uma influência de tal modo importante que a sua ação pode constituir uma ameaça ao cumprimento da missão das Misericórdias e, em certa medida, a sua própria sobrevivência. Estas duas entidades constituem-se, então, como algumas das principais entidades reguladoras do sistema de ação das misericórdias, como atores «integradores», ou seja, aqueles que, num sistema, encontram-se em “posição de árbitro entre os interesses conflituais dos participantes e que, com a força que lhes dá essa posição, asseguram de facto senão de direito uma parte da regulação, operando os ajustamentos e os equilíbrios entre os atores, sem os quais o sistema estiolaria” (Friedberg, 1993, p. 162).
No sistema, é evidente uma fraca interdependência entre a generalidade das misericórdias e que são de Borba, Redondo, Alcáçovas, Terena e Lavre as misericórdias que registam maior relação de força.
Em todos os sistemas sociais os diversos atores possuem objetivos consensuais e objetivos em torno dos quais de travam conflitos mais ou menos intensos, ou seja, existem objetivos à volta dos quais é possível um grande número de atores convergir e, por conseguinte, ser possível mobilizar e articular vontades em torno deles, e outros objetivos em que os atores divergem, e que, por isso, podem ser foco de tensão ou conflito. No presente caso, verifica-se que não há uma diferença muito relevante entre os atores no que respeita aos objetivos que possuem e que as diferenças existentes situam-se essencialmente a nível da hierarquia das suas prioridades. Segundo a maioria das Misericórdias, o futuro próximo deverá passar por melhorar a qualidade da intervenção através de mecanismos que garantam a autonomia financeira, tais como a conceção/programação de novos projetos, acompanhados de uma reformulação das práticas tendo em vista a modernização das respostas sociais, da aposta na formação contínua dos recursos humanos e do investimento em tecnologias que potenciem a melhoria da intervenção das Misericórdias.
A componente financeira surge como fator estruturante do futuro das Misericórdias. Estando muito dependentes de outras entidades no que respeita aos meios de ação (já que para cumprirem os objetivos, a generalidade dos atores detém essencialmente meios materiais e meios humanos, faltando-lhes, globalmente, meios financeiros, designadamente capitais necessários à implementação dos seus projetos), a cooperação entre as misericórdias não surge como um dos objetivos mais significativos para as direções destas entidades.
Porém, o facto de haver grande proximidade a nível dos objetivos por parte das misericórdias é, como se disse, um fator potenciador de consensos mobilizadores e da cooperação interorganizacional.
A análise empreendida permite ainda destacar a existência de assinaláveis níveis de convergência dos atores face aos objetivos e pôr em destaque os pares de atores em que essa convergência é maior. É o caso da convergência de objetivos existente as Misericórdias de Évora e de Reguengos de Monsaraz, entre esta e a de Portel e entre esta e a sua congénere de Évora. Esta situação revela potencialidades para uma ação concertada em torno de objetivos comuns, ainda que, globalmente, o futuro sistema de ação das misericórdias do distrito de Évora se possa caracterizar como um campo de cooperação estratégica moderada entre a generalidade dos atores.
Atendendo às enormes limitações de meios de ação com que, em geral, estas misericórdias se confrontam, importaria desencadear com a maior brevidade reflexões entre os atores por for a potenciarem-se parcerias colaborativas. Na verdade, a variedade e a heterogeneidade de atores e projetos “fazem aumentar os fluxos e as interações, multiplicando as necessidades de negociação e de procura de compromissos” (Guerra, 2006, p. 26) com dinâmicas muito próprias.
Estamos, por conseguinte, perante um sistema em que as regulações estão clara e suficientemente evidenciadas, sendo claro que o sistema é muito estável – ou seja, as dependências das misericórdias perante entidades públicas são generalizadas e, no futuro próximo (5 anos), não parece haver uma vontade estratégia transversal, generalizada, de colaboração/parceria, leia-se, de ação conjunta, coletiva, por parte das misericórdias, a fim de alterarem esta situação típica do “orgulhosamente sós”. Tal verifica-se apesar dessa ação coletiva estar bastante facilitada. Na verdade, a proximidade registada entre pares e grupos de atores em torno dos mesmos objetivos permite-nos equacionar que há um campo potencial para uma ação de coordenação e (re)ajustamento cooperativo dos atores no quadro de uma estratégia que, mais do que individual, possa ser coletiva. Há, pois, um espaço para a concretização de formas de gestão participada e colaborativa, em determinadas áreas que este estudo evidencia, que potenciam a legitimação da ação pública das misericórdias.
Em síntese e considerando a análise estratégica de atores empreendida, são duas as principais caraterísticas que definem a especificidade deste sistema de ação:
1) As Misericórdias, em geral, estão muito mais dependentes de instituições do estado, dos seus próprios trabalhadores e das estruturas representativas das misericórdias (regional e nacional) do que da ação das outras congéneres do que das restantes congéneres. Efetivamente, as Misericórdias sentem-se sobretudo dependentes de entidades como o Centro Distrital da Segurança Social de Évora, o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, a União das Misericórdias Portuguesas – UMP; organismos do Estado em geral, a Administração Regional de Saúde do Alentejo, o Secretariado Regional do Distrito de Évora da UMP e da CCDR Alentejo.
2) Entre as Misericórdias, existem níveis de convergência assinaláveis em termos de objetivos de ação. Esta situação é potencialmente geradora de consensos que mobilizem os atores para formas de cooperação estratégica coletiva. Porém, parece não haver, da parte das Misericórdias, uma vontade forte para desencadear relações de parceria, i. é., um trabalho “em rede” entre instituições com missões comuns, orientada para a promoção do bem-estar das populações, e cujos objetivos estratégicos poderiam potenciar trabalho coletivo tendente a ultrapassar obstáculos e dificuldades comuns.
Considerações finais sobre o diagnóstico
A intervenção centra-se fundamentalmente nas respostas clássicas direcionadas para a pessoa idosa (Lar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário) e para as crianças (Creche e Jardim-de-infância).
As medidas de apoio alimentar (cantinas e distribuição alimentar) ocupam uma expressão muito grande no cômputo geral da intervenção das Misericórdias. Contudo, importa referir que a resposta social de Lar de idosos e a distribuição alimentar são os dois principais focos de ação.
As atividades de culto religioso e as romarias estão bem presentes na intervenção junto da comunidade, atividades estas que sustentam e mantêm intacta a função religiosa das Misericórdias.
A redução das transferências sociais do Estado fica bem evidente ao longo de todo o diagnóstico que tem vindo a constranger a atividade das Misericórdias em geral e, em particular, algumas delas estão numa situação financeira delicada. Todavia, não dispomos de dados que nos permitam avaliar sustentadamente a questão financeira. Apenas fica o alerta sobre esta dificuldade registada.
Há uma dependência significativa das transferências sociais do Estado, situação que impõe um “reinventar” de novas formas de financiamento alternativo.
Para além das respostas decorrentes dos problemas sociais clássicos, resultantes das situações de envelhecimento, há porém um problema social significativo inerente às situações familiares frágeis, resultantes do contexto e, pelo que podemos inferir, geram uma procura muito significativa ao nível do apoio alimentar. As famílias em dificuldades económicas são um problema social resultante do contexto socioeconómico. Igualmente, os problemas sociais inerentes a demências constituem uma outra linha de preocupação.
Por outro lado, os idosos sem apoio familiar, em situação de carência económica e em situação de isolamento geográfico constituem-se como uma outra panóplia de problemas sociais associados ao envelhecimento demográfico de território.
O “desemprego” jovem é outro dos problemas sociais identificados no diagnóstico.
No quadro da identificação de constrangimento da ação os “recursos financeiros” são o principal sinal de preocupação apresentado, seguido dos recursos humanos e das carências nas famílias. No quadro das potencialidades, a qualidade dos recursos humanos disponíveis e a qualidade dos recursos humanos são o principal ponto forte identificado.
Para melhorar a intervenção das Misericórdias as Instalações e equipamentos (aquisição e/ou requalificação) e os recursos financeiros/económicos ocupam o lugar central das preocupações.
A rede de interações da Misericórdias é pouco densa o que pressupõe um quadro de um individualismo da ação.