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Contexto da prática profissional
A sociedade atual é fortemente marcada quer pela Ciência e a Tecnologia que são omnipresentes no nosso dia-a-dia quer por problemas de foro ambiental.
Estes fatos obrigam que o ensino das ciências, além de promover a construção do conhecimento científico, desenvolva, no aluno, competências, capacidades e pensamento crítico que lhes permita lidar com as questões resultantes das complexas interações entre as ciências, a tecnologia e a sociedade (Tenreiro, 2014).
Nesta visão, as atividades de aprendizagem tem que ser promotoras de literacia científica, entendendo-se aqui a literacia científica como “a capacidade de usar o conhecimento científico, de identificar questões e de desenhar conclusões baseadas na evidência por forma a compreender e a ajudar à tomada de decisões sobre o mundo natural e das alterações nelas causadas pela actividade humana.” (OCDE, 2003, p. 133).
O movimento Ciência, Tecnologia, Sociedade, Ambiente (CTSA) apresenta-se como uma abordagem, adequada a este novo desafio da aprendizagem das ciências já que, segundo Rios e Solbes (2007), possibilita uma abordagem multidimensional dos diversos fatores que intervêm na solução dos problemas científicos e tecnológicos, e de acordo com Cachapuz, Jorge e Praia, (2000), é uma orientação de ensino que tem como objetivo primordial a compreensão da ciência, da tecnologia e do ambiente, das relações entre umas e outras e das suas implicações na sociedade.
Para Cachapuz et al. (2000) o ensino orientado na corrente CTSA, valoriza os contextos reais da vida dos alunos e a aprendizagem dos conceitos científicos, partindo de situações problemáticas, o que segundo o mesmo autor, vai permitir aprendizagem com maior significado para o aluno, já que o conhecimento adquirido na escola tem utilidade no quotidiano, na resolução dos problemas individuais e sociais.
A abordagem CTSA permite alcançar esta meta de aprendizagem: formar cidadão mais letrados cientificamente, mais intervenientes na sociedade, e que tomem decisões conscientes e fundamentadas, mais capacitados em competências, nas áreas das tecnologias da informação, que lhes permitam enfrentar os desafios que o progresso tecnológico impõe. Segundo Martins (2002, p. 37) é “importante ensinar a saber enfrentar a evolução do conhecimento científico e tecnológico, em vez de ensinar apenas aquilo que já é conhecido. (…) ensinar a resolver problemas, a confrontar pontos de vista, a analisar criticamente argumentos, a discutir os limites de validade de conclusões alcançadas, a saber formular novas questões”.
Esta perspetiva de abordagem do ensino das ciências é preconizada por Programas e Orientações Curriculares do Ensino Básico, nomeadamente, no ensino de Ciências da Natureza do 2º ciclo do Ensino Básico e no programa de Estudo do Meio no 1º Ciclo.
Um dos problemas sociais que envolvem a necessidade de um olhar crítico e de uma cidadania participativa, que importa abordar nas aulas é a problemática da sustentabilidade dos recursos naturais. Num planeta com recursos naturais finitos é premente a necessidade de os preservar. O “desenvolvimento sustentável não é algo estático, é antes um processo de busca de um desenvolvimento da nossa vida quotidiana e das comunidades, em sentidos que beneficiem o máximo de pessoas, agora e no futuro, e que ao mesmo tempo minimizem o nosso impacto negativo no ambiente” (Breiting, Mayer, & Mogensen, 2006, p. 16).
Assim, a escola assume um papel fundamental para a compreensão destes problemas, promovendo o desenvolvimento de cidadãos “activos, criativos e críticos, capazes de resolver os problemas e os conflitos com espírito de cooperação e capazes de associar os conhecimentos teóricos a inovações e ideias práticas” (Breiting et al, 2006, p. 16) mais conscientes dos impactos das suas ações e que façam opções mais responsáveis e consonantes com a sustentabilidade do planeta.
Para alcançar tais propósitos Martins, Veiga, Teixeira, Tenreiro, Vieira e Rodrigues (2009) defendem, que a educação orientada para a promoção da literacia científica se deve iniciar nos primeiros anos de escolaridade onde as crianças estão predispostas para as aprendizagens das ciências, área promotora da literacia científica.
Ora, de acordo com a célebre frase de Dobzhansky (1973, referido em Sá-Pinto, Ponce, Fonseca, Oliveira, & Campos, 2014) “Nada em Biologia faz sentido exceto à luz da Evolução”. De facto, segundo Sá-Pinto et. al. (2014) a evolução biológica tem enormes implicações no nosso dia a dia e no bem estar da sociedade. Por exemplo “Na conservação da natureza, a compreensão da evolução biológica é (…) fundamental para desenhar planos de conservação e recuperação de espécies e ecossistemas…” (Sá-Pinto et. al. 2014, p 1), sendo a compreensão dos processos evolutivos fundamental para perceber e prever o meio que nos rodeia e desta forma fazer escolhas informada e exercer uma cidadania participativa.
Apesar da sua importância para a compreensão da ciência e do meio que nos rodeia, os processos evolutivos continuam a ser desconhecidos e mal compreendidos, levando a muitas conceções erróneas (revisto em Sá-Pinto et. al. 2014) que dificultam o ensino e a aprendizagem. Aqui reside a importância da sua abordagem desde os primeiros anos de ensino básico
Urge por isso desenvolver e testar abordagens, materiais curriculares, atividades de aprendizagens e estratégias de ensino que explorem os problemas sociais de uma perspetiva evolutiva, potenciando o desenvolvimento da literacia científica, orientada numa perspetiva de CTSA e promotora de desenvolvimento sustentável.
A presente comunicação apresenta as linhas gerais do trabalho desenvolvido durante o projeto de mestrado em Didática da Matemática das Ciências da Natureza. As situações de aprendizagem propostas seguiram uma orientação “Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente” (CTSA) do Ensino das Ciências com a finalidade de promover a literacia científica, e comportamentos compatíveis com modelos sustentáveis de desenvolvimento, assim como trazer para a sala de aula práticas educativas que motivem e desenvolvam o espírito crítico e curiosidade por parte dos alunos.
A prática profissional foi aplicada em alunos do 3º ano e 5º ano de escolaridade e teve como objetivos gerais:
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Verificar se as crianças são capazes de compreender e aplicar os princípios da evolução das espécies;
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Verificar se a abordagem das quotas de pesca são um bom contexto para desenvolver nos alunos noções sustentáveis de recursos naturais.
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Refletir sobre os desafios profissionais que emergem de uma abordagem C.T.S.A que explore a evolução das espécies.
As situações de aprendizagem enquadram-se nas orientações e objetivos da disciplina de Estudo do Meio do 1º ciclo de ensino básico e nas metas curriculares da disciplina de ciências naturais do 2º ciclo do ensino básico.
Para tal foi desenvolvida uma sequência didática, aplicada e testada a alunos do terceiro e quinto ano de escolaridade (ver tabela 1).
2. Relato da prática profissional
A prática profissional foi desenvolvida ao longo de 6 sessões (ver tabela 2). A primeira e a última, com duração de 30 min, foram destinadas à recolha de dados através de inquérito por questionário de pré-teste e pós-teste, respetivamente, que tinha como objetivo avaliar as mudanças conceptuais, que ocorreram após a intervenção pedagógica.
Os questionários pré-teste e pós-teste eram iguais (figura 1). Quer numa sessão quer noutra, os questionários foram distribuídos aos alunos e lidos pela professora antes de estes iniciarem o seu preenchimento no sentido do esclarecimento de dúvidas.
As quatro sessões intermédias, de 50-60 min cada, foram destinadas ao desenvolvimento das atividades práticas. A primeira intervenção pedagógica (sessão 2 – tabela 2) assumiu-se como uma sessão de iniciação e motivação para o tema. Foi visionado um vídeo (Figura 2), construído a partir de excertos de notícias saídas nos noticiários de 3 estações de televisão, e alvo de reflexão. A problemática da sustentabilidade das pescas e dos recursos naturais foi debatida durante esta sessão, tendo-se discutido fatores que podem afetar o tamanho de populações de peixes e medidas de exploração sustentável tais como: quotas de pesca, períodos de restrição de pesca, predação, competição, disponibilidade de alimento e alterações climáticas. A reflexão sobre o tema teve como base um guião de questões pré construídas (figura 2) e fluiu a partir das reflexões dos alunos.
Na segunda intervenção pedagógica (sessão3 e 4 – tabela 2; anexo 1) explorou-se a atividade prática intitulada “A Pescaria”, modificada a partir de atividades “Vamos pescar?” (Ciimar na escola) e “de mais, depressa de mais” (VanCleave, 1997), e utilizou-se um modelo didático de pescas de forma a facilitar a ponte entre o teórico e o empírico. Com esta atividade, pretendia-se que os alunos, ao analisarem os dados obtidos:
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Concluíssem acerca do impacto que a pesca produz na diversidade das espécies e as suas consequências na sobrevivência das mesmas a longo prazo;
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Reconhecessem os fatores que podem influenciar a sobrevivência dos indivíduos e o tamanho das populações naturais tais como: predação (incluindo a pesca), competição, parasitismo, doenças, alterações do meio, abundância de alimento, taxa de reprodução das espécies no número de indivíduos de uma população;
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Apresentassem, com justificação, e partindo do modelo explorado, e das conclusões retiradas, uma quota de pesca sustentável e rentável a longo prazo.
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Extrapolassem para populações reais.
A atividade consistia em pescar, com diferentes intensidades, reproduzir os peixes sobreviventes e observar a variação do tamanho da população de peixes ao longo das várias gerações e retirar conclusões (anexo 1).
A segunda intervenção pedagógica (sessão 5 – tabela 2; anexo 2) teve como principal objetivo explorar o processo evolutivo da seleção natural, numa abordagem de CTSA. Partiu-se de uma situação real (a pressão seletiva exercida pela pesca intensiva no tamanho do Gadus morhua) e utilizou-se um modelo didático das pescas de forma a facilitar a ponte entre o teórico e o empírico. Com esta atividade, pretendia-se que os alunos, ao analisarem os dados obtidos:
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Verificassem que a pesca seletiva provoca alteração da frequência das características da população ao longo das gerações.
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Reconhecessem que os indivíduos que têm características que lhes permitem sobreviver mais deixam mais descendentes com essa mesma característica que se vai tornando assim mais frequente ao longo das gerações – seleção natural.
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Discutissem os impactos e consequências que a evolução, provocada pelo homem, tem nas atividades económicas, na diminuição da biodiversidade intra-específica e no equilíbrio dos ecossistemas naturais.
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Refletissem e apresentassem soluções para o problema.
A atividade consistiu em pescar numa população com dois tamanhos de peixes diferentes (um tamanho maior, que ficava retido na malha e o outro tamanho mais pequeno que passava a malha com facilidade), e reproduzir os peixes sobreviventes, observando a variação da população de peixes ao longo das várias gerações e retirando conclusões (anexo 2)
3. Discussão e avaliação da implementação da prática profissional
Da reflexão da implementação da prática profissional, consideramos que o processo de desenvolvimento, implementação e avaliação desta sequência didática teve um impacto positivo no desempenho profissional da docente e na mudança conceptual nos alunos.
Relativamente ao desempenho profissional da docente o desenvolvimento e implementação desta atividade permitiu:
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desenvolver competências e capacidades necessárias para implementar uma atividade de cariz investigativo e de projeto e adquirir uma maior perceção de como estruturar melhor as atividades.
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reconhecer a importância da interdisciplinaridade e desenvolver estratégias para fazer a ponte de ligação entre várias disciplinas, como o caso das ciências e da matemática, tornando, esta ultima, de cariz mais abstrato, mais concreta, motivando a aprendizagem.
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desenvolver competências para implementar atividades orientadas na perspetiva de CTSA e refletir sobre a importância de trazer, para a sala de aula, temas atuais, pertinentes, discutidos nos meios de comunicação e por conseguinte no seio familiar, com impactos na sociedade e no ambiente.
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desenvolver temas curriculares, propostos nos programas e nas metas, de uma forma inovadora e motivadora para os alunos e atingir os objetivos curriculares propostos desenvolvendo simultaneamente competências procedimentais e atitudinais.
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compreender a importância de ensinar ciências de uma perspetiva evolutiva, reconhecendo que este tema pode ser trabalhado em idades mais precoces (lembrar que é iniciada a sua abordagem no 8º ano e o processo de seleção natural apenas explicitamente abordado no 11º ano), sem um formalismo conceptual, relacionando-o com observações do dia-a-dia e mostrando a sua importância para promoção de desenvolvimento sustentável.
No que diz respeito a mudança conceptual dos alunos, a avaliação comparativa entre o pré-teste e o pós-teste revelou que a prática profissional contribuiu:
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positivamente para a promoção da literacia científica dos alunos, uma vez que, um número significativo dos alunos foi capaz de mobilizar aprendizagens e extrapolar para contextos distintos do explorado nas aulas, sugerindo várias medidas de boas práticas de gestão dos recursos naturais;
- para o desenvolvimento do espírito crítico perante assuntos da atualidade, de forma a tornarem-se cientificamente mais literatos e intervirem de forma responsável e consciente na tomada de decisões, já que se verificou-se um aumento da seleção de medidas gestão racional de recursos do pré para o pós-teste;
- para promover a capacidade de resolução de problemas e de tomada de decisões, uma vez que os testes (pré e pós) utilizados na avaliação consistiam em duas situações problemáticas a que o aluno tinha que dar solução. Entre o pré e pós teste verificou-se, no geral, uma melhoria na forma como foram abordadas e respondidas as situações problemática propostas;
- Para adquirir alguns hábitos de método científico (descobrir coisas através da investigação; testar ideias; aplicar ideias de uma situação para resolver problemas noutras situações; encontrar uma solução prática para um problema; comunicar ideias e descobertas), como foi percetível ao longo da intervenção pedagógica;
- para a compreensão dos processos evolutivos, já que os alunos conseguiram, com sucesso, aplicá-los para prever novas situações.
Achamos, no entanto, que esta sequência didática poderá aumentar o seu potencial educativo se for transformada numa prática de aprendizagem por projeto, permitindo desta forma trabalhar algumas das competências do século XXI (Partnership for 21st century skills, 2015) como pensamento criativo e crítico, resolução de problemas e empreendedorismo, capacidade de trabalho em equipa e de liderança, capacidade de identificar e avaliar fontes de informação. Esta abordagem permitiria ainda trabalhar e desenvolver a literacia científica, tecnológica e de comunicação, explorando a temática da tecnologia da abordagem CTSA, que foi pouco desenvolvida na sequência didática aqui descrita. Esta alteração permitiria ainda explorar por exemplo os impactos dos desenvolvimentos tecnológicos na eficiência de pesca e no equilíbrio das populações naturais, tema que permite fomentar discussões e debates interessantes sobre as potencialidades e impactos dos desenvolvimentos tecnológicos.
Anexos
Agradecimentos
Os autores deste trabalho gostariam de agradecer aos alunos e docentes envolvidos no desenvolvimento e avaliação das atividades aqui descritas. Xana Sá-Pinto é suportada pelo Programa Operacional Capital Humano, Portugal 2020, Fundo Social Europeu e Fundos Nacionais FCT/MEC (PIDDAC), através da bolsa de investigação SFRH/BPD/103613/2014. Este trabalho foi ainda suportado por fundos nacionais da FCT, através do projeto UID/CED/00194/2013.