Sensos-e Vol: I Num: 2  ISSN 2183-1432
URL: http://sensos-e.ese.ipp.pt/?p=6717

Sexualities and diversity in contemporary society

Author: Ana Bertão Afiliation: Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto
Author: Maria João Silva Afiliation: Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto
Author: Ana Castro Afiliation: Estudante do Mestrado em Educação e Intervenção Social da ESE-IPP
Author: Carla Lima Afiliation: Estudante do Mestrado em Educação e Intervenção Social da ESE-IPP
Author: Tânia Duarte Afiliation: Estudante do Mestrado em Educação e Intervenção Social da ESE-IPP

Abstract: This paper aims at disseminating an educational experience in higher education reflecting upon the topics of sexuality, identity, space and diversity; and promoting the identification and construction of inclusive spaces.
The article integrates a set of talks of the Scientific Meeting "Sexualities and Diversity in Contemporary Society". This meeting took place on June 7th, 2014, at the School of Education of the Polytechnic of Porto, and was organized by students of the 1st year of the Master on Social Education and Intervention. The idea of this meeting arose within the course Community and Mental Health and gathered practitioners and researchers on sexuality and well-being that shared knowledge and experiences. The aim was to deepen the knowledge about sexuality, to reflect upon the various forms of sexual expression, to discuss and debate with researchers and the public.
The meeting offered ideas on transforming everyday and intervention places to create more inclusive spaces and promote wellbeing. The goal is to create spaces where all citizens, regardless of their choices, characteristics and ages, may live their sexuality without prejudice, freely and in a consistent way.

Keywords: sexuality, identity, diversity, inclusion, education

Sexualities and diversity in contemporary society

Author: Ana Bertão Afiliation: Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto
Author: Maria João Silva Afiliation: Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico do Porto
Author: Ana Castro Afiliation: Estudante do Mestrado em Educação e Intervenção Social da ESE-IPP
Author: Carla Lima Afiliation: Estudante do Mestrado em Educação e Intervenção Social da ESE-IPP
Author: Tânia Duarte Afiliation: Estudante do Mestrado em Educação e Intervenção Social da ESE-IPP

Introdução

Com este artigo pretende-se refletir acerca das temáticas da sexualidade, identidade, espaço e diversidade; disseminar uma experiência educativa, no âmbito do ensino superior, e promover a identificação e construção de espaços inclusivos.

O Encontro Científico “Sexualidades e Diversidade na Sociedade Contemporânea”, que decorreu no dia sete de junho de 2014, no Auditório da Escola Superior de Educação (ESE) do Instituto Politécnico do Porto (IPP), aconteceu a partir de um desafio lançado aos estudantes do Mestrado em Educação e Intervenção Social (MEIS), da especialização em Ação Psicossocial em Contextos de Risco, durante uma aula da unidade curricular de Saúde Mental e Comunitária (SMC). As questões da sexualidade, identidade e género são abordadas especificamente nesta unidade curricular, a partir de diversos autores, mas sobretudo no sentido de se refletirem as questões identitárias de forma contextualizada. A construção de uma sociedade que promova a realização e o bem-estar de todas as pessoas, independentemente das suas origens sociais, culturais, étnicas, e das suas características, é a grande missão da Educação e Intervenção Social, e, neste sentido, importa desconstruir estereótipos, preconceitos e representações negativas que, impedindo os sujeitos de serem felizes, são obstáculos à sua saúde mental.

Nas primeiras aulas da disciplina de SMC, no ano letivo 2013-14, trabalharam-se as questões do desenvolvimento e da sexualidade, as diferentes organizações de personalidade e as questões identitárias associadas; analisaram-se as mudanças conceptuais ao nível do que é considerado doença e saúde no que diz respeito ao comportamento e atitudes dos indivíduos; foram considerados os fatores políticos, económicos, culturais e sociais no diagnóstico e as alterações sucessivas no campo da psicopatologia no grande grupo dos comportamentos sexuais, decorrentes do conhecimento científico e dos movimentos sociais de determinados grupos, e que tiveram como resultado a exclusão da homossexualidade (APA, 1987)e, mais recentemente, da transexualidade das doenças mentais, desaparecendo o grupo dos transtornos da identidade de género na última revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, DSM-5 (APA, 2013), da Associação Americana de Psiquiatria. Numa aula, os estudantes tiveram a iniciativa de alargar a discussão acerca das diferentes vivências da sexualidade, as reflexões sobre os espaços e contextos, a perceção das necessidades e vontades de todos os sujeitos, independentemente da idade, identidade de género, características físicas e psicológicas, ou orientação sexual, a outros estudantes e profissionais. Foi neste espirito que Sexualidades e Diversidades surgiu como tema para um encontro científico que reunisse diversos investigadores, profissionais e estudantes. O aprofundamento dosconhecimentos sobre a sexualidade, a reflexão acerca das suas diferentes formas de expressão, a discussão e debate entre investigadores da área e o público em geral foram os grandes objetivos. Uma notícia desta iniciativa pode ser consultada na Newsletter do IPP, de Julho de 2014,em https://www.ipp.pt/fileserver/newsletters/JUL2014/index.htm

Quanto à estrutura deste artigo, após a introdução, apresenta-se um breve enquadramento teórico que serve de via de entrada para os temas apresentados no encontro e que são organizados seguindo os discursos dos oradores, gravados durante o evento. No final, ficam umas breves notas acerca das questões da sexualidade, dos espaços e dos projetos no ensino superior.

EnquadramentoTeórico

A sexualidade é uma fonte de energia determinante no desenvolvimento dos sujeitos, marcando o modo como se auto-realizam, pessoal e socialmente. É um tema importante na abordagem da saúde física e mental, pois o modo como é vivida e se integra nas outras componentes da personalidade influencia a relação que o sujeito estabelece consigo e com os outros, o modo como se representa e vive as relações, o modo como pensa, sente e age. A vivência da sexualidade é individual e vai-se alterando ao longo da vida, tendo formas e modalidades diferentes em função da idade, das experiências de cada um e das condicionantes dos contextos (marcados socioculturalmente, em função da época histórica, política e económica). A sexualidade surge, também, como comunicação e relação (Fonseca, Soares & Vaz 2003; Matos, 2008; Moita & Milice, 2010).

Na sociedade atual, mais liberta de um pudor castrador, cada sujeito deveria sentir-se livre para assumir a sua identidade, as suas escolhas, as suas opiniões. Contudo, não poucas vezes, a diversidade sexual tropeça, ainda, nesta sociedade contemporânea, no preconceito e estereótipos que, incitando crenças e dúvidas, levam à opressão. Na base está frequentemente o desconhecimento, o medo do novo e do diferente, e a ignorância.

Atualmente, a sexualidade é um campo de confluência de diversas investigações de várias áreas científicas, remontando ao final do século XIX os primeiros estudos científicos sobre a mesma, ainda muito influenciados pelos códigos morais dominantes(Fonseca, Soares &Vaz, 2003). Deve-se a Sigmund Freud, nesta época, a ampliação da visão da sexualidade, concebendo-a em terreno psíquico e transformando a libido na grande fonte energética do sujeito, provocando “uma verdadeira rutura teórica (ou epistemológica) com a sexologia, estendendo a noção de sexualidade a uma disposição psíquica universal e extirpando-a do seu fundamento biológico, anatómico e genital, para fazer dela a própria essência da atividade humana.” (Roudinesco&Plon, 2000, p. 693).

No final do século passado, o conceito de sexualidade passa a incluir o prazer, os afetos, o erotismo e a intimidade, implicando escolhas e decisões individuais e sendo experienciada de forma diferenciada (Fonseca, Soares &Vaz, 2003).Em 2002, a Organização Mundial de Saúde apresentou uma definição de sexualidade que realça a abrangência do termo e os múltiplos fatores que influenciam a sua expressão:

 …a central aspect of being human throughout life encompasses sex, gender identities and roles, sexual orientation, eroticism, pleasure, intimacy and reproduction. Sexuality is experienced and expressed in thoughts, fantasies, desires, beliefs, attitudes, values, behaviours, practices, roles and relationships. While sexuality can include all of these dimensions, not all of them are always experienced or expressed. Sexuality is influenced by the interaction of biological, psychological, social, economic, political, cultural, legal, historical, religious and spiritual factors. (WHO, 2002).

 A sexualidade pré-conjugal, o uso de métodos contracetivos, a crescente visibilidade das sexualidades não heterossexuais, os valores e atitudes acerca da sexualidade são exemplos de como a sexualidade deixou de estar apenas ligada à função reprodutora, tendo sido alteradas as relações de género, bem como o papel atribuído até então ao casamento e à sexualidade (Ferreira & Cabral, 2010). Importa realçar que ocomportamento sexual está dependente de variáveis como género, idade, representações e atitudes face à sexualidade (Ferreira & Cabral, 2010).

As mudanças no campo sexual estão associadas às mudanças sociais, que em particular afetaram as mulheres e as minorias, nas últimas décadas. Deste modo, o acesso à informação, a educação, o apoio social e emocional, o grau de conservadorismo ou de permissividade numa determinada cultura, a família e os pares influenciam a vivência, organização e expressão da sexualidade, podendo restringir ou ampliar a experiência sexual.

Importa ainda equacionar os aspetos educativos no que se refere à sexualidade. A discussão e reflexão acerca deste tema permite aos profissionais de Saúde e de Educação promover o bem-estar físico e emocional de cada sujeito, através da conceção e utilização de estratégias e de instrumentos que permitam uma vivência satisfatória, responsável e consciente da sexualidade. Estas estratégias terão efeito se permitirem a mudança de representações, de crenças, de atitudes e, por conseguinte, de comportamentos, desconstruindo preconceitos “através de um redimensionamento das formas de expressão da sexualidade, com a adoção de uma abordagem mais realista, solidária e criativa” (Fonseca, Soares & Vaz, 2003, p. 495), o que pode beneficiar todos os sujeitos, e em especial, os que por diversos motivos se encontram em desigualdade social.

 Eduarda Ferreira – Espaço, sexualidade e género

A conferência inicial foi da responsabilidade de Eduarda Ferreira, tendo como título “Espaço, sexualidade e género”. A apresentação multimédia utilizada pode ser consultada em http://prezi.com/3itu6ptdr4dj/espaco-sexualidade-e-genero/?utm_campaign=share&utm_medium=copy. A referida conferência centrou-se na relação entre espaço e identidades sociais, realçando, mais especificamente, que as identidades sexuais dependem dos espaços em que se produzem e reproduzem e que as identidades produzem, por sua vez, espaços materiais, simbólicos e metafóricos. Como exemplos desta relação mútua de constituição e reprodução, foram referidas as zonas conhecidas como LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros) friendly, a identificação como LGBT das pessoas que frequentam as referidas zonas e o assumir da orientação sexual apenas em alguns espaços.

Porque a legislação enquadra a vida nos espaços quotidianos, Eduarda Ferreira destacou alguns marcos legislativos em Portugal, como a descriminalização da homossexualidade em 1982, a união de facto (2001) e o casamento entre pessoas do mesmo sexo(2010), a inclusão explícita de questões relacionadas com a orientação sexual na Lei da Educação Sexual em Meio Escolar (2009) e a lei da identidade de género (2011). Foi salientado que, embora o percurso legislativo em Portugal tenha sido até hoje no sentido da igualdade e do respeito pela diversidade, é sempre possível que se venham a verificar retrocessos.

Foi, então, destacado que apesar de Portugal, enquanto membro da União Europeia, pertencer a uma das zonas do mundo onde existe maior proteção legal para pessoas LGBT, ainda existe um clima dominante de discriminação social, nas práticas do dia-a-dia e na forma como as pessoas interagem umas com as outras.

Eduarda Ferreira relatou resultados do seu projeto de investigação(Ferreira, 2014) sobre a discriminação das expressões públicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, realizado com base num inquérito online, entre março e junho de 2010.A investigadora salientou dois resultados deste inquérito, nomeadamente:

  • A grande maioria dos inquiridos afirma não ter ‘nunca’ ou ‘quase nunca’ expressões de afeto com pessoas do mesmo sexo em espaços públicos;

  • Não se verificaram diferenças significativas nas respostas das pessoas com menos de 30 anos, ou seja, as pessoas que viveram a adolescência a partir dos anos 90, em que se começou a registar mudanças positivas relativamente aos direitos LGBT, não se sentem mais à vontade no que se refere às expressões públicas de afeto.

As/os respondentes ao referido inquérito escreveram alguns comentários que permitiram identificar o medo de ser discriminada/o como a justificação mais frequente para a (quase) ausência de expressões públicas de afeto.

Um outro conjunto de comentários – realçado por Eduarda Ferreira como sinal de homofobia internalizada – justifica a inibição à expressão pública de afetos por não querer chocar as outras pessoas, principalmente crianças e pessoas de mais idade (áudio 1).

Áudio 1 – Excerto da conferência de Eduarda Ferreira sobre homofobia internalizada 

Os locais perto da área de residência ou do local de trabalho foram identificados no inquérito como aqueles em que as pessoas LGBT se sentem menos à vontade no seu dia-a-dia, considerando que não querem ser identificadas como homossexuais por pessoas do seu quotidiano, evitando ter de lidar todos os dias com possíveis reações negativas. A investigadora explicou que se trata, na verdade, da imagem que cada um/a quer passar de si próprio/a, de como quer que os outros o/a vejam.

Sobre a inclusividade dos espaços LGBT, Hélder Rebelo referiu, nos seus comentários finais à presente conferência, que por vezes espaços inclusivos se tornam eles próprios guetos, tendo Eduarda Ferreira concordado e explicado que, também por essa razão, a sua investigação visa tornar todos os espaços inclusivos (áudio 2).

 Áudio 2 – Excerto da resposta de Eduarda Ferreira à pergunta sobre a inclusividade dos espaços LGBT 

Como salientou Eduarda Ferreira, referindo Foucault, o sentimento de insegurança e o olhar dos outros estão presentes e ligados em muitos comentários das/os respondentes ao inquérito, limitando a qualidade de vida das pessoas. Neste contexto, importa mencionar que Hélder Rebelo, na sua qualidade de comentador, questionou a conferencista sobre o impacto da discriminação das expressões públicas nas relações amorosas em casais homossexuais, referindo a diversidade das geografias familiares no que se refere às manifestações públicas de afetos (áudio 3 e áudio 4).

 Áudio 3 – Excerto do comentário de Hélder Rebelo sobre o impacto da discriminação das expressões públicas nas relações amorosas em casais homossexuais 

 

Áudio 4 – Excerto da resposta de Eduarda Ferreira à pergunta sobre o impacto da discriminação das expressões públicas nas relações amorosas em casais homossexuais 

Sistematizando, a conferencista referiu que a invisibilidade das sexualidades LGBT é ao mesmo tempo uma consequência e uma causa de desigualdades (Ferreira, 2014): por um lado, os espaços públicos são organizados em função de códigos implícitos de comportamento heteronormativos, limitando as demonstrações públicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo, enquanto, por outro lado, a invisibilidade das referidas demonstrações reforça a heteronormatividade dos espaços públicos e a discriminação.

Para que não sejam as próprias pessoas discriminadas a ter de romper este ciclo de invisibilidade, com custos pessoais e sociais, Eduarda Ferreira defende que as políticas de igualdade devem promover a visibilidade da diversidade das sexualidades, nomeadamente através da inclusão da diversidade de orientações sexuais no currículo escolar, nos documentos oficiais e no atendimento nos serviços públicos.

Milice Ribeiro dos Santos – Sexualidade e Velhice: Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele

A abertura da mesa redonda “Sexualidades” foi da responsabilidade de Milice Ribeiro dos Santos, com uma comunicação intitulada “Sexualidade e Velhice: Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele”. A oradora centrou a sua apresentação na análise e discussão sobre a sexualidade na velhice, tendo em conta as suas representações, atitudes e comportamentos, quer no domínio do privado, quer na esfera pública.

Para falar deste grupo etário, Milice Ribeiro dos Santos adotou a expressão adultos mais velhos, terminologia que refere salientar o facto de se continua a ser adulto, contrariando, em certa medida, a palavra velho de uso ainda recorrente e com significado pejorativo.

Existem poucos trabalhos científicos produzidos nesta área, levando à subsistência de um conjunto de preconceitos, mitos e crenças que conduzem a um desinteresse generalizado sobre o assunto. Os adultos mais velhos são representados como assexuadas, e qualquer comportamento contrário pode ser interpretado como imoral, desviante ou bizarro.

No seio da família, fruto de falta de informação e de preconceitos, a pessoa mais velha é na sua maioria das vezes discriminada sexualmente e reduzida à sua inutilidade. Os adultos com mais idade são igualmente negligenciados por profissionais de saúde e da área social inibindo um diálogo aberto e especializado. É frequente assistir a represálias por partes destes grupos aquando manifestações amorosas entre os adultos mais velhos. Esta situação piora quando se encontram institucionalizados. O pessoal técnico informa a família destes comportamentos e espera com esta atitude que estes tomem providências. A postura dos familiares é muitas vezes de reprovação, isto porque, segundo referiu Milice R. Santos, por vezes interfere com questões de herança e com a atribuição de papéis bem definidos na sociedade. A religião também comporta um peso fulcral na forma como é interpretado o relacionamento em função da idade e do sexo.

No que respeita aos meios de comunicação social, a questão da sexualidade nos adultos mais velhos não tem expressão, nem visibilidade, e as imagens que estão associadas usualmente comportam interpretações negativas ou infantilizadas (áudio 5).

 Áudio 5 – Excerto da conferência de Milice Ribeiro dos Santos sobre o impacto da comunicação social no que respeita à sexualidade na idade avançada

O envelhecimento comporta em si alterações sob o ponto de vista biológico e fisiológico nos indivíduos, é um processo com ganhos e perdas. Estas mudanças divergem nos indivíduos consoante a sua idade, saúde, vivências afetivas e sexuais anteriores, experiências de vida, ideologias, contextos de vida e local onde se encontram inseridos. Estudar e compreender o fenómeno da sexualidade na velhice carece de um olhar atento à especificidade de cada um e Milice R. Santos apelou à não homogeneidade deste grupo social e à construção de um novo olhar (áudio 6).

Áudio 6 – Excerto da conferência de Milice Ribeiro dos Santos sobre a importância de um novo olhar sobre a diversidade sexual no processo de envelhecimento

 A sexualidade da mulher e do homem nesta faixa etária sofre influências distintas. Estudos comprovam que ambos enfrentam problemas decorrentes do envelhecimento. A nível biológico, a mulher tem uma fronteira delineada com o surgimento da menopausa e, consequentemente, o fim da fertilidade. Esta questão não se coloca nos homens que, apesar da diminuição da produção do esperma, mantêm a fertilidade para toda a vida. Relativamente aos aspetos fisiológicos, é de destacar um conjunto de fatores que podem condicionar a vida sexual nas pessoas mais velhas: a diminuição hormonal, a redução do desejo sexual, motivados por doenças características nesta fase, a ereção pode ter menos firmeza, as sensações do orgasmo podem ser menos intensas em ambos os sexos, entre outros. Todos estes constrangimentos inerentes ao próprio processo do envelhecimento afetam igualmente a dimensão psicológica dos indivíduos e podem conduzir a sentimentos de baixa autoestima, inutilidade, inércia, culpa e, por seu lado, levar ao abandono da atividade sexual. Para atenuar e contrariar estas situações, Milice R. Santos destacou a importância que a revolução farmacológica e fisioterapêutica veio trazer a este grupo social, dando exemplo do uso do Viagra nos homens desde 1998.

Esta é, no entanto, a fase da vida para viver novas experiências e descobrir novos sentidos. Mais libertas para se desamarrarem de preconceitos e desafiarem a norma social estipulada, com filhos já adultos, novas configurações familiares, a alteração do enquadramento legal nos últimos anos, proporcionam mais tempo de qualidade para as pessoas mais velhas se dedicarem à partilha de fantasias eróticas e de realização afetivo-sexual.

Milice R. Santos terminou a sua apresentação sensibilizando para a urgência de mudança de paradigma quando se fala na sexualidade na velhice. Reprovou o modelo normativo da sexualidade genital que ainda prevalece na atualidade. Salientou que o tema deverá ser profundamente estudado, levando a outros quadros de análise e de intervenção tendo por base uma perspetiva construcionista. A sexualidade é um fenómeno indissociável da existência humana e os adultos mais velhos são naturalmente seres sexuais, independentemente da faixa etária a que pertencem e, como tal, têm direito à diferença e à inclusão social.

Mónica Fernandes – Sexualidade e adolescência: Menina grávida

A intervenção de Mónica Fernandes teve como tema a gravidez na adolescência, sob o ponto de vista social, desenvolvimental e da saúde. Partilhou a sua experiência no centro de atendimento a jovens (CAJ) da Maternidade Júlio Dinis. No CAJ, o atendimento é gratuito e garante o anonimato das grávidas adolescentes que vão à consulta, frequentemente acompanhadas pelas suas mães. A gravidez aconteceu, nos seus discursos, porque o método contracetivo falhou e, apesar de terem um projeto de vida definido onde não entra um bebé, acabam por aceitar a gravidez, mesmo que com alguma relutância inicial.

As jovens que optam por interromper a gravidez pertencem a uma geração que se constrói desde que a lei da interrupção da gravidez foi instituída, em 2007, e não é possível afirmar com certeza se há uma relação direta entre o número de abortos e a diminuição da taxa de natalidade na adolescência porque antes de a lei ser instituída não havia números oficiais.

Algumas das gravidezes são procuradas e desejadas, e não surgem por falta de informação ou por impossibilidade de acesso ao planeamento familiar. As jovens trazem ideias e preconceitos irrealistas em relação ao exercício da maternidade e procuram-na por razões inadequadas, como por exemplo, porque querem sair de casa e encontram na gravidez a possibilidade de se manterem ligadas ao parceiro/namorado. Quando confrontadas com a realidade que irão enfrentar depois de a criança nascer, negam a complexidade da situação. Nesta altura, a maternidade transforma-se para muitas delas no seu projeto de vida, e em alguns casos esta criança preenche um vazio, a nível afetivo, que as famílias de onde são oriundas não foram capazes de preencher (áudio 7). Convém salientar que grande parte destas jovens é também fruto de maternidades na adolescência, o que coloca a questão da hereditariedade social.

 

Audio 7 – Excerto da conferência de Mónica Fernandes sobre a realidade da maternidade na adolescência e a sua influência no desenvolvimento das jovens

Respondendo à questão relativa aos fatores de proteção nestas situações, Mónica Fernandes referiu que o acesso à informação e aos métodos contracetivos não é o verdadeiro problema, a verdadeira proteção passa pelas redes relacionais e de apoio, bem como pelas competências sociais desenvolvidas.

Sabendo que há acesso à informação e à contraceção, o que falha? Há a considerar as características desenvolvimentais da adolescência, aliadas à crença da invulnerabilidade (“só acontece aos outros”), de que o amor é para ser vivido no momento e usar o preservativo “corta a cena”. Há igualmente questões socioculturais muito enraizadas que influenciam estes comportamentos (“menina que é menina não tem preservativo na carteira”); a sociedade tem tendência a reagir positivamente ao período de gravidez e as pessoas disponibilizam-se a ajudar a jovem grávida: na escola, os colegas apoiam e oferecem presentes, as jovens ganham um novo estatuto que sentem, muitas vezes, como mais satisfatório. O discurso “tudo se cria” é, ainda, muito frequente e minimiza as consequências da realidade que a jovem vai enfrentar.

A adolescência é um período importante para a definição da identidade e na busca da autonomia face à família, tornar-se mãe nesta fase aumenta a dependência e causa, diversas vezes, uma confusão de papéis dentro do seio familiar, onde frequentemente é outro elemento que acaba por assumir o papel de mãe da criança. Nas relações com os pares, fundamentais nesta fase, tudo se transforma. O namorado ou parceiro, frequentemente, desaparece após saber da gravidez, desresponsabilizando-se, mas a jovem não pode fugir. É essencial não esquecer que tudo isto se reflete na criança do ponto de vista bio-psico-social.

A nível de prevenção, Mónica Fernandes defendeu o desenvolvimento de programas que não se foquem apenas na transmissão de informação, mas que tenham em consideração as características dos adolescentes e dos seus contextos, na sociedade contemporânea. Alguns países são bem-sucedidos nesta tarefa, enquanto outros não conseguem, apesar das campanhas, diminuir as taxas de gravidez na adolescência. Como exemplo, falou dos EUA onde as taxas de gravidez na adolescência explodem e os programas de prevenção baseiam-se na abstinência sexual até ao matrimónio, por outro lado, a Holanda tem uma taxa bastante reduzida e os programas para a sexualidade são focados nas competências sociais, porque fornecem informação e desenvolvem meios para que os jovens possam usar essa informação (áudio 8).

Audio 8 – Excerto da conferência de Mónica Fernandes sobre a adaptação das jovens à sua nova realidade e possíveis formas de intervenção

É essencial desenvolver com as adolescentes grávidas uma intervenção psicoeducativa focada nas relações interpessoais e no trabalho de construção de um projeto de vida realista, incidindo na adaptação à realidade e incentivando as adolescentes a expressar medos e sentimentos, a pensar sobre a forma como vão viver a maternidade e a sua vida no novo estatuto. Mónica Fernandes partilhou que, ao longo da gestação, as adolescentes costumam ser as grávidas mais tranquilas e com menos complicações, mas após a maternidade começa a verdadeira confrontação com a realidade, necessitando, nessa altura de apoio. A oradora ainda chama a atenção que a prevenção de comportamentos de risco no que diz respeito à gravidez na adolescência começa na gravidez dos pais.

Vitor Teixeira – Sexualidade e vida afectiva

“Não existe um reconhecimento dos direitos de manifestação da sexualidade das pessoas com deficiência mental, sendo-lhes dadas poucas possibilidades de compreender as emoções despertadas por ela, consequentemente, dificultando a exploração da sua curiosidade sexual.” (Bastos & Deslandes, 2005, p. 393).

Em qualquer discussão acerca da sexualidade na deficiência mental (DM), importa notar que existe um conjunto de mitos e crenças que influenciam a visão que a sociedade, em geral, tem da pessoa com DM e a forma como a informação sobre a sexualidade lhe é transmitida. Com este propósito, Vitor Teixeira discutiu alguns comportamentos implícitos da manifestação da sexualidade neste grupo, referindo a necessidade de serem compreendidos pelos profissionais de saúde, família e sociedade, partindo da sua experiência pessoal e profissional, em especial da sua prática clínica com crianças e jovens com DM.

Para o orador, falar de sexualidade na DM é falar de três conceitos importantes: privação, controlo de impulsos e comportamento social. Tal como qualquer outro sujeito, o portador de deficiência tem necessidade de expressar os seus sentimentos de modo próprio e intransferível, uma vez que a repressão da sexualidade pode alterar o equilíbrio interno. Contudo, nas palavras de Vitor Teixeira, as pessoas com deficiência mental estão parcialmente privadas, na sua maioria, de algo que é absolutamente natural, que faz parte da sua essência, da sua natureza.

A impulsividade, a dificuldade no controlo da sexualidade, está ligada à ausência de alguns mediadores cognitivos que ajudam no controlo comportamental e social. O jogo de “faz de conta” ganha uma importância acrescida nas pessoas com DM, pois permite a aproximação e concretização, em certa medida, das fantasias permite a representação de um papel (áudio 9).

 

Áudio 9 – Excerto da conferência de Vítor Teixeira sobre a importância do jogo de “faz de conta”

 Se a fantasia permite uma aproximação à realidade, a masturbação, a descoberta do prazer com o seu corpo sem se magoar e a estimulação entre pares são formas reais de vivenciar a sexualidade. É de considerar que os cidadãos com deficiência têm menos oportunidades de explorar algum tipo de relação com os seus semelhantes, têm menores laços sociais, sendo essencial a supervisão dos adultos cuidadores. Relativamente à falta de controlo dos impulsos, o orador apontou alguns comportamentos desajustados relacionados com a sexualidade, sublinhando que “não devemos extinguir comportamentos, mas localizá-los (…) porque se o comportamento surge é porque tem alguma função”.

Perante tais comportamentos, a maioria das respostas dos cuidadores traduzem-se em atitudes repressivas e discriminatórias, que impedem um desenvolvimento mais pleno do sujeito. De acordo com Marques (2005), muitos pais não se sentem seguros na abordagem desta problemática e têm dificuldades em encarar os filhos como seres sexuados, resistindo à importância da educação sexual. Estes aspetos são importantes na reflexão do trabalho junto das famílias e com os profissionais. Para o orador, a família necessita de apoio profissional e de um apoio solidário da sociedade em geral, para fazer face à sua tarefa educativa.

Vitor Teixeira concluiu que as pessoas com DM possuem conhecimentos frágeis a respeito da sua sexualidade, sendo fulcral que: aprendam a lidar com a sua sexualidade de forma adequada; desenvolvam atitudes saudáveis em relação ao seu corpo e às suas funções; possuam informação sobre sexualidade, reprodução, contraceção e tenham acesso a educação sexual. Estas medidas funcionam também como medidas de combate ao isolamento social.

De acordo com Dunn (1983), os profissionais de saúde e educação devem ser munidos de informações e de uma atitude positiva perante a sexualidade na deficiência, sendo assim capazes de melhor interagir com os sujeitos com DM no que diz respeito à dimensão sexual.

Vítor Teixeira terminou a intervenção, referindo o muito que há a percorrer para ajudar as pessoas com DM a superar as suas dificuldades nesta área, procurando caminhos em que possam exercitar a sua sexualidade o mais plenamente possível, com a obtenção do prazer físico e psíquico, condições importantes para sua reintegração social saudável.

Maria João Silva – Corpo e Bem-Estar: Sexualidade, Género e Inclusão na ESE-IPP

Nesta comunicação, Maria João Silva teve como objetivo dar voz a estudantes da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (ESE-IPP) no que se refere às questões relacionadas com o Corpo e Bem-Estar, nomeadamente com a sexualidade, género e inclusão na ESE-IPP. No enquadramento do tema, foi explicado o que se entendia por “abordagens corporizadas da educação sexual”, realçando a importância da utilização do corpo no processo de ensino/aprendizagem, designadamente da linguagem corporal, procurando uma abordagem holística e inclusiva ao corpo e às suas emoções e ligando a afetividade ao prazer e à saúde (áudio 10 e 11).

 

Áudio 10 – Excerto da intervenção de Maria João Silva sobre corpo e escola 

 

Áudio 11 – Excerto da intervenção de Maria João Silva sobre o papel do corpo em educação sexual 

O conceito de identidade sexual foi apresentado como integrando o sexo biológico, a identidade de género, os papéis sexuais e a orientação sexual (Shively e De Cecco, 1977). Como exemplo da reflexão realizada sobre as referidas componentes pelas alunas da Unidade Curricular Sexualidade e Qualidade de Vida, foram apresentados dois comentários: “Transexualidade não tem a ver com orientação sexual. É considerado transexual aquele que não quer viver de acordo com o sexo físico com que nasceu, não havendo necessidade [obrigatoriedade] de intervenção cirúrgica”; “Foi muito importante a revisão da diferença entre sexo e género. Muito interessante iniciar com um caso real conhecido e depois explicar diferenças entre intersexo e transexualidade”.

A distinção entre sexo e género foi referida como fundamental para a compreensão do conceito de identidade sexual, por clarificar a diferença entre transexualidade e intersexualidade (ver áudio 12 e áudio 13).

 

Áudio 12 – Excerto da intervenção de Maria João Silva sobre categorias sexuais e género 

 

Áudio 13 – Excerto da intervenção de Maria João Silva sobre transexualidade e intersexualidade 

Ainda no que se refere à intersexualidade, foram referidos os seguintes comentários de alunos e alunas: “Os intersex não são reconhecidos como uma identidade possível”, colocando em causa as categorias sexuais; “Este é um caso em que as pessoas vêem os seus direitos a serem negados” questionando a prática de intervenções cirúrgicas logo à nascença para enquadrar as crianças intersexo numa das categorias sexuais.

Maria João Silva explicou também que o aprofundamento das questões de género tem sido um processo gradual nas Unidades Curriculares Ambiente, Qualidade de Vida e Sexualidade (Educação Social) e Sexualidade e Qualidade de Vida (Educação Básica), exemplificando que no último ano letivo, pela primeira vez, os/as alunos/as falaram explicitamente da Mutilação Genital Feminina como Questão de Género: “É um problema cultural, onde a intenção dos homens, para mim, é retirar o prazer sexual à mulher. É uma questão ligada à desigualdade de género, em que a mulher, não tendo prazer, vai ser submissa”.

Passando, então, a apresentar os resultados de uma atividade de resolução de problemas realizada com três turmas das Unidades Curriculares atrás mencionadas, Maria João Silva explicitou o problema colocado: “O que fariam se vos pedissem para desenharem um projeto de remodelação das casas de banho da ESE-IPP?”. Foi também feita a provocação: “Se a Conchita Wurst, do Festival da Eurovisão, visitasse a ESE, a que casa de banho iria? E em que casa de banho seria bem aceite?”.

Como resultado da atividade em análise, foi relatado que a maioria das/os alunas/os considerou que as casas de banho deveriam ser unissexo, mantendo a privacidade individual, nomeadamente para “permitir que pessoas travesti, intersexuais, transexuais, transgéneros pudessem usar as casas de banho sem qualquer tipo de constrangimento”. Foi ainda realçado que existiram outras opiniões, nomeadamente um dos grupos defendeu que “Em grandes edifícios, na falta de uma melhor opção, deveriam existir casas de banho para mulheres (com condições para receber pessoas com deficiência, crianças, etc), homens e algumas casas de banho privadas, individuais, de utilização completamente livre”.

Nas turmas de Educação Básica, houve oportunidade de desconstruir estereótipos e heterossexismos que estiveram presentes na discussão, nomeadamente sobre: o facto de as crianças irem às casas de banho das mulheres e o facto de a orientação sexual não ter surgido na discussão de nenhum grupo (áudio 14).

 

Áudio 14 – Excerto da intervenção de Maria João Silva sobre questões a realçar no processo de discussão sobre as casas de banho da ESSE-IPP 

Foi, então, apresentada, por Maria João Silva, uma segunda atividade desenvolvida nas mesmas Unidades Curriculares,“Rate yourschool” desenvolvida pelo projeto europeu “It takes allkinds”, divulgado pela associação ILGA Portugal (http://ilga-portugal.pt/educacao/) e pela Direção Geral de Educação. Esta atividade consistiu na resposta a uma série de perguntas, sendo as opções de resposta, as cores vermelho, amarelo e verde. Globalmente, em relação à inclusão, a ESE-IPP foi classificada no amarelo (atenção, cuidado!).

As razões para esta classificação estiveram relacionadas, na voz dos/as alunos/as, pela discriminação, por vezes sentida, em relação à forma de vestir, à praxe e à orientação sexual. Em relação à pergunta “Seria considerado OK se um/a estudante se assumisse abertamente homossexual, bissexual ou transgénero na tua escola?”, as/os estudantes consideraram que tal dependeria de outras características da pessoa, o que remete para o conceito de interseccionalidade, ou seja, a discriminação em relação à orientação sexual depende de outras características sociais como a classe social, e o estatuto (neste caso, dentro da ESE-IPP). Preocupante, foi a resposta maioritária à questão “Quantas pessoas conheces na tua escola que sejam assumidamente homossexuais, bissexuais ou transgénero?: “ deve existir uma ou duas”, dado indicar a invisibilidade das pessoas LGBT na ESE-IPP. Também preocupante foi o facto de a maioria das/os alunas/os considerarem que a ESE não encara o bullying de forma séria, não indo à raiz do problema, ou seja, a maioria dos/as estudantes sente que não existem consequências reais para quem pratica bullying.

As duas estratégias aqui relatadas revelaram-se úteis na promoção da inclusão de um espaço escola, o espaço da ESE-IPP.

Conclusões

Discutir o tema da sexualidade e da diversidade é essencial para a mudança de atitudes e representações e para a mobilização de ações que promovam uma maior inclusão de todas as pessoas, reconhecendo-lhes o direito de vivenciarem a sua sexualidade independentemente da idade, sexo, género, identidades e escolhas.

Tal como referido por Eduarda Ferreira, na altura do Encontro Científico, o facto de, em Portugal, existir uma legislação inclusiva não conduz automaticamente a uma mudança de mentalidades. Importa dar continuidade à reflexão acerca das práticas quotidianas, no modo como os comportamentos adolescentes resultam muitas vezes de ambientes pouco protetores e pouco acolhedores da diversidade e liberdade, trazendo implicações claras na definição da identidade e na organização de um sentimento de si e de uma auto-estima saudável. Importa dar espaço às expressões e vivências individuais da sexualidade, em função das características dos sujeitos. Os adultos mais velhos, tal como os mais novos, têm direito a viver a sua sexualidade de forma plena e não serem olhados como uma massa homogénea e compacta destituída de energia sexual. Como Milice Ribeiro dos Santos referiu, há que olhar a sexualidade para além do modelo normativo (e reprodutivo) da sexualidade genital que ainda prevalece.

Olhar a sexualidade no geral, e considerando pessoas com Deficiência Mental, não poderá ser feito às escondidas, entre portas meio fechadas e coisas que se dizem meio a brincar, é assunto sério, embora, ainda, muitas vezes discutido em silêncio, mas, tal como referido por Vítor Teixeira, as pessoas com DM, tal como todas as outras, têm direito a viver a sua vida por inteiro, e a sexualidade é essencial à vida, faz parte dela.

A educação, formal e informal, é um aspeto importante na abordagem do tema, incluindo a educação familiar, escolar, dos media e aquela que está implícita nas relações interpessoais que se estabelecem nos quotidianos. Para que a vivência responsável da sexualidade se construa de forma saudável, prevenindo gravidezes em idades precoces, quando existem ainda tantas outras tarefas por fazer, tal como apontado por Mónica Fernandes.

Desconstruir (pre)conceitos, desenvolver o olhar e a reflexão sobre os contextos e ambientes relacionais, discutir o modo como os espaços interferem nos comportamentos e atitudes são alguns dos assuntos que deverão fazer parte dos projetos desenvolvidos nas escolas. O desenvolvimento destes projetos, de âmbito disciplinar ou transdisciplinar, transmutam a realidade e os ambientes heteronormativos, geradores de desigualdades e exclusão, em ambientes mais inclusivos, como ficou ilustrado por Maria João Silva.

Uma nota final, a realçar que cada pessoa capaz de desenvolver valores e atitudes positivas face à sexualidade, à sua e à dos outros, garantirá mais facilmente uma vida sexual saudável, autónoma, gratificante e segura, quer ao nível físico como psicológico.



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