Sensos-e Vol: III Num: 2  ISSN 2183-1432
URL: http://sensos-e.ese.ipp.pt/?p=12142

CIÊNCIA E LITERATURA – ARTICULAÇÃO ENTRE DUAS CULTURAS

Autor: Antonio Fortuna Afiliação: Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco, Vila Real, ajfortuna@sapo.pt
Autor: J. Bernardino Lopes Afiliação: Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Trás-os- Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, Vila Real 5000-801, Portugal, blopes@utad.pt - CIDTFF - Centro de Investigação Didatica e Tecnologia na Formação de Formadores , Campus Universitário, Aveiro 3810-193, Portugal

Resumo: Neste trabalho apresenta-se uma reflexão teórica que permita criar elos de ligação entre duas áreas importantes do conhecimento: Humanidades (na qual destacamos a Literatura) e Ciências. Apresenta-se uma proposta didática específica de articular as duas áreas do saber tomando como base as Ciências Físicas e a Poesia. Descreve-se como foi implementada a proposta e discute-se qual foi o seu impacto na aprendizagem e atitude dos alunos.
Palavras-Chave: Duas culturas, Literatura, Ciência, Proposta didática

Abstract: In this document it is presented a theoretical reflexion that intends to create links between two important areas of knowledge: Humanities (highlighting Literature) and Science. It is specifically proposed to bring these two fields of knowledge together, having the Physical Sciences and Poetry as the basis. It is also described the way this proposal was implemented, as well as the impact it had in student’s attitudes and learning process.
Keywords: Two Cultures, Literature, Science, Didactic / teaching proposal

CIÊNCIA E LITERATURA – ARTICULAÇÃO ENTRE DUAS CULTURAS

Autor: Antonio Fortuna Afiliação: Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco, Vila Real, ajfortuna@sapo.pt
Autor: J. Bernardino Lopes Afiliação: Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Trás-os- Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, Vila Real 5000-801, Portugal, blopes@utad.pt - CIDTFF - Centro de Investigação Didatica e Tecnologia na Formação de Formadores , Campus Universitário, Aveiro 3810-193, Portugal

1.      Contexto da prática profissional

1.1-            Introdução

Pretende-se fazer uma reflexão que permita criar elos de ligação entre duas áreas importantes que constituem o conhecimento humano: as Humanidades (na qual destacamos a Literatura) e as Ciências. É nossa intenção estabelecer uma articulação entre as “duas culturas”, de modo a que estas dialoguem e tornem permeáveis as suas linguagens, quer em contexto de Escola quer em contexto de Sala de Aula. Para tal fixar-nos-emos em três objetivos: (1) Articular as “duas culturas” no âmbito de escola, através de práticas educativas; (2) Articular a Literatura e a Ciência utilizando a Didática (p.e. a Física e a Química) como meio de atuação; (3) Utilizar textos literários (poesia e/ou prosa) como contextos de aprendizagem.

1.2-           Existência/Articulação de “Duas Culturas”

O papel lúdico que geralmente é atribuído à literatura e o papel prático e utilitário que se reconhece à ciência poderão ser a razão para que se desenvolva a ideia, tanto nos indivíduos comuns como nos que integram as comunidades científicas e literárias, da existência de «duas culturas». Esta terminologia de «as duas culturas» apareceu pela primeira vez na década de cinquenta do século passado por intermédio de Charles Pierce Snow, um cientista de formação e um escritor por vocação.

É responsabilidade da educação, através da intervenção pedagógica e didática das disciplinas que a integram, contribuir para encontrar pontes de ligação com vista a haver um diálogo transversal entre «as duas culturas».

Se ambas as culturas desenvolvem códigos próprios que lhes conferem personalidades intrínsecas, já na sua comunicação se veem obrigadas a interagir, utilizando códigos comuns, de modo a tornarem-se inteligíveis as suas linguagens.

C.P. Snow era de opinião que o ensino regular primava pela especialização. Segundo ele, os alunos escolhiam demasiado cedo a área na qual se queriam especializar, sendo contra essa escolha precoce por fomentar a divisão do conhecimento nas já referidas «duas culturas».

Em Portugal a escolha das áreas de especialização ocorre no final do ensino básico. Somos de opinião que, no nosso país, é também demasiado cedo a escolha de áreas de especialização, pois o desenvolvimento intelectual e as competências gerais necessárias a essa escolha não são ainda suficientes e abrangentes.

O sistema educativo português fomenta precocemente a separação e interiorização das duas áreas do conhecimento, a nosso ver por duas razões: (1) Os programas das disciplinas não estão preparados, de raiz, para concorrer para a unificação das «duas culturas»; (2) Os professores que lecionam as disciplinas das duas áreas do saber mostram-se ciosos do valor dos seus conteúdos e da importância das suas disciplinas nos contextos académico e social.

Na tentativa de atenuar o efeito da separação entre «as duas culturas», o sistema de ensino procede, no ensino básico,a um exercício de interdisciplinaridade em que, muitas vezes, esta é explorada superficialmente, sendo que, no ensino secundário, esse exercício de interdisciplinaridade não existe formalmente. Cabe, então, ao Plano Anual de Atividades da Escola. O papel de atenuar o efeito da separação entre «as duas culturas». Contudo, na concretização do Plano verifica-se que os professores levam tão a sério a estanquidade das suas disciplinas que é raro observar a presença de professores da área das ciências em palestras ou seminários da área das humanidades e vice-versa.

Da problemática da existência de duas culturas resultam consequências, como por exemplo a especialização da sociedade e a especialização do ensino, estando estas intimamente relacionadas. O entrave ao progresso intelectual é outro aspeto a ter em elevada consideração, pois este só avança se interagirem na aprendizagem todas as áreas do saber de modo a haver um pleno desenvolvimento social saudável com vista a uma formação integral.

Evidenciamos, desde já, o papel que a área das humanidades, em particular a literatura, tem no desenvolvimento dos conceitos, pois encontramos obras literárias (poesia e prosa) que incluem no seu conteúdo termos, ideias e até explicações de fenómenos intimamente ligados à Física ou à Química.

Assim, as disciplinas englobadas nas humanidades poderão e deverão constituir uma ferramenta fundamental para compreender as disciplinas das áreas científicas e vice-versa. Poder-se-á partir de textos literários com conteúdo e termos relacionados com a ciência para a descodificação científica dos mesmos.

Como estabelecer, então, o Diálogo/Articulação entre as “duas culturas”? Edgar Morin (2014) é de opinião que “Para se conhecer o ser humano, é preciso estudar áreas do conhecimento como as ciências sociais, a biologia, a psicologia. Mas a literatura e as artes também são um meio do conhecimento. (…) A poesia é também importante (…) Literatura e artes não podem ser tratadas no currículo escolar como conhecimento secundário”.

A interligação entre as “duas culturas” poderá ser concretizada, recorrendo à Literatura, pois a disciplina de Português é comum a todos os estudantes.

A utilização e análise de textos literários com conteúdo científico ou apenas com termos próprios das áreas das ciências são os meios que propomos e utilizaremos para entrosar contextos e linguagens literárias e científicas.

Ao construir-se um texto literário com conteúdo científico não se está a inovar, apenas se está a comunicar ciência de uma forma diferente, mas com um conteúdo válido e coerente, valorizando as dimensões ética, social, económica, política e cultural. É importante também fazer sentir que a ciência não é propriedade exclusiva dos cientistas, nem de quem a ensina.

Os textos retirados de obras literárias deverão conter situações que conduzirão à formulação de problemas pelos alunos, sob orientação do professor. É importante esta fase da formulação do problema, dado que, desde logo, compromete o aluno na tentativa de arranjar mecanismos para a sua resolução, nomeadamente através da formulação de questões, desenvolvendo a aprendizagem de conceitos e/ou consolidação dos mesmos.

1.3-            Papel da Literatura na divulgação e ensino da Ciência versus Papel da Ciência na divulgação e ensino da Literatura

Segundo Wellek & Warren “A linguagem é o material da literatura” e, assim sendo, é necessário recorrer a um esforço de comunicação. Ao nosso estudo importa aqui referir dois tipos de linguagem: a linguagem da literatura e a linguagem da ciência. Em que é que se distinguem? “A linguagem científica ideal é puramente «denotativa»” (Wellek & Warren, s.d.: pp 24), isto é, está muito próxima do seu sentido literal. Contrariamente, a linguagem literária, com todos os ornatos que a caracterizam esteticamente, não é tão precisa, estando eivada de ambiguidades, sendo “uma linguagem altamente «conotativa». Acresce que a linguagem literária está longe de ser apenas referencial: tem o seu lado expressivo, comunica o tom e a atitude do orador ou do escritor” (Wellek & Warren, s.d.: pp 24).

As “diferenças relativamente à linguagem científica podem ser levadas a cabo em diverso grau por várias obras da arte literária. (…) Existem poemas filosóficos e didáticos e romances de tese que se aproximam, pelo menos ocasionalmente, do emprego científico da linguagem” (Wellek & Warren, s.d.: pp 25).

É lugar-comum referirem-se à literatura como sendo uma das facetas da arte com utilidade prática que se reduz ao aspeto exclusivamente recreativo. A nosso ver, a literatura, com todo o seu poder comunicativo relata a vida no sentido amplo, isto é, a faceta humana e a faceta do mundo material. Dito de outro modo, a literatura com as suas múltiplas formas de comunicar descreve o universo.

Um texto literário contém dinamismo e criatividade. O ato de interpretar um texto literário exige perícia na sua leitura, pois só assim o leitor consegue apropriar-se do seu conteúdo. Claro que, nesta tarefa de interpretação, não podemos esquecer que podem surgir tantas leituras como o número de leitores, resultado da sensibilidade, destreza literária e grau de cultura do interveniente. “Ciência e literatura, apesar de terem linguagens específicas e métodos próprios, podem ficar valorizadas quando postas em interação, proporcionando diferentes leituras e novas perspectivas de análise”. (Galvão, 2006: pp. 34).

Como escolher, então, um texto literário que possamos aplicar em contexto de educação em ciência? A escolha dos textos está condicionada ao tipo de mensagem que se quer evidenciar. “O emissor (autor) é responsável pela enunciação de uma mensagem (literária) endereçada a um recetor (leitor), cujas competências (verbais, linguísticas) condicionam todo o processo, ou melhor, condicionam o sucesso ou fracasso do processo” (Lopes, s.d.: pp. 7).

O sucesso na apropriação de um contexto de aprendizagem e dos conteúdos que se pretendem abordar depende do modo como é apresentado o próprio contexto. Assim, por exemplo, a poesia pode ser encarada como uma forma de conhecimento. “A concepção de que a poesia é prazer (análoga a qualquer outro prazer) opõe-se à de que poesia é instrução (análoga à de qualquer outro compêndio)”. (Wellek & Warren, s.d.: pp. 32)

Nesta perspetiva, “textos literários podem permitir o trabalho com obstáculos epistemológicos entre alunos que não se sentem motivados ao estudar física”. (Zanetic, 2006, pp. 39)

Apropriar conceitos físicos, tomando como ponto de partida a análise de textos retirados de obras literárias, devidamente enquadrados, é um exercício que promove a formação integral dos intervenientes no processo, isto é, professores e alunos. Dos professores enquanto agentes com capacidades científicas e pedagógicas e em constante atualização e aperfeiçoamento cultural. Dos alunos, como agentes de aprendizagem a quem são apresentadas experiências educativas diferenciadas e transversais e a quem é solicitado apresentar conhecimentos já adquiridos num processo dinâmico orientado e que lhes propicie adquirir novos conhecimentos devidamente contextualizados e hierarquizados. Deste modo, os alunos serão agentes ativos na aprendizagem recaindo sobre ele a responsabilidade no processo.

Numa abordagem como esta, devemos ter presente que à história de um país está associada a história da sua literatura. Analisando excertos de obras literárias, podemos perceber em que grau de evolução estão enquadrados os conceitos científicos, bem como a sua linguagem terminológica, e como é que as sociedades estavam organizadas, quais as suas políticas, o seu modo de viver e a cultura das suas gentes. No caso concreto de Portugal, a história da literatura portuguesa tem, então, o papel descodificador da cultura do povo português e nela, se estivermos atentos, podemos encontrar indícios de como evoluiu a ciência, mais não seja na terminologia linguística utilizada nas diferentes épocas em que se situam as obras literárias em análise.

Apresentamos, de seguida, exemplos de excertos de obras literárias de escritores portugueses que poderão ilustrar o que atrás se referiu. Todos eles têm a particularidade de poderem ser utilizados para construir um «contexto problemático» com vista à exploração e problematização de situações físicas em aulas de Física e Química, dado que se enquadram nos conteúdos programáticos dos diferentes anos em que se leciona a disciplina de Física e Química.

Escolhemos unicamente escritores portugueses para nos aproximarmos, tanto quanto possível, de conteúdos lecionados na disciplina de português, aproveitando e propiciando uma melhor aplicação de conhecimentos que os alunos já possuem nessa área. Um outro aspeto a ter em atenção, como já referimos anteriormente, é o propósito de os textos literários apresentados servirem também como um incentivo à leitura de obras literárias por parte dos alunos, bem como ao conhecimento dos escritores, situando-os na história da Literatura Portuguesa.

Exemplo 1

Pisa, 7 de Janeiro de 1938 – Cá temos nós a torre inclinada, ao natural, com injecções na base para se manter em pé. A viva imagem desta civilização latina que, se não se lhe acode com cimento armado, cai.

Quando vinha por aí acima a olhar o lago mediterrâneo, pensei nisto: enquanto a coisa era de velas, de astronomia, de heroicidade, de roer o coiro dos mastros, ninguém foi maior do que nós, homens ribeirinhos. Mas o diabo do Papin pôs-se a olhar para uma chocolateira, e estragou tudo! E então nem sequer tirou do pecado as últimas consequências! Distraiu-se, passou a chávena de chá ao Senhor Watt, e continuou a ler o seu Ronsard. O inglês é que não sossegou mais. Pôs uma chaminé na chaleira, meteu-lhe uma alavanca de um lado, e daí a nada tinha o mundo de olhos pregados nas minas do País de Gales. Carvão. Carvão negro, triste, no fundo dumas galerias soturnas, onde não havia mais lugar para este sol, esta cor, estes santos, estes heróis, esta vida mágica e alada como as velas do Cervantes.

Diário I, Miguel Torga

Comentário:

Este texto é um exemplo de bela literatura eivada de referências à ciência e à sua história. Miguel Torga começa por referir-se à época gloriosa dos portugueses, os “homens ribeirinhos”, da época dos descobrimentos, na qual eram necessários, além de heroicidade, vastos conhecimentos de astronomia para a navegação. Outras informações importantes podem ser tratadas com esta página do Diário, tais como a marmita de Papin, percursora da atual panela de pressão. Aqui pode-se demonstrar experimentalmente, com uma experiência simples, o efeito da pressão na temperatura de ebulição da água líquida. Colocando água numa seringa, a 70º C, e aumentando o volume, com um movimento brusco do êmbolo (diminuindo a pressão), a água entra em ebulição. Ora, na panela de pressão, o efeito é contrário: aumentando a pressão num recipiente, a água entra em ebulição a uma temperatura superior, sendo esse o efeito que pretendeu “o diabo do Papin” com a invenção da sua marmita.

De igual modo, Torga faz referência, com o mais fino recorte literário, à máquina a vapor: “O inglês é que não sossegou mais. Pôs uma chaminé na chaleira, meteu-lhe uma alavanca de um lado, e daí a nada tinha o mundo de olhos pregados nas minas do país de Gales”. Em termos históricos e científicos esta passagem do texto pode ser amplamente explorada conforme o grau de profundidade que se pretender.

E o carvão? “Carvão negro, triste, no fundo de umas galerias soturnas (…) esta vida mágica e alada como as velas do Cervantes”. Em termos científicos, podemos abordar o tema da energia e, em termos humanos e sociais, será importante referir a ultra-sensibilidade social deste escritor. Aqui se faz igualmente referência ao sonho, representado pelas velas de Cervantes, perseguido por operários e mineiros, na busca de bem-estar. Ganhando somente o necessário para satisfazer necessidades primárias, estes homens eram autênticos escravos explorados pela ganância do progresso que se verificou nos finais do século XIX e ainda durante o século XX.

Exemplo 2

Arrebol

Átomos que viajam desde o Big Bang

Afagam-se através da morna brisa,

Neste rubro arrebol do dia exangue.

Talvez já tenham sido pedra, rouxinol, flor

E por isso a brisa como que canta

E exala um perfumado odor.

Num gesto de lascivo amor

Fundo-me com a brisa,

Perco-me algures no espaço e no tempo

E, num fugaz momento,

Sinto que sou pedra, brisa, rouxinol e flor.

“Antologia de Autores Transmontanos”, Regina Gouveia

Comentário:

O poema “Arrebol” encerra globalmente a essência da vida, dado que se encontram interligados o passado, o presente e o futuro. A essência da vida, porque a autora canta a Natureza pela voz da brisa que interseta os três estádios temporais referidos.

Os “átomos que viajam desde o Big Bang”, estádio de nascimento do Universo e no qual toda a matéria se terá criado, “afagam-se”, agora, após o arrefecimento originado pela expansão, através da “morna brisa”, tornando-se o entardecer da cor do fogo, isto é, em um “rubro arrebol”.

Regina Gouveia, através deste poema, diz-nos que a matéria se compõe e decompõe, estando esta ideia patente no verso “Tavez já tenham sido pedra, rouxinol, flor”. Formando novas substâncias, os átomos, combinados sobre a forma de gases (brisa), exalam “um perfumado odor”. Também ela, a poetisa, ao fundir-se com a brisa, demonstra que tem a noção de que toda a matéria que a constitui (um ser humano) é similar à matéria que constitui uma pedra, uma brisa, um rouxinol e uma flor, sendo a sua organização diferente.

Finalmente, é de notar que, no verso “Perco-me algures no espaço e no tempo”, Regina Gouveia nos ensina que espaço e tempo são grandezas diferentes e que espaço e tempo se terão criado na origem do Universo, isto é, no Big Bang.

2.      Planificação e Abordagem de um tema

A implementação da prática articulando as duas culturas foi feito no âmbito dos Cursos de Educação e Formação de Adultos Nível Secundário (EFA) no ano letivo 2010/11 numa escola do Distrito de Vila Real. O presente relato de prática ocorreu no domínio de competência “Sociedade, Tecnologia e Ciência”, núcleo gerador “Saberes Fundamentais” e atividade integradora “Energia Nuclear”. A turma tinha 13 alunos com idades compreendidas entre 25 e 40 anos. Em face da atividade integradora “Energia Nuclear” o docente escolheu como base do trabalho a desenvolver o poema “Fragmento de um madrigal extraviado” de Vitorino Nemésio. O professor de Física e Química é também escritor, razão pela qual não foi necessário recorrer ao professor de português.

 

2.1-  Etapas/atividades das aulas

1-   Leitura do poema, em voz alta. (todos os alunos têm o poema integral)

Fragmento de um madrigal extraviado

Deutério moderador

(Para alguns água pesada)

De teus dedos me dirija

A reacção encadeada.

Que eu só acelero Amor

Por morrer com Energia

Não chores mais, flor de isótopo,

Que tudo isto é poesia

E tempestade num copo

De H2O bem comum

Sem número de massa nem Z antes

Que seu destino é nenhum

 “Limite de idade, 1972”, Vitorino Nemésio

 

Vitorino Nemésio

2-   Tarefa 1alunos em classe (Biblioteca escolar)

Problema: Articular o texto poético com situações relacionadas com a ciência.

Objetivos: (1) Desenvolver competências de leitura/interpretação de textos poéticos; (2) Identificar no texto situações relacionadas com a ciência;

Tarefa: (1) Retira do poema termos ou pequenos excertos que, na tua opinião, contenham situações relacionadas com a ciência. (2) Procede a um breve desenvolvimento baseado na física ou na química dos termos ou excertos identificados anteriormente.

Material:—Poema “Fragmento de um madrigal extraviado” de Vitorino Nemésio e computador com ligação à internet

3-   Tarefa 2 – alunos em classe (Biblioteca ou sala de informática)

Problema: Como é constituída a matéria?

Objetivos: ─ Análise do resultado da pesquisa efetuada na tarefa 1.

Material: — Documentos fornecidos pelo professor e Computador com ligação à internet

Tarefa: (1) ─ Análise do resultado da pesquisa efetuada na tarefa 1.

Sugestão: Para clarificar os conceitos abordados na tarefa anterior consulta os documentos fornecidos pelo professor, prestando especial atenção a: – Conceito de átomo; – Constituição do átomo; – Caracterização de um átomo; – Símbolo químico dos elementos; – Representação simbólica utilizando o número atómico (Z) e o número de massa (A); -Conceito de isótopo

4-   Tarefa 3 – alunos em classe (Biblioteca ou sala de informática)

Problema: Como é constituída a matéria?

Objetivos: ─ Pesquisar, utilizando os conhecimentos anteriormente adquiridos, o fenómeno da radioatividade.

Material:  ─ Documentos fornecidos pelo professor e computador com ligação à internet

Tarefa - :    (1) Pesquisar, utilizando os conhecimentos anteriormente adquiridos, o fenómeno da radioatividade.

Sugestão: Consulte textos sobre o assunto ou pesquise na internet, prestando especial atenção a: – Fissão nuclear; – Libertação de partículas subatómicas; – Libertação de energia; – Reação em cadeia.

5-   Tarefa 4 – alunos em classe (Biblioteca ou sala de informática)

Problema: Como Funciona uma central nuclear?

Objetivos: ─ Pesquisar, utilizando os conhecimentos anteriormente adquiridos, como funcionam as centrais nucleares.

Material:— Documentos fornecidos pelo professor e Computador com ligação à internet

Tarefa -: (1) Pesquisar, utilizando os conhecimentos anteriormente adquiridos, como funcionam as centrais nucleares.

Sugestão: Consulte textos sobre o assunto ou pesquise na internet, prestando especial atenção a: – Combustível de uma central nuclear; – Tipos de Energia libertada nas reações nucleares; – Construção de uma central nuclear – precauções a tomar; – Funcionamento de uma central nuclear para produção de eletricidade

* ver media ficha_4.Energia_nuclear_central_nuclear

6-   Tarefa 5 – alunos em classe (Biblioteca ou sala de informática)

Problema: Quais as implicações ambientais da utilização das centrais nucleares?

Objetivos: ─ Pesquisar, utilizando os conhecimentos anteriormente adquiridos, as implicações ambientais da utilização das centrais nucleares.

Material: ─ Documentos fornecidos pelo professor e computador com ligação à internet.

Tarefa: (1) Pesquisar, utilizando os conhecimentos anteriormente adquiridos, as implicações ambientais da utilização das centrais nucleares.

Sugestão: Consulte textos sobre o assunto ou pesquise na internet, prestando especial atenção a: – Tipos de radiações/energia – libertadas nas reações nucleares; – Poder de penetração dessas radiações na matéria e seres humanos; – Efeitos a curto, médio e longo prazo das radiações no ambiente e nos seres vivos.

7-   Tarefa 6 – alunos em classe (sala de informática ou Biblioteca)

Problema:     Conhecer o autor do texto poético (Vitorino Nemésio).

Objetivos: (1) Contactar com um autor que faz parte do Património Cultural Português, de Língua Portuguesa e Universal; (2) — Organizar a informação recolhida.

Material: ─ Poema “Fragmento de um madrigal extraviado” de Vitorino Nemésio e computador com ligação à internet

Tarefa: Faça uma breve pesquisa, retirando referências sobre o autor do poema e da sua obra.

Sugestão: – Nascimento (data e local); – Locais onde viveu; – Formação/educação; – Atividade profissional desenvolvida; – Morte (local e data); – Obra publicada.

3.      Discussão e avaliação da implementação da prática profissional

No início da abordagem do tema, ao ser-lhes apresentado o poema “Fragmento de um madrigal extraviado”, de Vitorino Nemésio, como tarefa inicial, instalou-se na turma um ambiente de silêncio e desconfiança. A dificuldade em abordar um texto literário e o desconhecimento da linguagem utilizada no poema terão sido os fatores que originaram aqueles sentimentos nos alunos.

No desenvolvimento da tarefa 1, os alunos sentiram dificuldade em realizar o que lhes era proposto, dado o elevado grau de abstração do conteúdo do texto poético e do modo como os termos/conceitos científicos nele estão articulados. Num primeiro momento, lendo-se o poema pausadamente, os alunos com a ajuda do professor sublinharam os termos que lhes pareciam relacionados com a ciência, bem como aqueles que desconheciam. Num segundo momento, os alunos procederam a uma pesquisa na internet, tentando descodificar a linguagem encontrada no texto, recolhendo informação que foi tratada numa primeira síntese, onde se procedeu a uma articulação entre o poema e os termos/conceitos nele inscritos. Desta síntese surgiu a necessidade de se formular o problema “Como é constituída a matéria?”, abordado na tarefa 2.

Aquando da realização da tarefa 2, o professor forneceu informação adicional, tanto em suporte digital como em suporte em papel. Na concretização desta tarefa, o professor viu-se na necessidade de orientar a pesquisa dos alunos, dado que estes se centraram exclusivamente em informações retiradas da Wikipédia, com uma informação generalista e pouco aprofundada dos assuntos. Após diálogo e discussão, procedeu-se a uma síntese onde se articularam os conceitos com o problema ao qual se queria dar resposta.

Na tarefa 3, os alunos procederam de modo semelhante ao efetuado na tarefa anterior, tendo-se, no final, procedido a uma síntese global – desde o início do estudo – focando-se os conceitos descritos nas sugestões das tarefas. A síntese culminou com uma nova análise do poema em estudo, à luz dos conhecimentos adquiridos até ao momento. Da discussão, aquando desta síntese, formulou-se o problema com o qual se daria continuidade ao estudo do tema: “Como funciona uma central nuclear”.

As restantes tarefas decorreram de modo similar às descritas anteriormente, respondendo-se sempre às questões e problemas levantados pelos alunos, tendo-se efetuado sínteses, desenvolvido e consolidado conteúdos e, na última tarefa, os alunos foram desafiados a conhecer o autor do poema e a sua obra.

O papel do professor, nas diferentes fases, revelou-se da maior importância, pois permitiu a articulação e análise do conteúdo do poema, quer a nível literário, quer a nível de conteúdos científicos. No decorrer de todo o desenvolvimento das aulas, o professor teve sempre presente que a formulação dos problemas deveria ser uma tarefa dos alunos apenas com a orientação do professor, de modo a que fossem apropriados por eles. Quando se realizaram as sínteses, houve o cuidado de haver um controlo da interpretação dos resultados e sua articulação, pois assim estava garantido o crescimento dos conceitos na aprendizagem dos alunos. É de salientar que, após se efetuarem as sínteses dos assuntos tratados nas tarefas, os alunos iam elaborando, em grupos de dois, documentos em power point para serem apresentados como produto final de todo o tratamento do tema. A construção destes documentos em power point permitiram ao professor avaliar a aprendizagem dos alunos ao longo do processo de ensino e de aprendizagem do tema.

A constante revisitação dos conceitos, à medida que se ia progredindo no estudo e na construção do produto final, permitiu também que fosse efetuada, a cada momento, uma avaliação formativa pelos alunos, de modo a contribuir para a consolidação dos conhecimentos que se queriam ver estudados, aprendidos com eficácia e aplicados a situações concretas e diversas da atividade humana, tais como na saúde e no ambiente.

A apresentação do produto final do estudo foi efetuada em aula aberta para a comunidade escolar envolveu outras turmas e os respetivos professores. Nesta aula, os assuntos pesquisados foram expostos pelos alunos em apresentações em power point. No decorrer da apresentação estava bem patente no rosto dos alunos a alegria por estarem a dissertar e explicar um assunto que, à partida, não era de fácil compreensão. No final, foi projetado, lido e analisado o poema de Vitorino Nemésio não restando dúvidas de que estavam enganados aqueles que antes tinham duvidado da eficácia da metodologia seguida.

4.      Conclusões e Considerações finais

Neste trabalho propusemos estratégias de abordagem, dando exemplos claros de como se pode implementar, a nível de sala de aula, a articulação entre as diferentes disciplinas do conhecimento, particularmente entre a Literatura e a Ciência. Assim, cremos ser possível encarar o ato de ensinar de uma forma abrangente, tentando diminuir as lacunas existentes e as falhas de comunicação entre as humanidades e as ciências, além de se proporcionarem aos alunos aprendizagens ativas e globalizadoras nas diferentes áreas do conhecimento.

A abordagem aqui proposta proporciona vias de um diálogo entre os professores das diferentes áreas, para partilhar experiências e conhecimentos e desafia a novas abordagens na formação dos docentes, inicial e contínua. Finalmente convida aos professores, individualmente considerados e com apetência pela literatura a procurarem através da autoformação, práticas de ensino que articulem as duas culturas.



Referências


Referências

Galvão, C. (2006). Ciência na literatura e literatura na ciência. Revista Interacções, 3, 32-51. (htpp://www.eses.pt/interaccoes).

Gouveia, R. (2013). Antologia de Autores Transmontanos. Porto: Lema d’Origem.

Lopes, J. B. (1994). Resolução de problemas em Física e Química – Modelo para estratégias de Ensino-Aprendizagem. Lisboa: Texto Editora.

Lopes, J. B. e Costa, N (1994). Modelo de Ensino-aprendizagem de Física centrado na resolução de problemas: Conceitos Chave, princípios e estrutura global. Revista de Educação, IV(1/2).

Lopes, J. B. (1997). De Exercícios a Problemas, uma experiência na formação inicial de professores. In Leite, L et al., Didácticas Metodologias da Educação. Universidade do Minho, pp. 807-816. (ISBN: 972- 8098 – 21 9).

Lopes, P. (s.d.). Literatura e linguagem literária, Universidade Autónoma de Lisboa (http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-lopes-literatura.pdf) – retirado da internet em nov. de 2014

Nemésio, V. (1972). Limite de Idade. Lisboa: Editorial Estúdios Cor.

Schatzman, E (s.d.). Ciência e Sociedade. Coimbra: Livraria Almedina.

Snow, C.P. (1996). As duas Culturas (1ª ed.). Lisboa: Editorial Presença.

Torga, M. () Diário Vols I a VIII (2ª ed.). Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Wellek, R.&Warren, A. (s.d.). Teoria da Literatura, Publicações Europa América – 4ª edição.

Zanetic, J. (2016). Física e Arte: uma ponte entre duas culturas. Pro-posições, 17(1), 39-57.

Morin, E. (2014). É preciso educar os educadores. [Entrevista de Edgar Morin a O Globo em 20-08-2014]. Retirado de http://www.fronteiras.com/entrevistas/entrevista-edgar-morin-e-preciso-educar-os-educadores em fevereiro de 2015.