Sensos-e Vol: III Num: 2  ISSN 2183-1432
URL: http://sensos-e.ese.ipp.pt/?p=11918

UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA A GEOMETRIA VETORIAL NO ENSINO MÉDIO

Autor: Daniella Assemany Afiliação: Universidade do Porto

Resumen: Diante do currículo fragmentado na escola brasileira e da observação de que alguns conceitos não são amplamente compreendidos pelos alunos, apresenta-se um relato da prática docente referente à elaboração, aplicação e investigação de uma Proposta Metodológica de Ensino para estudantes do nível médio, em que o conceito de vetor foi tomado como ponto de partida, a Geometria Vetorial como estrutura e promoveu-se o engendramento de conteúdos. Esta proposta propiciou ressignificar os conceitos matemáticos, apresentando-os com uma nova roupagem.
Palabras-Chave: proposta metodológica de ensino, Geometria Vetorial, ensino médio

Abstract: Facing the fragmented curriculum in Brazilian school and the observation that some concepts are not widely understood by students, this study presents an account of the teaching practice regarding the preparation, implementation and investigation of a Teaching Method Proposal for secondary school students, in which the concept of vector is taken as its starting point, Vectorial Geometry is taken as its structure and the engendering of the contents is promoted. This proposal led to the reframing of the Math concepts, presenting them with a new look.
Keywords: teaching method proposal, Vectorial Geometry, secondary education

UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA A GEOMETRIA VETORIAL NO ENSINO MÉDIO

Autor: Daniella Assemany Afiliação: Universidade do Porto

1. Sobre a proposta metodológica

A experiência docente(*) da autora deste relato, ministrando diversos assuntos de matemática no ensino superior a partir da grandeza vetorial, influenciou majoritariamente para o desenvolvimento de uma proposta metodológica para a matemática do ensino médio através do conceito de vetor, elegendo-o como aspecto básico e primordial para a maioria dos conteúdos subsequentes.

As inquietações com o currículo fragmentado brasileiro (PCN, 1999) e a aprendizagem ineficaz dos alunos da escola secundária (Nasser, 2009; Rezende, 2003) propiciaram ressignificar os conteúdos de matemática na prática letiva, recorrendo ao conceito de vetor como base e à Geometria Vetorial como estrutura. A utilização dos vetores como uma via de geometria dinâmica para dar sentido aos diversos conteúdos do ensino médio transformou-os ao olhar do professor, apresentando-os a partir de outras características.

Os estudos apresentados por Bittar (2013) justificam a utilização dos vetores nos programas curriculares desde o 4o ciclo do ensino fundamental, assim como ocorre nas escolas francesas. A referida autora mostra, através do Registros das Representações Semióticas de Duval, que a Geometria Vetorial configura-se para o aluno como ganho de mais uma ferramenta na resolução de problemas já conhecidos quando é apresentada inicialmente como um ente geométrico para resolver problemas de geometria. Ademais, ela aponta estudos sobre as dificuldades dos alunos na aprendizagem do conceito de vetor.

A iniciativa para elaborar, desenvolver e pôr em prática uma proposta metodológica para o ensino médio originou-se há dez anos como resultado de reflexões acerca dos processos de ensino e aprendizagem dos alunos. O conhecimento matemático e a vivência profissional da autora deste relato foram propulsores para a aplicação prática e experimental de uma metodologia de ensino em uma escola pública e federal do Rio de Janeiro, Brasil. No ano de 2006, o ensino médio do referido colégio sofreu mudanças curriculares baseadas na proposta que será explicitada. O objetivo principal era permitir uma associação consistente entre os assuntos estudados na escola, reconfigurando os conteúdos de matemática das três séries do ensino médio, partindo do conceito de vetor, e promovendo uma forma de relação que denominou-se de ‘fluida’ neste trabalho, a qual será explicada posteriormente na Mídia 1.

Entre os anos de 2006 e 2013, inclusive, o engendramento de conteúdos de matemática foi sendo cultivado, incentivado, aplicado e reformulado com as turmas de ensino médio do referido colégio, de forma experimental, observadora e analítica, constituindo-se em uma Proposta Metodológica de Ensino. Primeiramente, a aplicação deu-se na 1a série e, posteriormente, estendeu-se às 2a e 3a séries. Nesse período, as versões da proposta foram sendo testadas e modificaram-se conforme observação e reflexão das respostas dos alunos, postos em atividades sob uma ótica investigativa. A aplicação da proposta, seus resultados e modificações serão explicitados nas seções seguintes.

Vale ressaltar que a proposta – em sua versão do ano de 2011 – foi utilizada como referência em pesquisas do Projeto Fundão(*) sobre a transição do ensino médio para o superior. Os estudos de Nasser, Souza e Torraca (2012) mostram que esta proposta é uma abordagem metodológica que colabora minimizando as dificuldades dos alunos ingressantes na disciplina de Cálculo I e a destacam como sendo a possibilidade de um currículo em espiral, no qual os conteúdos são constantemente revisitados (p. 16).

Para fundamentar a proposta, buscou-se valorizar a visão geométrica dos alunos, incentivando esse olhar aos assuntos abordados em todo o ensino médio, inclusive àqueles nos quais a interpretação tradicionalmente explorada é exclusivamente algébrica. De maneira concisa, pode-se afirmar que a utilização do conceito de vetor no início da 1a série do ensino médio proporciona, dentre outros:

  • A construção da representação gráfica de uma circunferência, através do conceito de módulo de vetor.

  • A possibilidade de explorar a geometria euclidiana no plano cartesiano.

  • A utilização das transformações no plano para o ensino de trigonometria, promovendo: a visualização e compreensão dos arcos no círculo a partir da rotação de um vetor em torno da sua origem; a utilização da geometria euclidiana como uma ferramenta para o estudo da trigonometria; a determinação da equação da reta a partir da translação de um ponto segundo um vetor; a simetria central e axial como ferramentas de localização cartesiana dos vértices de polígonos regulares centrados na origem.

  • A determinação da função afim a partir do estudo da equação da reta.

  • A constituição da expressão algébrica de uma determinada função ou de uma cônica, a partir de sua designação mais simples, através do conceito da translação.

  • A translação de gráficos de funções ou de cônicas.

  • O estudo da geometria espacial – tradicionalmente explorada apenas por suas medidas de comprimento, superfície e capacidade – a partir do conceito de vetor em lR3 .

  • A visualização geométrica e espacial dos planos – cuja representação algébrica constitui um sistema linear – através das relações entre os vetores normais, principalmente nos casos em que o sistema não é possível e determinado.

  • A conceituação de matrizes como um conjunto de vetores linha (ou coluna), propiciando a construção de significados de algumas operações matriciais que se equivalem às operações vetoriais já conhecidas(*) .

  • O auxílio da geometria plana e dos vetores em lR2 para o estudo de números complexos e suas representações geométrica e trigonométrica.

Como um meio direto de visualizar a proposta de interligação da maioria dos conteúdos de matemática do ensino médio, apresenta-se um fluxograma, no qual é importante observar alguns detalhes, tais como:

  1. O video apresenta uma forma de relação entre os conteúdos, na qual utilizou-se: setas de um e dois sentidos; objetos (conteúdos); cores que se identificam nas setas e objetos.

  2. Os conteúdos estão se relacionando e mostrando graficamente, através das setas, as possibilidades de ‘caminhos’ a percorrer, possibilitando ao professor múltiplas alternativas de planejamento didático.

  3. Acerca de uma visão geométrica do fluxograma, pode-se dizer que o único ponto de partida é o objeto ‘Vetores’ e os pontos de chegada (finais) são os objetos ‘Geometria Espacial’, ‘Números Complexos’ e ‘Gráficos’.

  4. Todos os conteúdos selecionados do ensino médio – e que fazem parte do fluxograma – estão em um processo de relação com outros conteúdos, articulando-se de forma fluida e contínua (exceto os pontos finais, indicados anteriormente).

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Mídia 1 – Proposta fluida de associação de conteúdos a partir do conceito de vetor
(P.A.: Progressão Aritmética e P.G.: Progressão Geométrica)

Com relação à abrangência dos conteúdos do fluxograma, não foram contemplados tópicos de combinatória, probabilidade, estatística, lógica e outros referentes à matemática discreta. O fluxograma foi elaborado apenas com os temas que propiciam associação, os quais representam em torno de 84% do currículo do ensino médio, tomando-se por base a média de conteúdos indicados pelas normas de ensino do Brasil. Isso deve-se ao fato de que os assuntos referentes à matemática discreta não têm relação com as características geométricas, algébricas e numéricas que constituem o vetor.

A proposta constitui-se como uma possibilidade de engendramento de conteúdos sobre a qual já foi construído um material didático com tarefas de matemática para atividades em sala de aula. Para ilustrar de forma pedagógica a concepção epistemológica adotada, encontra-se um exemplo na próxima seção.

2. Um breve recorte da Proposta Metodológica de Ensino

Apresenta-se uma ínfima parte da proposta para tentar explicitar o engendramento de conteúdos no ensino da Trigonometria no Círculo a partir do conceito de vetor.

Recorrendo ao fluxograma (Mídia 1), é possível perceber que os vetores podem conectar-se aos estudos das Transformações no Plano, nomeadamente: translações, simetrias, rotações e homotetias. No âmbito das Rotações do Plano, conceitua-se como: uma transformação que produz um giro de um objeto em torno de um centro fixo, segundo um ângulo determinado. Inicialmente, considera-se esse objeto como sendo um vetor v, representado pela Figura 1.

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Figura 1 – Vetor centrado na origem do plano cartesiano e ângulo de inclinação de medida zero grau (com o eixo OX positivo).

A Figura 2 representa a rotação de v, em torno da origem, segundo um ângulo θ. O resultado será um vetor u, de modo que a extremidade do vetor v descreva um arco de medida θ.

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Figura 2 – Rotação do vetor v em torno da origem, segundo o ângulo teta.

Ao considerar o ângulo  θ = 360o, a rotação do vetor v, em torno da origem, segundo um ângulo de 360o, faz com que a extremidade do vetor descreva uma circunferência de raio de medida |v|. Isto é, a extremidade do vetor percorreu uma distância que representa o comprimento da circunferência de centro em O e raio |v|, ou seja, 2π|v|, conforme a Figura 3.

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Figura 3 – Rotação do vetor v em torno da origem, segundo o ângulo de 360 graus.

Partindo dessa ideia, o professor tem a possibilidade de explorar vários conceitos: o comprimento do arco, utilizando-se de uma simples regra de três; o círculo trigonométrico, quando o vetor é unitário; os arcos múltiplos, através de rotações iguais (12 de 30o ou 8 de 45o ou 6 de 60o ou 4 de 90o ou 2 de 180o); as noções de seno e cosseno dos arcos sem recorrer à fórmulas ou regras prontas, que indicam o caminho da memorização para os alunos (Azevedo, 2013) e (Assemany, Silva, Arquieres, Marques & Barino, 2014). Para isso, deve-se determinar as novas coordenadas do vetor resultante ao variar o ângulo de rotação.

Para exemplificar alguns desses conceitos, sugere-se uma atividade indicada para a introdução da Trigonometria no Círculo, uma vez que os pontos divisores de uma circunferência são extremidades dos vetores canônicos e suas coordenadas são o seno e cosseno dos arcos formados com o eixo positivo.

2.1. Atividade sugerida

Considere uma circunferência determinada pela rotação do vetor (1,0) sobre a origem do plano cartesiano, segundo um ângulo de 360o. Esboce seu desenho no papel milimetrado e divida-a em 12 partes iguais, a partir da interseção com o eixo OX. Em seguida, faça o que se pede:

a)  Indique a medida em graus (no sentido positivo) do arco determinado por cada ponto divisor e a origem da circunferência.

b)  Localize os pontos divisores dos seguinte arcos: π/6 rad , 2π/6 rad, 3π/6 rad, 4π/6 rad, 5π/6 rad , 6π/6 rad, 7π/6 rad, 8π/6 rad, 9π/6 rad, 10π/6 rad, 11π/6 rad e 12π/6 rad. O que você observa?

c) Observe os pontos divisores dos seguintes arcos: π/6 rad , 5π/6 rad, 7π/6 rad e 11π/6 rad. Quais as relações geométricas que você identifica entre estes arcos?

d)  Observe os pontos divisores dos seguintes arcos:  π/3 rad , 2π/3 rad, 4π/3 rad e 5π/3 rad. Quais as relações geométricas que você identifica entre estes arcos?

e)  Determine as coordenadas dos vetores cujas extremidades são os arcos π/6 rad, 5π/6 rad , 7π/6 rad, 11π/6 rad.

f)   Determine o seno dos ângulos cujas medidas dos arcos são:  π/6 rad, 5π/6 rad , 7π/6 rad, 11π/6 rad. (Utilize o triângulo retângulo que se forma pelo vetor e sua projeção ortogonal no eixo.)

g)  Determine o cosseno dos ângulos cujas medidas dos arcos são:  π/6 rad, 5π/6 rad , 7π/6 rad, 11π/6 rad. (Utilize o triângulo retângulo que se forma pelo vetor e sua projeção ortogonal no eixo.)

h)  Observe suas respostas aos itens f) e g) e compare com as coordenadas indicadas no item e). O que você pode inferir?

i)   Discuta com os colegas e o professor sobre suas reflexões.

Essa atividade tem o objetivo de conduzir o aluno às seguintes percepções:

  • Identificação dos vetores simétricos em relação aos eixos e/ou origem.

  • Reconhecimento de que cada uma das 12 partes de 30o representa uma fração de π/6 rad, o que auxilia na determinação da medida do ângulo em radianos, assim como as 8 partes de π/4 rad ou 6 partes de π/3 rad, etc.

  • Estímulo à geometria analítica, especialmente ao plano cartesiano e aos recursos da geometria plana e trigonometria no triângulo retângulo, para o desenvolvimento de conceitos e habilidades em matemática e nos conteúdos posteriores.

  • Correlação das coordenadas dos vetores aos valores do seno e cosseno dos arcos, sem recorrer a fórmulas e regras de sinais.

 3. Implementação e Constituição da Proposta Metodológica de Ensino

No ano de 2006, a autora deste relato deu início à implementação da primeira versão da Proposta Metodológica de Ensino – PME nas turmas de 1a série do ensino médio do colégio(*) público brasileiro referido anteriormente, atuando como professora. A cada ano, alguma inserção ou adaptação ou alteração na proposta era feita por ela, de acordo com o feedback dos alunos em sala de aula e/ou pesquisas pontuais. Contudo, nem sempre a autora atuou como professora regente de todas as turmas. Quando isso acontecia, ela mantinha a função de coordenadora da série, fazendo um acompanhamento semanal com os professores e orientando-os para que as aulas estivessem conforme a PME.

A tabela a seguir explicita o que foi produzido em cada ano de implementação da PME.

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Tabela 1 – Estrutura da aplicação e reformulação da proposta

Relativamente às pesquisas realizadas no período de implementação e constituição da PME, destacam-se:

  • Em 2011 - Assemany e Azevedo (2011) mostram o trato puramente geométrico na determinação das raízes complexas de um número complexo, abordado com os alunos da 3a série do ensino médio.

  • Em 2012 – Nasser e outros (2012) apontam que os alunos egressos do colégio C tiveram um bom aproveitamento, em comparação com outras escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro, quando defrontados com situações-problema referentes ao Cálculo.

  • Em 2013 – Azevedo (2013) apresenta alguns resultados sobre a PME com estudantes do ensino médio do colégio C, que serão destacados no próximo tópico. Assemany e Harab (2013) relatam uma parte da PME, nomeadamente o ensino de números complexos. Assemany, Nasser, Alves, Azevedo e Torraca (2013) descrevem a PME relativa à 1a série do ensino médio. Assemany e outros(*) (2014) categorizam os obstáculos epistemológicos dos alunos do colégio C e os comparam com os de estudantes do ensino superior, conforme a próxima seção.

Destacar-se-á os principais tópicos que constituíram cada versão da proposta:

1.1. A primeira versão era bem parecida com a PME. No entanto, alguns engendramentos ainda não eram tão definidos e bem relacionados. Por exemplo: A equação da circunferência pode ser determinada apenas pelo simples fato do módulo do vetor ser igual ao raio, sem recorrer à fórmula. Essa é uma conclusão óbvia para os alunos que estudaram vetores, pois basta utilizar esse conceito para sua dedução, ou de forma literal ou com os valores do próprio exercício.

1.2. A segunda versão foi alterada pelo motivo anterior apresentado. Situações como essa aconteceram em sala de aula e propiciaram à professora (autora deste relato, idealizadora e desenvolvedora da PME) a repensar as situações que deveriam ser incluídas, retiradas, reconectadas, revistas, ressignificadas e reorganizadas. Um exemplo da versão de 2007, que não estava na versão de 2006, foi o Estudo da Reta antes da Função Afim, a qual não se configurou como sendo y = ax + b por via da memorização. Para determinar uma reta, os alunos perceberam (primeiro visualmente e depois vetorialmente) que bastava transladar um ponto dado, segundo um vetor (que tinha a direção da reta), pois assim determinavam um outro ponto da reta. Para determinar um terceiro ponto, fariam isso novamente, sucessivas vezes, até determinarem a equação vetorial da reta, que poderia conduzir a qualquer forma de equação, inclusive à reduzida (afim, se y for a variável independente).

1.3. A terceira versão continha alterações significativas. Foram incluídas as transformações de translação, rotação, simetria e homotetia com o apoio do software GeoGebraTM; a análise das funções Afim e Quadrática foi feita com um olhar amplo, no qual era possível determinar áreas e translações; resolver equações/inequações graficamente; e a construção de suas representações gráficas levou em conta suas propriedades geométricas. Embora o conceito de vetor estar presente desde a versão de 2006, a Geometria Vetorial passou a ser estabelecida na PME somente a partir da versão de 2010. Foi o amadurecimento com as versões anteriores da proposta que promoveu a elaboração da primeira versão para a 3a série (3.1), e que também possibilitou que a versão de 2010 da 2a série fosse ligeiramente desconstruída.

1.4. A quarta e última versão da proposta da 1a série foi composta apenas de algumas adaptações à versão de 2010, em que a Geometria Vetorial ficou conceituada como uma abordagem vetorial que permite e promove integração de conteúdos.

2.1. A primeira versão da 2a série buscou manter o compromisso de ensino das funções e seus gráficos pela Geometria Vetorial, que deveria ser construída pelo professor regente, que não era a autora neste ano. A proposta na 2a série ainda era experimental, uma vez que o foco maior concentrava-se na 1a série, cuja proposta já estava em sua segunda versão reelaborada.

2.2. A segunda versão da 2a série teve um foco menor na geometria, uma vez que notou-se certa fragilidade algébrica nos estudantes que chegavam à 2a série. Contudo, aproveitou-se para dar ênfase aos tópicos da matemática discreta (combinatória, probabilidade, estatística, matemática financeira) e às funções algébricas reais – gráficos, equações e inequações.

3.1. A primeira versão da 3a série contemplou todos os conteúdos remanescentes do ensino médio, a saber: números complexos, polinômios, matrizes e determinantes, sistemas lineares, cônicas, geometria espacial, estudo de vetores, retas, planos em lR3, esfera e superfície esférica. Para confeccionar a proposta, alguns desses conteúdos foram explorados pela Geometria Vetorial, como os números complexos (Assemany & Azevedo, 2011), a geometria espacial – especificamente os prismas, juntamente com os sistemas lineares e as equações dos plano – as matrizes e a esfera.

3.2 e 3.3. A segunda versão da 3a série apresentou-se mais consistente por ter o resgate às transformações no plano por via das matrizes, possibilitando que os alunos pudessem elaborar um mini projeto matemático de um simulador de movimentos por meio da translação e rotação de vetores, conforme apresentado por Sandres, Correa, Nedjah e Mourelle (2012). Além disso, os polinômios receberam uma abordagem que justificasse a função polinomial, dando mais sentido ao seu estudo, e os outros conteúdos acabaram por engendrar-se naturalmente, acomodando-se e contribuindo para a construção de uma Proposta Metodológica de Ensino para as turmas de 1a, 2a e 3a séries, representada pelo fluxograma da Mídia 1.

Como consequência da prática docente e implementação da PME, realizaram-se estudos sobre o ensino da matemática e pautados em experiências próprias, a saber: classe de estudantes do ensino médio, orientandos de monografias de final de curso universitário e grupos de discussão acerca do tema. Referente às investigações nestes oito anos de aplicação prática da abordagem didática, serão apresentadas apenas duas pesquisas diferentes, evidenciando-se alguns dados recolhidos e os respectivos resultados obtidos.

4. Alguns resultados de investigações

Em sua monografia(*), Azevedo (2013) defende que a presença dos vetores na estrutura curricular do ensino médio é um diferencial positivo para estudantes na transição para o ensino superior. Esta pesquisa apoiou-se em PCN (1999) como referencial teórico e o trabalho de campo deu-se através de métodos qualitativo e quantitativo em quatro etapas: i) acompanhamento semanal das aulas de matemática em uma turma de cada série do ensino médio nos anos de 2010 e 2011, e diálogos com os professores regentes destas turmas; ii) participação na elaboração de atividades e avaliações para as turmas acompanhadas; iii) aplicação de questionários a grupos de alunos e ex-alunos do colégio C; iv) análise dos dados.

Para analisar as contribuições da abordagem vetorial, Azevedo (2013) descreveu cautelosamente a proposta metodológica aplicada à 1a série do ensino médio e apresentou alguns reflexos nas séries posteriores, como a utilização de softwares de geometria dinâmica, nomeadamente o GeoGebraTM, na construção de significados algébricos por intermédio do conceito de vetor. Os objetos de recolha de dados apresentavam-se em forma de questionários a dois grupos: os concluintes do ensino médio e os que ingressaram no ensino superior em alguns cursos de ciências exatas. Conforme Azevedo (2013), a pesquisa mostrou que os alunos de ambos os grupos se tornaram mais perspicazes a deduzir fórmulas, ao invés de memorizá-las, e a representar de diversos modos os mesmos objetos, através de vários olhares em diferentes momentos do ensino médio, por consequência da estrutura interconectada dos conteúdos: (…) a abordagem baseada na Geometria Vetorial parece oferecer um preparo melhor para os alunos na transição do Ensino Médio para o Ensino Superior (p. 67).

O estudo quantitativo indicou, dentre outros, que 85% dos alunos utiliza os conceitos de vetores em alguma outra área do conhecimento. Com relação à avaliação de seu próprio ensino, 77% atribuiu o valor ‘ótimo’ ou ‘muito bom’, 18% considerou ‘bom’, 5% indicou ‘regular’ e ninguém optou por ‘ruim’. A investigação qualitativa das respostas dissertativas do questionário sobressaltou o destaque positivo dos alunos quanto ao método de ensino diferenciado, pois permitiu adquirir um olhar amplo sobre o conteúdo e obter diversas ferramentas para a resolução do mesmo problema.

Como consequência dos estudos de Azevedo (2013), deu-se início a outra investigação acerca da estrutura curricular do ensino médio através do registro das representações semióticas em educação matemática, desenvolvida por Assemany e outros (2014). Apoiados na metodologia dos obstáculos epistemológicos de Bachelard, os autores realizaram uma investigação na qual buscaram evidenciar os ‘entraves à aprendizagem’ através da resolução de questões de matemática do ensino médio. Os sujeitos da pesquisa foram alunos do ensino médio do colégio C e do ensino superior dos cursos de Matemática e Física de uma universidade pública. Os resultados mostraram que os estudantes do ensino médio acertavam imediatamente, ou expunham vários recursos diferenciados para a resolução (Assemany e outros, 2014, p. 9). Já os alunos do ensino superior, tentavam algo que lhes fosse o tradicional, o conhecido, como uma fórmula, uma figura convencional, uma representação habitual (Ibidem, p.10). Esses dados apontaram para a escassa utilização de fórmulas e à priorização do raciocínio dos alunos do colégio C, em comparação com os da universidade.

Após a aplicação da proposta, surgiram algumas questões relacionadas à concepção da matemática escolar e à metodologia utilizada pelos professores em sala de aula. Para Carreira (2010), é essencial não desperdiçar as oportunidades de utilizar as conexões matemáticas na aprendizagem, integrando e propiciando a coerência dos conceitos: É impossível entender um conceito novo sem o relacionar com conceitos anteriores, sem elementos de mediação, sem analogias, pontes, metáforas, contextos, experiências (p. 1).

5. Considerações finais

De fato, acredita-se que esta não é a única forma de se propor o currículo da Geometria Vetorial do ensino médio. A proposta apresentada constitui-se como uma possibilidade de conexão de conceitos, mesmo que, em dada escola, cidade ou país, não haja correspondência com a abrangência de tópicos de matemática.

Com base no que se expôs neste relato, aspira-se contribuir para o ensino e a aprendizagem da matemática por meio da mudança de paradigmas que a proposta metodológica de engendramento de conteúdos promove, incentivando as pesquisas na área para que a geometria vetorial seja amplamente utilizada pelos professores e alunos da escola básica.



Referencias


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Assemany, D. & Harab, L. (2013, setembro). Potencializando o Ensino de Números Complexos a Partir da Abordagem Vetorial. Atas do VII Congresso Iberoamericano de Educação Matemática. Montevidéu, Uruguai. (pp.624-633 – ISSN 2301-0797)

Assemany, D., Nasser, L., Alves, G., Azevedo, C. & Torraca, M. (2013, setembro). A Influência de uma Abordagem Vetorial para o Ensino Médio na Aprendizagem de Cálculo I. Atas do VII Congresso Iberoamericano de Educação Matemática. Montevidéu, Uruguai. (pp. 594-605 – ISSN 2301-0797)

Assemany, D., Silva, A. S., Arquieres, D. Marques, J. & Barino, M. E. (2014, setembro). Repensando o Currículo de Matemática do Ensino Médio Através do Registro das Representações Semióticas. Atas do XII Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, Vila Real, Portugal. (pp. 1272-1281)

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Bittar, M. (2013). O Ensino de Vetores e os Registros de Representação Semiótica. In S.D.A. Machado (org.), Aprendizagem em Matemática: Registros de Representação Semiótica (pp. 71-94). 8aed (1a reimpressão). São Paulo: Ed. Papirus.

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Nasser, L. (2009). Uma Pesquisa sobre o Desempenho de Alunos de Cálculo no Traçado de Gráficos. In M.C.R Frota & L. Nasser (org.), Educação Matemática no Ensino Superior – Pesquisas e Debates, 5, 43-58.

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