Sensos-e Vol: III Num: 1  ISSN 2183-1432
URL: http://sensos-e.ese.ipp.pt/?p=10496

Escola de Luta: um projeto de memória, de denúncia e de anúncio.

Autor: Elaine Santos Afiliação: Centro de Estudos Sociais - Universidade de Coimbra

Resumen: A centralidade da proposta é demonstrar a complexidade do processo pedagógico, contribuindo para pensarmos os posicionamentos frente aos impedimentos políticos e reais colocados nas escolas. Iniciaremos o artigo demonstrando alguns trabalhos realizados na Escola Estadual Parque Marajoara II. Ao longo do texto apresentaremos como os projetos foram pensados de acordo com a realidade e as dificuldades desta escola. Trataremos por fim dos mecanismos encontrados para burlar estas regras e permitir que os sujeitos, alunos e professores, tenham a utopia centrada na transformação, que só existe através da prática modificadora no mundo. No que entendemos ser um potencial para a formação de novos sujeitos, protagonistas de sua história. Analisaremos esta temática à luz de alguns dos projetos realizados na mesma escola desde 2007 até os dias atuais, finalizando com um vídeo produzido pelos alunos, acerca das mudanças políticas educacionais ocorridas em São Paulo no ano de 2015. 
Palabras-Chave: Escola, Projetos, Educação, Politica, Luta

Abstract: The objective is to demonstrate the complexity of the pedagogic process, contributing in order that the positions thinking in front of the political and real impediments put in the schools. We will begin the article demonstrating some works carried out in the State School Park Marajoara II. Along the text we will present as the projects were thought in accordance with the reality and the difficulties of this school. We will negotiate for end of the mechanisms found to swindle these rules and to allow that the men, pupils and teachers, have the Utopia centered in the transformation, which only exists through the modifying practice in the world. In what we understand to be a potential for the formation of new subjects, protagonists of his history. We will analyses this theme to light of some of the projects carried out in the same school from 2007 up to the current days finishing with a video produced by the pupils about what they think about the changes politics taken in 2015.

Keywords: School, Projects, Education, Politics, Conflicts

Escola de Luta: um projeto de memória, de denúncia e de anúncio.

Autor: Elaine Santos Afiliação: Centro de Estudos Sociais - Universidade de Coimbra

 

INTRODUÇÃO

Este texto tem inicio com a discussão do ensino por meio de projetos como uma alternativa frente às condições precárias das escolas públicas de São Paulo. De que projetos tratamos? Regularmente a ideia de um projecto em sala de aula é trazida por muitos teóricos da educação como propostas que tornem o ambiente mais prazeroso e com significado para os estudantes. Para Hernandes (1988) os projetos “não devem ser vistos como uma opção puramente metodológica, mas como uma maneira de repensar a função da escola” (1988, p.49).  Para Freire e Shor (2011) trata-se de vislumbrar a escola, dentro do seu contexto social e político, por meio de um ensino que a transforme bem como a realidade. Neste texto, o projeto mais amplo, pensado a partir da escola coexiste com um projeto de vida e sociedade embasados na vontade de fazer algo diferente em meio a marginalização escolar. O ponto axiomático se dá frente a carência estrutural, material e humana numa escola estatal paulistana. Assim sendo, o processo de projetar é o de analisar o presente como fonte de possibilidades futura, isto é, reinventar o conhecimento crítico com os alunos (Freire & Prado, 1999).

A escola pública no Brasil não está abandonada, ao contrário, está salvaguardada em sua condição de abandono. Considerando que estamos em uma sociedade cujo modo de produção é o do lucro a priori, a escola brasileira cumpre a função que lhe cabe; a do abafamento social, da contenção dos alunos dentro de um prédio arquitetónico prisional, local da reprodução dos valores dominantes. Essa conjuntura tem implicações na formação dos alunos, bem como no valor social da profissão do educador, que, desvalorizado, enxerga o próprio trabalho como algo temporário enquanto o mercado de trabalho não lhes oferece melhor oportunidade ou como complemento de renda. Tal situação reforça o não reconhecimento do trabalho docente como um trabalho em seu sentido clássico, logo, este grupo fica cada vez mais submetido e atado as transições institucionais em uma espécie de autonomia controlada (Enguita, 2011).

 

As reformas educacionais dos últimos anos no Brasil colocaram a escola pública no limbo e atingiu o ponto nodal daquele que está a frente desta tarefa, ou seja, o professor. São Paulo orgulha-se de ter o mesmo partido governando há mais de vinte anos com uma política educacional cada vez mais mercantilista e de desvalorização do ensino. É o Estado onde, a cada mês, por volta de 172(*) professores pedem demissão/exoneração dos seus cargos públicos, tamanha violência a qual estão submetidos. No Brasil, o magistério é a profissão que mais causa esgotamento total, isto é, exaustão por via do estresse laboral, síndromes, transtornos e depressões[1]. Para além da violência exposta na realidade, do convívio com os alunos em suas subjetividades, o professor também se depara com demandas externas; avaliações periódicas, embasadas em critérios duvidosos, condicionam um aumento ínfimo em seu salário, além da quantidade exultante de trabalho extraclasse (Fernandes & Barbosa, 2014).

Em 2006, quando do inicio deste trabalho na Rede Pública Estadual de SP, notava-se que as escolas possuíam pouca ou nenhuma estrutura para dar conta dos estudantes, que, imersos no mundo tecnológico, deparavam-se com uma escola onde faltavam-lhes giz, quadros, carteiras e professores. Oriunda de uma escola pública e uma década após formar-me retornei e apercebi-me que tudo havia mudado e paradoxalmente permanecia igual. Reencontrei os meus professores, entretanto, minha perceção já não era a mesma, compreendia a origem dos meus vários limites, os científicos da escrita e da reflexão, enxerguei-me em meio aqueles alunos, em uma história que se repetia. A afirmação de Marx demonstrou-se verídica “os homens realmente fazem história, mas não a fazem segundo a sua livre escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” era essa a nossa realidade, limitada na liquidez veloz das transformações (Marx, 2011, p. 25). Minha atuação partiu desta inserção, por meio da “pedagogia situada”[1], da análise dos problemas de um período[2] que ainda não foram superados (Freire & Shor, 2011). Ao puxar este fio singular da realidade de uma escola, objetivou-se detetar problemas maiores da educação no tecido social. Como menciona Souza (2009, p.281) no caso Brasileiro perdura uma omissão na tarefa estatal em dar a todos os jovens a possibilidade de transforma-se por meio da educação. Souza (2009, p.295) afirma

 

Quando falamos de má-fé institucional, estamos nos referindo a um padrão de ação institucional que se articula tanto no nível do Estado, através dos planeamentos e das decisões quanto à alocação de recursos, quanto no nível do micro poder, quer dizer, no nível das relações de poder cotidianas entre os indivíduos que, dependendo do lugar que ocupam na hierarquia social, podem mobilizar de forma diferente os recursos materiais e simbólicos que as instituições oferecem. (Souza, 2009, p.295)

 

Sabendo que a educação não cunhou o processo económico, mas é resultante deste, a escola estatal, financiada com dinheiro da população, quase nunca dá respostas a formação humana mínima, ainda que seja no âmbito legal de acesso a educação. Ao contrário, segundo as pesquisas realizadas por Fernandez (2004, p. 7) a partir das transformações ocorridas na (LDBEN) Lei de Diretrizes e Bases de 1996, pareceu notório o interesse de tais órgãos numa educação mais universalizante que priorizasse o mercado. Tais documentos, redigidos pelos órgãos internacionais, marcam um momento histórico de abertura económica [1]. No que diz respeito aos formadores, alguns documentos sugeriam que estes deveriam exercer atividades laborais adicionais em períodos de licença, atividades que lhes atribuíssem maior aptidão em diversas funcionalidades. As recomendações dadas pelo Banco Mundial para os países em “desenvolvimento” são gritantes quanto ao retrocesso neoliberal. Dentre as quais, a abertura de universidades de baixo custo com cursos mais sensíveis às demandas mercadológicas; o ensino a distância como primazia e maiores investimentos das empresas privadas em universidades públicas; priorizando as pesquisas aplicadas, como comercialização, em detrimento das pesquisas puras (Fernandez, 2004, p. 3-10). Segundo Fernandez (2004)

 

Em síntese as recomendações do Banco Mundial poderiam ser resumidas: na educação básica como prioridade; ensino secundário destinado a atender as crescentes necessidades do mercado por trabalhadores flexíveis e adaptáveis e no ensino superior privatizado, flexível e voltado para o mercado, tanto no ensino como na pesquisa. Fica, portanto, muito clara a opção do Banco Mundial pela inserção da educação brasileira no ideário neoliberal com as consequências previsíveis desse processo. (Fernandez, 2004, p. 9-10)

 

Realizadas as alterações percebe-se que nada mudou para a população e o que vimos foram os depauperamentos do período, como por exemplo a diminuição dos investimentos estatais no setor publico e um aumento de escolas e universidades privadas com qualidade cada vez menor (Fernandez, 2004, 11). E recentemente, quando pensávamos já ter vivenciado todo o tipo de depreciação, houve, por parte do Governo Federal, o anúncio de uma Medida Provisória 746/2016[1] que, se aprovada, deve aprofundar os problemas já existentes. A crítica as políticas estatais, neste caso, é um mecanismo revelador face às contradições e os seus pressupostos gerais, pois, nesta conjuntura nenhum dos servidores públicos da educação parece ter a credulidade servil que o Estado vai garantir a formação humana na inteireza da sua complexidade, logo, a saída da mobilização parece ser a única possível. Uma tentativa de arrancar do Estado o tipo de educação que queremos (Marx, 2012, p. 46). No epílogo histórico da educação pública no Brasil notamos que ela subsiste arduamente. Como resume Saviani (2014, pp.16,17,18,19) a educação pública no Brasil, desde o período ditatorial (1964-1985) até a atualidade, conserva-se como: “filantropia, protelação, fragmentação e improvisação”

Dos debates em torno da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 20 de dezembro de 1961, o confronto era com os interesses privados que, capitaneados pela Igreja Católica, buscavam assegurar os subsídios públicos. Para tanto pousavam de defensores da liberdade de ensino alegando o direito das famílias de escolher o tipo de educação que deveria ser dado a seus filhos e combatendo o que chamavam de monopólio estatal do ensino. Como já indiquei, o novo e grande protagonista com pretensões de hegemonia no atual contexto da educação brasileira é o empresariado. Excetuado o ramo dedicado diretamente ao ensino, a saber, os donos de escolas que, por sinal, tiveram grande estímulo a partir da ditadura civil-militar instalada em 1964, o empresariado de modo geral se mantinha equidistante da educação considerada como algo que não lhe dizia respeito, tratada que era como um mero bem de consumo destinado à fruição dos indivíduos integrantes dos grupos sociais relativamente restritos que a ela tinham acesso. (…)  É preciso organizar um forte movimento dos educadores que se revele capaz de se sobrepor à sem-cerimônia dos empresários que, tendo como linha auxiliar suas organizações ditas não-governamentais, vêm procurando hegemonizar o campo educacional. É essa a tarefa que se nos impõe na hora presente: converter os discursos enaltecedores da educação em prática política efetiva, o que objetivamente se traduz na implantação de um verdadeiro sistema nacional de educação articulado a um consistente plano nacional de educação. Para isso será necessária uma grande mobilização dos setores populares articulados pelas várias organizações dos educadores reunidos em âmbito nacional, regional e local. (Saviani, 2014, para.16)

Considerando que nossa sociedade é a do capitalismo, do lucro como imperativo, do consumo extrapolado para todos os âmbitos da vida e não ainda não alcançamos a “sociedade do conhecimento” [1] como propagam alguns manuais, educação pública no Brasil tornou-se sinonimo de luta. Porém, mudaram as ferramentas, tem-se um outro tipo de capitalismo. O fato deste texto ser finalizado com um vídeo produzido pelos alunos do Brasil quiçá propagado em Portugal, demonstra outra capacidade de ação que não era exequível há décadas atrás. Contudo, a essência do atual sistema económico permanece inalterada, não temos acesso integral a todas as formas de comunicação, tampouco, capacidade de lidar com todas as singularidades causadas por tais transformações. Permanecemos sob o julgo das hierarquias de poder, logo, parece falaciosa aquela quimera que algumas experiências educativas realizadas por meio de atitudes benevolentes e voluntárias ensinadas na escola nos levariam a criar um futuro melhor. Obviamente tal principio norteador não é completamente descartável, entretanto, não parece possível, por exemplo, acabar com as guerras no mundo apenas exercitando a tolerância entre os jovens (Duarte, 2001, p.39). As dificuldades diárias vivenciadas em uma escola da periferia brasileira serão expostas neste artigo, intentando apontar a existência de um falseamento manipulado da realidade. Os projetos descritos demonstram uma luta para a restituição da voz silenciada, da autoestima inexistente dos alunos e do professor que, cada vez mais descrente da educação, se vê como um trabalhador vitimado que esbarra diariamente na indiferença social que assola a todos (Souza, 2009).

 

1 A ESCOLA E SEU ENTORNO

 

A Escola Parque Marajoara II pretende ser um espaço de oposição, de um projecto contra-hegemónico no cotidiano de muitos professores e funcionários que ali trabalham. Local onde é perder o contacto com o presente escancarado nas lutas diárias existentes. O ambiente é primado por um clima relacional hostil e harmonioso oblívio, uma espécie de luta de todos contra todos resvalada e confirmada por meio da submissão aos programas políticos do Estado que nos são colocados à força (Marx, 2012).

 

Para melhor apreensão do contexto tratado, de forma sucinta, relatar-se-á situação desta escola que está construída num bairro chamado Parque Marajoara II na Cidade de Santo André, SP. Circunscreve-se em um ponto que divide dois bairros, um antigo e periférico, chamado Cidade São Jorge e um bairro mais recente, com sobrados e prédios, chamado de Parque Marajoara II. Tal delimitação abrange uma multiplicidade de alunos frequentadores da escola, dentre os quais, alunos com dificuldades sociais e familiares graves, outros com uma vida melhor estruturada no âmbito do consumo. Conquanto, desconectados do grandioso mundo que os rodeia, a maioria destes alunos possuem uma relação distanciada com o conhecimento, não tiveram uma construção social simbólica do acesso ao estudo como possibilidade de transmutação (Souza, 2009). Considerando a desigualdade social como ponto de partida e perspetivando a educação como iniciação socializante na formação, ela precisa ser pensada como contraposição a este tipo de escola (Saviani, 2007). No mapa abaixo observa-se a localização da escola dentro da mancha urbana paulistana.

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Elaboração Própria – 2016

 

Este é o propósito maior deste artigo levar toda a comunidade escolar a repensar suas práticas e posturas diante a realidade e seu aviltamento cada vez mais escancarado. O que fazer? Perguntam-se aqueles que já são naturalmente negligenciados das decisões políticas. Faz-se aqui um resgate e uma propositiva para o futuro, que ainda nos parece um tanto ausente.

 

 

1.1   MEMORAÇÕES

No ano de 2007 aconteceu um fato de grande reflexo no aprendizado dos alunos; a escola perdeu sua quadra desportiva para abrigar um “galpão”[1] provisório onde estudariam alunos do Ensino Infantil até que a reforma fosse concluída. Ocorreram alguns protestos por parte dos estudantes, não obtiveram sucesso na resolução da problemática. Perderam a quadra e a possibilidade de extravasar suas energias e desenvolver suas potencialidades por meio desporto, também os professores de Educação Física perderam seu principal local de trabalho e todos perderam espaço físico. A contenção dos alunos em um espaço tão acanhado repercutiu diretamente nos seus comportamentos, consequentemente a sala dos professores tornou-se um lugar para reclamações atinentes à inquietude dos alunos. É importante ressaltar neste primeiro item que a lógica pedagógica do “aprender a aprender”, tão difundida e que pauta os livros pedagógicos, não contempla o que se vive, obviamente que os indivíduos precisam ter autonomia e buscar por si novos conhecimentos. Mas como realizar isto quando não detemos do mínimo, que é o espaço físico? Tais pedagogias ao fim e ao cabo são adaptativas às realidades e dificuldades individuais, existem enquanto teoria, mas não enquanto prática possível. Ou seja, embasam-se em uma educação voltada para acomodação e promoção da criatividade enquadrada na ordem vigente (Duarte, 2001).

Assim, em meio a trajetória do Doutoramento na Universidade de Coimbra, fui surpreendida para enarrar estas experiências em uma mesa redonda acerca da “Educação Social e Intervenção Social” (Abril/2016). Desta forma, compendiei parte destes aprendizados que, até então, eram somente a rotina de uma educadora. Contudo, a partir da frutífera discussão construída com os alunos da turma de 3º ano da Faculdade Educadores Sociais do Porto atentei-me à importância em reunir as discussões realizadas no âmbito académico com as problemáticas do ensino no seu cotidiano e em diferentes lugares do mundo. A imagem 1 retrata o evento.

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Acervo Pessoal – 2016

 

2. PROJETO MEMÓRIAS DAS MINHAS MEMÓRIAS

 

Na educação, iniciei com aulas de Geografia para estudantes da 5ª série do Ensino Fundamental II, sediada na mesma escola desde 2006 acompanhei o crescimento destes alunos. O primeiro projeto realizado surgiu de maneira previsível. Esta previsibilidade aparece em virtude conteúdos a serem trabalhados no 1º e 2º bimestre da 5ª série – conceito de paisagem, leitura de paisagens, paisagem e memória – evidentemente que em meio a estas temáticas o estudo do meio é de fundamental importância. Entretanto, não era uma orientação considerada executável, dada as dificuldades e responsabilidades de um professor que leciona para uma turma que possui em média 35 a 40 alunos [1], fato que torna tudo mais custoso e esgotante do ponto de vista psíquico e estrutural para ambos. Por mais contraditório que pareça, tendo em vista o possível e o ideal, os conteúdos são cobrados e devem ser seguidos fielmente pelos professores, ainda que tais conteúdos se afastem completamente da realidade dos alunos. Fundamentado o ensino em uma verdade que parece inquestionável e perdida nas brumas.

Desta feita, durante a realização de todos os projetos mencionados neste texto, apareceram dificuldades, desde a chamada “bagunça” [1] até condições de violência externa que interromperam os trabalhos. Na altura, em conversa com outros professores, atentei para o fato que muito do que seria feito durante as aulas, ainda que parecesse desarmónico com o habitual, poderia ser assimilado pelos alunos em outras disciplinas. Logo, os projetos faziam sentido em sua continuidade e era importante para os alunos realizar atividade ao ar livre. Cabe ressaltar que qualquer atividade na escola só se efetiva com o convencimento dos professores, que geralmente trabalham em demasia e são cobrados em relação aos conteúdos, gozam de pouco ou nenhum tempo para avaliar com acuidade cada aluno. Assim sendo, é preciso pensar em estratégias de convencimento, atinando para importância do trabalho na melhoria do ambiente escolar como um todo.

Emaranhada por estas perceções e vivências realizei o primeiro projeto, “Memórias das Minhas Memórias”.  Desta forma, o trabalho foi realizado com uma turma formada por 38 alunos entre 10 e 11 anos de idade. A sensibilidade foi a motivação inicial deste trabalho, pois a 5ª série um momento particularmente delicado na vida escolar de uma criança, representa o início de um novo ciclo de descobertas relativas a ambiência. No caso da geografia, segundo a proposta curricular do Estado de SP, espera-se que o processo de alfabetização alcance outro patamar, focado na compreensão do mundo e suas transformações. O intento foi que as crianças, já sem quadra desportiva, saíssem às ruas para conhecer a história do bairro contada por moradores antigo, fonte histórica em vida e destes relatos elaboraríamos um documento. São destas lacunas, ou seja, dos vazios e da inconformidade em passar 10 ou 11 anos [2] da vida em ambiente funesto, do ponto vista arquitetónico e organizativo que iniciamos como um grupo partindo da negação de um tempo que é aparentemente “perdido” no interior de uma escola.

Trabalhos como este se mostram importantes porque enriquecem a intelecção do mundo, revelam uma dimensão da realidade que permanecia desconhecida apresentando uma nova perspetiva. Consequentemente, o maior desafio [3] do projeto foi a pretensão de mudar minimamente a maneira de ser e agir das pessoas dentro e fora da escola, por meio do respeito aos saberes dos mais velhos, através da fala e da escuta, bem como o apreço ao espaço que nos receberia, que já não era mais a escola e sim uma Associação de Moradores. A premissa norteadora foi a perceção das diversas dimensões existentes no espaço geográfico, abrangendo não apenas objetos naturais e artefactos humanos, mas também a rede de relações criada pelo fluxo de pessoas, mercadorias capitais e transformações (Santos, 2006).

Assim, ao ouvir os relatos os alunos perceberam a dimensão sensível do espaço, ou seja, a história do lugar impressa na memória dos habitantes. Os alunos observaram que o bairro havia crescido, a praça passou a ter outro sentido quando se soube que ali passava um rio, a avenida principal havia se tornado uma grande zona comercial. Logo, o “nosso lugar” passou a ter um sentido histórico, o uso do espaço vivido revelou-se um elemento pelo qual poderíamos pensar a lógica daqueles acontecimentos, dos confrontos, das rotinas e a perceção que somos produtos e produtores (Santos, 2006, p.58).

Para que os alunos se apropriassem da valorização da memória, a atividade proposta visou favorecer o entendimento e a utilização dessa noção em contextos diversos e com atividades diferenciadas. Na sala de aula trabalhamos em grupos com seis alunos, elaboramos questões norteadoras sobre o que pretendíamos mostrar daquele espaço, elaboramos uma pesquisa de campo num formato mais lúdico, com perguntas que eram apresentadas como curiosidades.

Com base no que foi estudado e a partir das entrevistas, os estudantes conceberam um livro contendo também as impressões de cada grupo. A ideia do livro abrolhou como incentivo para que os alunos percebessem a importância da reativação da biblioteca [4], demonstrando a leitura do bairro por meio do olhar infantil. O livro também poderia ser utilizado como referência para os alunos e utilizadores da escola que quisessem pesquisar sobre o bairro. Além deste objetivo geral o projeto estava imerso em outros objetivos específicos que perpassaram cada momento da aula, mas que não foram um fim em si mesmo. Em outras palavras, um projeto não é capaz de realizar mudanças de paradigmas em todos os alunos, simplesmente por que há outras questões envolvidas nas dificuldades do ensino aprendizagem, a ideia foi chamar a atenção e iniciar uma atividade com significado, trabalhando com a valorização da autoestima na produção de algo fosse útil para outras pessoas. Esta realização acabou por alavancar outros projetos dentro da escola.

 

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Acervo Pessoal – 2007

 

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Acervo Pessoal – 2007

     

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Acervo Pessoal – 2007

 

3. PROJETO ÉTICA E CIDADANIA

 

Este projeto teve como propósito debater as questões postas socialmente, Ética e Cidadania são conceitos a serem trabalhados no Plano Curricular do Estado. Não obstante, devem ser abordados sob a perspetiva legal, da cidadania jurídica como constructo da história, todavia, sem relação com a atuação no presente. Ao mesmo tempo, em São Paulo, no ano 2013, iniciava uma grande onda de manifestações, desencadeadas pelo Movimento Passe Livre [1] que reivindicava a redução das tarifas de autocarros, que sofreria um reajuste de 0,20 centavos. Desta premissa e em virtude dos impactos que tais manifestações causaram, realizou-se um debate com os alunos do 2º e 3 º ano do Ensino Médio quanto aos conceitos de Ética e Cidadania e que cada grupo deveria escolher um tema concernente a noção de cidadania na prática com objetivo de aprofundar a discussão.

A imagem 5 demonstra os alunos que debateram o “direito de manifestar-se” observando que as manifestações supramencionadas estavam a ser fortemente reprimidas pela polícia, através do uso de armas de borracha e bombas de gás. Fato que sequencialmente acabou por mobilizar o país todo e que gerou nos alunos grandes questionamentos do “porquê” a lei garantia tal direito e ao mesmo tempo os manifestantes eram vistos como “vândalos” em suas reivindicações.  O interessante da manifestação realizada dentro da escola foi a reflexão que se fez acerca do que poderia ser reivindicado ali? o que nos faltava naquele espaço que motivaria uma manifestação? apareceram protestações muito plausíveis que não eram verbalizadas antes deste episódio.

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Acervo Pessoal – 2013

 

A imagem 6 demonstra um outro grupo que optou por tratar do preconceito musical em relações as musicas escutadas na periferia, no caso o Funk [2]. Resgatando a origem histórica do estilo musical, politizaram o debate de modo a entender as razões pelas quais o acesso a diversos estilos musicais era limitado e o porquê do estilo musical “Funk”, ser socialmente considerado de mau gosto ou “música destinada aos pobres” por aqueles que se denominam eruditos. O que era cidadania? Como poderíamos construir praticamente este conceito em conjunto com outros estudantes? Foram estas algumas conclusões expostas na feira cultural realizada anualmente. Nas salas de exposição os visitantes poderiam responder anonimamente duas perguntas; o que era cidadania? Como exercê-la? Percebemos que muitas das pessoas que participaram da pesquisa, compreendiam o conceito de Cidadania apenas sob o ponto de vista legal, como um exercício de obediência normativa. As considerações legais apareciam como verdades absolutas e o não acesso aos direitos fundamentais, como um azar inerente a condição/destino.

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Acervo Pessoal – 2013

 

4. PROJETO 50 ANOS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL – UM PESADELO VIVO.

 

Este projeto foi realizado em 2014, quando o Brasil completou 50 anos do golpe militar, os jornais tratavam como comemoração. Desta forma, o propósito do trabalho foi discutir o período do Golpe com os alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos), por meio de vídeos, debates e produção de materiais para exposição na escola. Neste processo abordaríamos a participação civil, a situação económica do país e o desenrolar da história desde 1964. Neste caso, a etapa prévia – sondagem e sensibilização – foi de grande valia para iniciar o processo, pois, percebeu-se que muitos dos alunos vivenciaram o período, portanto, possuíam fotos e relatos que enriqueceram muito na laboração. A dinâmica do trabalho em grupo contribuiu para autonomia dos alunos, uma vez que, por serem alunos não tão jovens sentem-se deslocados no ambiente escolar. Este projeto se encerraria com um debate e um café coletivo que nomeamos “café anti golpe” com todas as turmas da EJA para uma socialização. No dia 02/04/2014 cada aluno traria algo a compartilhar e confraternizar com os outros, desde alimentos, relatos, poemas, etc. Também elaboramos um “Caderno de Relatos” (demonstrado em uma das imagens) onde cada aluno expressaria qual foi, para si, a representação daquela semana de debates.

Contudo, no dia do café ocorreu a morte de um garoto na favela que nos rodeia. A morte, nunca esclarecida, gerou revolta na população que ateou fogo em ônibus como reação. Por conseguinte, houve uma ocupação policial [1] que derrocou em um confronto e a destituição completa dos direitos foi vivida em todos os sentidos. Os alunos não podiam sair de suas casas para ir até à escola, a morte do garoto nunca foi esclarecida e o Estado, através do aparato policial, se fez por meio da repressão, como de costume. Essa conduta policial que reprime violentamente aparece de sua antinomia inconciliável, a coerção e o consenso, sendo a violência a resultante desta contradição que fundamenta o cotidiano periférico (Iasi, 2013, para. 2). A violência, neste caso, é explicita e ainda assim invisível, pouco demonstrada nos noticiários, só é possível experienciar e relatar este episódio, que não é incomum, quando estamos inseridos neste espaço. O mesmo Estado que assume na Constituição Brasileira a educação com um Direito Fundamental, também faz uso do aparelho policial para impedir este acesso e tornar todos os presentes potenciais criminosos.

Conquanto a força da educação mobilizadora triunfou neste dia, os alunos, mesmo sob ameaça policial e cavalarias a circular pelo bairro, foram à escola, cada um com seu contributo para composição da mesa. A resistência dos alunos fez-se presente e nos questionamos se a ditadura e seus resquícios opressores haviam de fato acabado. Foi um dia memorável e para nós uma resistência ante a vida. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil, para além dos agravantes aqui expostos, nada mais é que uma educação de classe, trata-se de uma parcela da população que por diversas razões não acedeu à educação no período considerado adequado e que agora, com a oferta do ensino podem pleitear os subempregos, logo, não são prioritários nos investimentos estatais (Rummert, 2007). O parecer número 11[2] de ano de 2000, apesar de estruturado no respeito aos diversos saberes da população, inclusive os saberes pautados na oralidade que não pode ser subjugada, deixa claro que intencionalidade da EJA é da função reparadora.

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Acervo Pessoal – 2014

A imagem abaixo demonstra o caderno de registros e reflexões dos alunos acerca das vivências daquela semana. Registrar é marca de humanidade, o registro faz notar àquilo que não é evidente, que não aparece de imediato, partindo da interpretação de cada um.

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Acervo Pessoal – 2014

 

 5. PROJETO DE ANÚNCIO.

No final do ano letivo de 2015 os alunos foram surpreendidos com a notícia do fechamento das escolas e reorganização por ciclos [1]. Muitos questionamentos apareceram em relação ao projeto, entre eles; se os professores substitutos seriam demitidos; com o fechamento de escolas as salas ficariam superlotadas; o deslocamento dos alunos até escola poderia inviabilizar a continuidade dos estudos, logo, o projeto de reorganização foi encarado como uma atitude autoritária do Governo do Estado de SP.

Neste quadro, os professores organizaram-se e por meio das assembleias votaram uma greve, que durou 90 dias, mas não obtiveram qualquer êxito. Por sua vez, os alunos também prejudicados com a medida, se manifestaram paralisando as principais avenidas de SP e foram violentamente reprimidos. Sem alternativas frente a medida, os alunos de uma escola em Diadema[2], utilizando como exemplo um movimento iniciado no Chile chamado a “Revolta dos Pinguins”[3], ocuparam a escola até que o governo respondesse os questionamentos relativos ao projecto.  Neste ínterim, outras escolas também começaram a se organizar e ocupar. A escola usada como referência em todos os projetos mencionados neste texto, foi ocupada em Novembro de 2015, na altura o número de escolas ocupadas em São Paulo já alcançava 200. O acirramento da força policial contra os estudantes expostos na média televisiva brasileira forçou o adiamento do Decreto nº 61.672 publicado em 30 de novembro de 2015[4] o Secretário da Educação pediu demissão e o governador foi forçado a explicar-se perante a sociedade. Para os alunos foi uma grande vitória, para os professores uma surpresa, pois não contavam com a possibilidade de qualquer feito nesta gestão de governo, que claramente é um governo com políticas neoliberais. Nas palavras de Freire (1997) vivemos o período de

(…) democratização da sem vergonhice, que vem tomando conta do país, o desrespeito a coisa pública, se generalizaram e aprofundaram tanto que a nação começou a se por de pé, a protesta. Os jovens e adolescentes também vem as ruas e gritam exigindo seriedade. (Freire, 1997, p.5)

Deste aporte histórico nossa ideia neste último projeto intercontinental, partiu do princípio que os alunos que realizaram a ocupação são os mesmos que participaram de algum dos projetos mencionados. Portanto, pensamos em gravar um vídeo em que eles pudessem falar de forma espontânea a representação que ocupação teve na vida de cada um, o objetivo foi construir um canal de dialogo para dentro e fora da escola por meio de um discurso solto, do uso da sinceridade ao falar. E a partir destas falas, aparentemente caóticas e pouco harmoniosas, trocaríamos opiniões e possibilidades de ação, uma vez que a reorganização e o sucateamento continuam a ser realizados “as escuras”. Alguns professores se opuseram à produção, outros acharam que o protagonismo foi somente dos alunos. Entretanto, ao assistirem o vídeo pronto, os professores questionaram a incoerência dos alunos, que ao conquistarem a permanência na escola, não extrapolaram suas exigências. Alunos que discursam uma mudança real e efetiva no mundo, em sala de aula continuavam com o mesmo comportamento, dispersos em relação ao conhecimento a aos conteúdos.

A iniciativa do vídeo nos permitiu perceber que apesar da grandiosa vitória dos alunos, não podemos viver de pequenas bandeiras e frases politizantes e que qualquer projeto só ganha visibilidade quando ultrapassamos a lógica do senso comum. Todavia, as mudanças não ocorrem no ritmo que queremos, principalmente quando tratamos de alunos que estão a margem de uma educação considerada emancipadora e quando a relação mercantil invade todas as esferas da vida, educar se torna cada vez mais difícil (Souza, 2009).  Nenhum professor pode falar em nome dos alunos, de fato o protagonismo é deles, mas, se fez urgente a necessidade de construir um diálogo objetivando uma educação de qualidade e não apenas um sentimento de pertencimento que se encerrou com a ocupação. Em tempo, o momento é de não recuarmos, se é que um dia o fizemos, continuar a forçar coisas aparentemente pequenas, mas magnificentes naquele estreito mundo escolar. As escolas continuam a ser ocupadas, o vilipêndio se mantém. Segundo Alfonsin (2016)

Estudantes brasileiras/os estão entrando e ficando dentro das suas  escolas, para reivindicar direitos que deveriam ser prioritários de qualquer Estado, denunciando o descaso das administrações públicas com a educação de qualidade, os programas defasados e alienados de ensino, a falta de professoras/es, em grande parte devida aos seus salários incompatíveis com a importância e a grandeza da sua missão, os prédios escolares em ruínas. (Alfonsin, 2016, p.5)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Partindo da premissa que a escola deve promover uma abordagem significativa, este texto demonstrou as várias barreiras encontradas em uma escola em sua busca por atender tais objetivos. Tal como na mitologia grega os estudantes são como uma Fénix, aves que carregam cargas pesadíssimas, mas que renascem das cinzas quando mortas. A educação por si só, não é essencialmente revolucionária, mas ela fornece ferramentas para alavancar mudanças, transpondo os muros da escola (Saviani, 2008).

Os projetos relatados dotaram de significado a nossa formação humana, ainda que não tenham uma ordem cronológica, sabemos que tudo que foi e é feito dentro da escola, repercute em todos os envolvidos. Vivemos a crise da instituição escola, moldada no tradicionalismo lousa e giz, pautada numa conceção que concebe o aluno como tábula rasa, segundo a visão de Durkheim no século XIX (1952) amarrados na legalidade. Parece-nos claro que os passos na realidade valem mais que programas escolares, e quando perpetuados ao longo do crescimento destes jovens, se abre uma perspetiva nova, um conhecimento para além do instrumental (Klein & Arantes, 2016). Para muitos alunos aquele é único espaço de socialização, sendo assim, o mercado e a preparação para o mundo do trabalho não podem ser o único norte da educação. Por outro lado, é preciso deixar claro que ter conhecimento crítico não altera o mundo por si só, o potencial emancipador só aumenta quando desvelamos as desigualdades para todos e isto só é possível como uma prática distinta (Freire, 1999). Ser diferente, fazendo diferente e cada projeto desencadeou novas perspetivas perante a realidade e evidenciou um modelo fracassado de educação universalizante.

As janelas só se abrem quando se criam as condições para falar das nossas vidas tal como são, na micropolítica da sala de aula é preciso ter crítica, autocritica e análise a todo momento. O ensino que liberta não pode ter uma prescrição, um modelo neste sentido, a inesperada luta dos alunos trouxe novo folego face a uma realidade que possuí um dinamismo por vezes inalcançável teoricamente. Por outro lado, sem teoria perdemos o paradigma e tal como os alunos acabamos na inação da conformidade. A escola pública só resiste por empenho dos que lá e os problemas ali existentes, são os problemas da sociedade, do homem, de uma vida que pede mais vida permanentemente. Estas foram as razões para continuar atuando como professora, pois, naquele espaço, nos sentimos mais humanos é a vida tal como aparece, para pegar ou largar.

O processo de ocupação das escolas, impulsionado pelos secundaristas, deve ser compreendido a partir dos avanços e retrocessos em torno do tema que já existia, mas que em dado momento tornou-se insustentável. O protagonismo do calor do momento corrobora com a tese da espontaneidade e capacidade de luta e organização dos discentes, num determinado período de efervescência de lutas coletivas. No entanto, ao findar as ocupações e a instituição escola retornar ao seu ritmo habitual, a realidade concreta da escola pública permaneceu estagnada. A projeção futura de uma nova fase do ensino público, mais democrático que nos períodos anteriores – pensada por professores e teóricos da educação mais participantes – não se concretizou. Isso exprime o peso da estrutura sobre a instituição escola, que segundo o jargão da teoria das organizações: “as pessoas passam e a organização fica”. Ou seja, passarão os estudantes que lutam em períodos esporádicos e espontâneos, nos momentos de grande tensão em que a realidade se impõe, mas o modelo de organização do ensino público permanecerá o mesmo se as lutas não continuarem. Essa realidade estática, com poucas mudanças, pode ser percebida no cotidiano escolar: da permanência de uma cultura escolar moribunda pouco transformadora, à falta de interesse de discentes e docentes. Os mesmos discentes que levantaram a bandeira da “democratização do ensino e melhor qualidade educacional” são os mesmos que embriagados das determinações externas à escola reproduzem o habitus precário cujo modelo de ensino não possibilitou adquirir, tardiamente, o acúmulo de capital cultural (Souza, 2009, p.354) [1].

A escola brasileira, nesse sentido, não conseguirá sofrer transformações enquanto a realidade social que cerca permanecer igual. Entretanto, não desperdiçaremos nada, nossos desencontros dentro da comunidade escolar não nos enclausuraram, estamos vivos, precisamos ser vistos. Educar no capital carrega este agravante, é um processo humanizador e embrutecedor ao mesmo tempo, nosso esforço é escovar a história a contrapelo, ou seja, é a desistência ou a radicalidade.  Trabalhar na periferia de uma sociedade marcada pela desigualdade é como reduzir a dor do parto, que sabemos, será sempre doloroso. Logo, o que nos move não é um trabalho de um mês ou de um ano e sim, um trabalho de uma vida, considerando, que também somos parte disto.

Tal texto também foi um mecanismo de superação do ambiente romantizado que permeia a mente de muitos dos especialistas da educação, a escola atual periférica nos oferece o submundo, não há nada de sublime na condição de precariedade. Estigmatizar o ensino é persistir na desigualdade, sem explicar a cadeia causal da exclusão. Tais insuficiências teóricas só nos servem como fetiche ou como ocultamento do real por vezes também nos serve como leitura diversionista durante as reuniões pedagógicas. É necessário ter muita cautela para não cairmos na atrofia moral ou na lógica meritocrática quando, estudantes e mesmo professores não possuem alternativas. Neste sentido, os projetos são uma obrigação e ao mesmo tempo uma fuga. Entretanto, este tipo de intervenção deve ser consciente e em acordo com a única didática possível frente ao abandono, a didática do ativismo. Não somos voluntários, altruístas, muito menos trabalhadores com interesses apenas salariais, nosso pensamento e compromisso com a formação humana, perpassa primeiro por um projeto de sociedade.

 

 

[1] Grifo nosso

 

[1] Ver mais: http://www.educacao.sp.gov.br/reorganizacao Acesso no dia 20/05/2016

[2] A Escola Estadual Diadema localiza-se na Região Metropolitana de São Paulo, considerada uma das cidades mais violentas do país, teve a primeira ocupação de alunos com relatos bastante espantosos, como descreve a página que fazia a cobertura das ocupações.

“Aqui, diferentemente da EE do centro expandido, policiais entraram no pátio interno da escola segurando metralhadoras na noite de quarta-feira, dia 11/11. Ao chegar, um dos dois policiais que vieram se juntar ao grupo já dentro da EE disse: “A gente não veio matar ninguém, pode deixar a gente entrar.” Disponível http://www.vice.com/pt_br/read/primeiro-colegio-ocupado Acedido em 23/05/2016

[3] Revolta dos Pinguins foi uma mobilização realizada por secundaristas no Chile em 2006. Foi uma das primeiras e maiores reivindicações realizada por estudantes chilenos. Exigiam exame gratuito de seleção para universidade até reforma dos banheiros em más condições, passando pelo passe escolar gratuito e melhora nas merendas. Segundo a página   http://www.revistacapitolina.com.br/a-revolta-dos-pinguins/ Acedido em 23/05/216

[4] Ver mais http://g1.globo.com/sao-paulo/escolas-ocupadas/noticia/2015/12/alckmin-oficializa-revogacao-da-reorganizacao-escolar-em-sao-paulo.html Acedido em 23/05/2016

 

[1] Ver mais: http://noticias.r7.com/balanco-geral/video/protesto-morte-de-jovem-gera-revolta-de-moradores-em-santo-andre-533be97a0cf2df41d9792524

Acedido no dia 10/05/2016

[2]Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf

Acedido em 01/08/2016

 

[1] Para saber mais consultar http://intervozes.org.br/publicacoes/vozes-silenciadas-midia-e-protestos-as-manifestacoes-de-junho-de-2013-nos-jornais-o-estado-de-s-paulo-folha-de-s-paulo-e-o-globo-cobriram-as-manifestacoes-de-junho/

Acesso em 10/05/2016

[2] Estilo musical que a maioria dos adolescentes na periferia (e até mesmo fora dela) escutam. As sextas-feiras na Cidade São Jorge realizava-se o chamado “Baile de Favela” quando os jovens fecham uma rua abrem o porta malas de seus carros e com o som alto, bebem, entorpecem-se e namoram. Possuem até pagina no facebook para divulgação dos bailes: https://www.facebook.com/Fluxo-Da-Cidade-S%C3%A3o-Jorge-1419511215042615/

A comunidade não participante do baile reclama do barulho, entretanto, compreendem a falta de opção para o entretenimento dos jovens. Os bailes também foram motivos de ocupação policial e lançamento de bombas de gás contra os jovens. Em conversa com os alunos percebi que eles consideram ali, para além da escola e trabalho, seu espaço e momento de divertimento. Tendo em vista que São Paulo é uma cidade enorme e extremamente cara, logo, os acessos são sempre limitados. Os transportes são caríssimos o que inviabiliza o acesso as diferentes que uma metrópole pode oferecer.

 

[1] frequentemente isto ocorre quando os professores ainda possuem uma perspetiva idealizadora do ensino e do saber como um estatuto de autoridade e não de um respeito que precisa ser construído.

[2] Período de frequência escolar quando da não reprovação do aluno.

[3] O desafio de sair sozinha com 40 alunos entre 10 e 11 anos pelas ruas deste bairro em São Paulo foi um temor para mim. Já que, por possuírem a mentalidade de escola como prisão, os alunos saem às ruas como se saíssem rumo a liberdade, após um encarceramento de si e de suas mentes.

[4] A biblioteca da escola esta desativada desde o ano 2000, simplesmente porque não há espaço suficiente para comportar tantos alunos e livros, por mais contraditória que esta afirmação possa parecer.

[1] Segundo o site da Estadual da Educação em SP. Entretanto espera-se que este número aumente, devido a reorganização escolar bem como da Resolução SE-2, de 8-1-2016, que normaliza a inclusão de alunos, em casos excecionais. Disponível em http://www.educacao.sp.gov.br/ Acedido em 01/10/2016

 

[1] Ver mais: http://noticias.r7.com/balanco-geral/video/protesto-morte-de-jovem-gera-revolta-de-moradores-em-santo-andre-533be97a0cf2df41d9792524  Acedido no dia 10/05/2016

[2]Disponível: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf Acedido em 01/08/2016

 

[1] Para saber mais consultar http://intervozes.org.br/publicacoes/vozes-silenciadas-midia-e-protestos-as-manifestacoes-de-junho-de-2013-nos-jornais-o-estado-de-s-paulo-folha-de-s-paulo-e-o-globo-cobriram-as-manifestacoes-de-junho/  Acesso em 10/05/2016

[2] Estilo musical que a maioria dos adolescentes na periferia (e até mesmo fora dela) escutam. As sextas-feiras na Cidade São Jorge realizava-se o chamado “Baile de Favela” quando os jovens fecham uma rua abrem o porta malas de seus carros e com o som alto, bebem, entorpecem-se e namoram. Possuem até pagina no facebook para divulgação dos bailes: https://www.facebook.com/Fluxo-Da-Cidade-S%C3%A3o-Jorge-1419511215042615/

A comunidade não participante do baile reclama do barulho, entretanto, compreendem a falta de opção para o entretenimento dos jovens. Os bailes também foram motivos de ocupação policial e lançamento de bombas de gás contra os jovens. Em conversa com os alunos percebi que eles consideram ali, para além da escola e trabalho, seu espaço e momento de divertimento. Tendo em vista que São Paulo é uma cidade enorme e extremamente cara, logo, os acessos são sempre limitados. Os transportes são caríssimos o que inviabiliza o acesso as diferentes que uma metrópole pode oferecer.

 

 

[1] Uma escola de lata.

 

 

[1] Uma escola de lata.

 

[1] Conceito bastante propagado pelos teóricos da pedagogia do “aprender a aprender”.

 

 

[1][1] Unesco, Cepal e o Banco Mundial.

 

[1] Grifo do autor

[2] 2007 a 2014

 

[1] Op. Cit. 3

 

[1] Ver mais informações http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/09/08/em-sp-172-professores-pedem-demissao-a-cada-mes-ao-estado.htm Acedido em 20/05/2016

 

 

[1] Op. Cit. 3

 

 

 



Referencias


REFERÊNCIAS

[C-CdIP1] Alfonsin, J. T. (2016). Ocupar, resistir, produzir – estudantes dão aula de cidadania de cidadania. Disponível em href=”http://www.paulofreire.org/noticias/456-artigo-ocupar,-resistir,-produzir-estudantes-dão-aula-de-cidadania”>http://www.paulofreire.org/noticias/456-artigo-ocupar,-resistir,-produzir-estudantes-dão-aula-de-cidadania. Acedido em 24/05/2016.

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